Joe Hill é o típico escritor que acredita mais no potencial da premissa e situações da sua história, do que em seu poder narrativo enquanto contador de contos de terror, e ficção fantástica. Tal como um Stephen King da vida, e seus clones e seguidores aspirantes a contadores, também, Hill conjura em O Pacto uma alegoria semi criativa para uma vida regida pelo desespero, e uma constante sensação de desolação sobre tudo, e todos. Uma alegoria fantasmagórica e sobrenatural, esta, que nos remete a casos extremos onde o ser humano se reduz a seus instintos mais básicos a fim de se proteger das agruras que o destino, e suas escolhas pessoais, reservam-no sem dó nem piedade.
Tudo que o pobre Ignatius Perrish precisa é de um abraço, e nós sabemos disso. Quando Ig (como é chamado na narrativa ágil, e em terceira pessoa) perde sua namorada, todos o acusam de tê-la matado, e ninguém está disposto a acreditar no contrário. Revoltado contra a humanidade e suas crenças, ele mija em símbolos católicos, o que, aparentemente faz brotar em sua cabeça um par de chifres que ninguém enxerga além dele mesmo, e poderes diabólicos que tornam Ig a encarnação (ainda) humana do próprio Lúcifer. Envolto em seus novos “dons”, Ig passa a descobrir o pecado e os desejos mais impronunciáveis de seus pais, amigos e colegas, quase sempre fracos e suscetíveis ao erro, como se a natureza humana precisasse de apenas um empurrãozinho para ser deliciosamente perversa.
Tal catarse do personagem é fortemente ignorada, em O Pacto, para proporcionar discursos sobre o caráter ambíguo do homem, ou o papel das tentações e dias ruins na trajetória das pessoas em suas vidas tão frágeis, e turvas. Contudo, Joe Hill se mostra um escritor desinteressado ao verdadeiro potencial de sua obra, ou a apologias ao satanismo, indo ao encontro da espetacularização das situações que condizem com os poderes sobrenaturais de Ig, sempre envolvendo alguma bomba, fogo, tridentes e imensos flashbacks, artifícios de funcionalidade barata na história (em certo momento, o uso do número 666 é especialmente ruim), ao invés de se valer de quaisquer reflexões ou temas a enriquecer o romance. É o preço que uma obra paga, em suposição, para ser orgulhosamente mainstream.
No isolamento de Ig decorrente da sua evolução, ou melhor, sua involução moral e digna na figura do próprio Diabo que usa e abusa de todos, fica-nos claro que Ig só poupa o irmão Terry, sendo ele sua última ligação com a humanidade, e seu último vestígio de respeito ao próximo, após a tempestade perfeita de tragédias e rancores que mudariam seus rumos, para a eternidade. Ao amaldiçoar qualquer criatura que passe pelo seus caminhos de pura condenação, e dor eterna, Ig é um personagem fascinante por sua perfídia que só cresce, sua ardilosidade absoluta, e todas as outras qualidades que nos levam a amar outras figuras icônicas, tais como o Coringa, o clássico vilão do Batman (muitos preferem ele ao herói justamente por isso).
Mesmo assim, é uma pena Hill ter falhado em não desejar se aprofundar tematicamente na consciência e nas consequências dos atos do personagem, tão carente de amor, aceitação, e empatia. O Pacto, publicado no Brasil pela editora Sextante, apresenta um ritmo alucinante que casa muito bem com a percepção mais impaciente das novas gerações; algo que tampouco favorece a longevidade e o impacto da história nos leitores que procuram, de fato, uma boa literatura de horror, e que não se apoia em essência e larga escala nos arquétipos mais gratuitos do seu gênero.
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