Após os grandes sucessos de seus livros anteriores (1808 e 1822), Laurentino Gomes lançou, em 2013, o terceiro livro de sua série sobre os principais acontecimentos da história do Brasil: 1889, sobre a Proclamação da República. Atualmente, a história do Brasil está em alta no mercado editorial, e o autor se aproveita dessa onda para satisfazer a curiosidade dos leitores sobre esses eventos-chave na formação social e política do país.
Juntamente com outros autores, especialmente Eduardo Bueno e Leandro Narloch, Laurentino Gomes não possui formação acadêmica em História, o que por várias vezes prejudica seu entendimento e uso das fontes na produção do livro. Porém, ao contrário dos dois primeiros (Bueno trata a história como anedota, e Narloch é simplesmente um picareta que se aproveita de seu conhecimento ínfimo de produção historiográfica para uma agenda ideológica, não-científica), Gomes possui vontade legítima de contribuir com o conhecimento histórico da nação e trazer à tona debates sobre o futuro do país que queremos; para isso, é necessário olharmos à nossa história.
Somente vontade não é o suficiente. Treinado na escola Globo e Veja de jornalismo, falta a Gomes uma profundidade acadêmica no trato das fontes (primárias e secundárias) e o necessário diálogo que precisa ser feito entre elas. Seus livros passam a impressão de que a História foi uma sucessão retilínea de eventos, cujos confrontos só se deram no passado e não refletem na atualidade de forma direta, como resultado de ações políticas consequências. O embate entre essas fontes é necessário para a construção de uma imagem do passado, que será também um reflexo do pesquisador e a forma como ele próprio manejou essas fontes, já que a neutralidade, apesar de ser um objetivo, é impossível. Gomes não se preocupa em momento algum com esse rigor científico.
Repetindo erros dos livros anteriores, o autor falha ao adjetivar personagens históricos, o que não é função do historiador. Falha também ao tentar imprimir uma narrativa jornalística, citando nomes e mais nomes em eventos de pouca importância ao leitor não-familiarizado como o autor no assunto, tornando, às vezes, a leitura tediosa. Também há diversas redundâncias em temas já ultrapassados, sempre retornados de maneira desnecessária à narrativa.
Portanto, apesar do correto interesse do autor de buscar fontes, inclusive primárias, a respeito da história do Brasil, falta a ele uma profundidade teórica e rigor acadêmico. Pois, ao tratar a História assim, corre-se o risco de tirar dela todo o seu potencial de discussão política da realidade e tratá-la como faz Bueno: uma série de anedotas e acontecimentos estéreis, que não foram frutos de brutais lutas no decorrer do tempo, o que é muito sério e até um desrespeito. Ao tratar da escravidão, por exemplo, Gomes passa mais tempo dentro dos gabinetes da realeza do que falando exatamente dos escravos: apenas cita as injustiças de um sistema que não reparou os seres humanos responsáveis pela construção do Brasil, jogando-os na mais completa marginalidade, o que vai contra as novas perspectivas da História, que é de justamente sair dos gabinetes oficiais e ir para as ruas.
Para o leitor que se contenta com pouco, é um livro que satisfaz. Porém, ainda assim é mais recomendável procurar a bibliografia de Gomes a fim de ter um conhecimento mais elaborado em dois autores fartamente citados, como José Murilo de Carvalho (em especial seu livro “Os Bestializados”) e Emilia Viotti da Costa, pois ambos trazem uma discussão profunda, a anos-luz do que Gomes propõe. Ao contrário de Bueno e em especial do ofensivo Narloch, Gomes é bem intencionado, mas somente boa intenção não é o suficiente.
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Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.
Fábio, não consegui ainda ler este, apenas o 1808 e 1822. Não sou historiador, portanto não peguei os “problemas técnicos” dos livros, por assim dizer. Apenas alguns, que pelo visto se repetem nesse, que é a retomada desnecessária de certos temas, tornando muitas vezes a leitura maçante.
Mas enfim, o que quero perguntar é: não falta talvez nessa nova leva de livros tratando da história do Brasil, historiadores de profissão, da acadêmia, publicarem trabalhos deixando de lado um pouco da sizudês e do jargão acadêmico, fazendo obras mais acessíveis ao público geral? Mal comparando, mas como Carl Sagan, Hawkins, Mlodlnow, entre outros, em seus trabalhos de divulgação.
Esse tipo de trabalho existe, só não tem o alcance como os livros do Gomes, ou é um tipo de situação que não se aplicaria em ciências sociais, como história?
No mais, boa resenha.
Cara, existe sim. A Mary del Priore por exemplo tem uma cacetada de livros publicados nesse gênero, e a mulher é doutora em história social voltada ao cotidiano, em específico a história das mulheres.
O problema é que a história atualmente não é mais universal. Não existe mais “guias de história da humanidade” porque nenhum ser humano consegue abordar as infinitas camadas da realidade, então o que nós temos é uma micro-história, multifacetada, o que abre uma oportunidade imensa pra produção, e o leitor que não é especialista quer o fácil e rápido, como o Laurentino traduz.
Então não é a toa que mesmo produções mais acessíveis acabam não chegando ao grande público. Mesmo porque o Laurentino tem a Globo por trás pra divulgar né? eheheh