Adentrando a intimidade feminina com uma abordagem que discute o paradigma da beleza e da exposição da mulher, Violette discorre sobre a história de Violette Leduc (Emmanuelle Devos) e sua relação com a filósofa Simone de Beauvoir (Sandrine Kiberlain). A câmera corre atrás da cabeça da personagem de maneira tão trêmula quanto a sua caminhada, passando por ambientes escuros, embrenhando pela floresta adentro, em meio a mata, simulando o andar pela escuridão de sua mente.
Após retornar da prisão, Violette entra em sua casa, e o lugar que deveria ser o seu recôndito, o lar do sossego, é somente o local onde estão escondidos quem a oprime e pouco se importa com ela. Os homens que a cercam vivem à sombra de sua própria arrogância, covardia e do sentimento falso de autossuficiência. O desprezo que ela sofre devasta completamente a sua autoestima, especialmente a rejeição de Maurice Sachs (Olivier Py), que tem uma série de ideias confusas a respeito de sua própria sexualidade, fazendo com que a visão de Violette a respeito de si mesma como esposa torne-se algo absolutamente miserável.
É curioso como a lente de Martin Provost segue a personagem título, acompanhando de perto cada movimento que ela faz, simulando cada uma das difíceis decisões que ela deve tomar, ao mesmo tempo em que analisa seus momentos de intimidade a partir de uma distância considerável, especialmente quando ela troca de roupa ou esboça qualquer reação sexual. O distanciamento é proposital, uma vez que ela jamais está satisfeita com o saciamento de sua voluptuosidade. A frustração que ela tem ao não alcançar o coito causa uma enorme decepção, estampada em seu rosto para que todos possam ver.
Paralelo à crise existencial da mulher, há uma forte cobrança da editora pelo original do novo livro de Violette, uma vez que seus prazos estão se encerrando. Mesmo a aprovação de Simone de Beauvoir não é o bastante para suprir as cobranças de outra figura que oprime a protagonista, sua mãe Berthe Leduc (Catherine Hiegel). O apreço dessas figuras de autoridade não é alcançado nos dois primeiros tomos da história.
Em pouco tempo de tela, o roteiro faz questão de mostrar os motivos da melancolia de Violette, tornando físicas as polêmicas sexuais que antes eram apenas sugeridas. A inferioridade com que Leduc se vê é muito semelhante ao comportamento de quem tem o quadro de depressão, piorado demais pela desprezo ao seu livro, que por ser escrito por uma novata, tem uma tiragem muitíssimo pequena. Mesmo a menor fagulha de desaprovação é capaz de fazê-la estourar, reagindo de modo passional a qualquer menção que arranhe a sua vaidade.
Seu modo de viver a rotina é completamente errático. A escritora tem dificuldade para se relacionar de um jeito “normal” com aqueles que a cercam, mesmo com os que não são do ramo artístico. O modo distante com que ela se relaciona com Simone é uma das principais mostras disso, colaborando muito com a instabilidade emocional da protagonista. Explosões emocionais, acompanhadas de destemperos repletos de palavreado torpe, permeiam todo o modus operandi da protagonista, que tem na ferocidade, o seu modo de expressar, o que mais se aproxima de um comportamento confortável.
O modo como o guião de Provost, Marc Abdelnour, René de Ceccatty lida com a liberação da homossexualidade é natural, a fluidez da fita entra em conflito até com o conservadorismo de sua época, o início dos anos 20. O método utilizado não inclui cenas de intimidade entre os pares, possivelmente para não afastar o público mais conservador, que certamente se chocaria com tais cenas, mesmo que não haja qualquer agressividade em sua essência.
Mesmo quando atinge – por méritos próprios – o reconhecimento de crítica e público, Violette sente-se mal, com um vazio existencial em seu interior que a impede de sentir qualquer possibilidade autorreconhecimento. Não importa o quanto ela cresça ou se desenvolva, a sensação que a acomete é sempre a de ser uma bastarda, uma estranha, mesmo dentro do ambiente familiar. A dicotomia de seu comportamento remete às mesmas facetas vividas por muitos artistas, que têm de sorrir em público e se mostrar sociáveis, ainda que, em sua intimidade, eles tenham uma vida solitária, miserável e desolada.
O intuito da película é registrar como pode ser caótica a mente feminina, desde as simples escolhas cotidianas, até as tendências sexuais e os sentimentos provindos das relações travadas por essas, englobando os parceiros, familiares e amigos que estejam inseridas na intimidade da pessoa. Violette é o símbolo do feminino, carregada de estrogênio em todas as suas ações, é o avatar do duplo cromossomo X, tanto em seus sucessos quanto em seus fracassos. O modo tocante como Violette vê a vida é claramente feminino, mas acima de tudo é humano e sensível. Mesmo as relações que a fazem sofrer e chorar são necessárias. Tanto que ela repete que sem tais aflições, seria incapaz de viver plenamente. Sofrer é parte integrante de sua vida, tão essencial quanto comer ou respirar.
Ainda que não seja fácil se identificar com a personagem – tampouco assumir a semelhança, quando ela acontece – é sempre possível identificar, na trajetória de Leduc, traços comuns à vida humana, seja nos momentos gloriosos ou nos tragicômicos. A normalidade anormal de sua persona vai de encontro à dualidade que alguns humanos têm, e que tantos outros tentam matar ou esconder, simplesmente por não compreendê-las de modo pragmático. Provost não se preocupa em esconder essa história, nem em suavizar o drama vivido por sua heroína, ao contrário, dá traços épicos à história de uma pessoa que sempre esteve à margem da felicidade e do bem estar.