Falar sobre o Século XX sem esbarrar no desenvolvimento de uma pequena ilha ao sul dos Estados Unidos da América e seu antigo líder e ditador, Fidel Castro, provavelmente não faria jus à História. Tal redução deixaria de lado uma parte importante do conceito do mundo durante esse período e a importância de refleti-lo nos dias de hoje, dada a influência da figura emblemática que Fidel foi não só para o povo cubano, como também para as Américas e o restante do mundo. Reinhard Kleist entendeu muito bem isso e decidiu biografar o comandante na obra Castro, assim como já havia feito anteriormente com Elvis Presley e Johnny Cash, também publicados pela editora 8Inverso Graphics.
O quadrinista alemão faz aqui um excelente trabalho jornalístico de pesquisa sobre a figura de Fidel Castro, inclusive morou em Cuba durante algum tempo, experiência relatada na HQ Havana – Uma Viagem Cubana (inédito no Brasil), que funcionou como um diário de viagens do autor. Desta vez, em Castro, Kleist recorreu a Volker Skierka, um dos grandes especialistas no assunto e autor de Fidel Castro – Uma biografia, originando o prefácio da obra escrito pelo próprio Skierka. A pesquisa de campo resultou num belo álbum biográfico, muito acima da média da maioria das biografias em quadrinhos que vemos por aí.
A narrativa de Kleist se desenvolve ao longo de três partes, sendo a primeira voltada aos relatos sobre a formação de Fidel e sua militância política e revolucionária. Outro ponto-chave desta primeira divisão fica por conta dos problemas sociais vivenciados por Cuba, completamente refém da máfia advinda dos EUA, que transformaram o país no conhecido “bordel da América”, como era chamado, sendo completamente incapazes de amparar sua população. Ainda neste capítulo somos apresentados a um jovem médico argentino de convicções muito parecidas com as de Fidel, contudo muito mais amplas: Ernesto Che Guevara, ou apenas Che.
Na segunda parte de Castro conhecemos um pouco mais a campanha exitosa na Sierra Maestra que derrubou o regime de Fulgêncio Batista e, a partir daí, o foco é voltado para Cuba e seu líder pós-revolução. A jornada revolucionária de Fidel o leva à ascensão de Chefe de Estado, travando os primeiros embates contra os Estados Unidos e aproximando-se dos ideais da União Soviética. Se na primeira parte conhecíamos Fidel através dele mesmo, nesta o autor o desenvolve através da ótica de seu povo e camaradas. As atitudes e questionamentos do comandante são colocados em xeque a todo momento, o que deixa claro que a biografia de Kleist não procura tratá-lo como um ser acima do bem e do mal, mas sim de um modo humano.
A última parte é direcionada aos tempos atuais, mostrando um Fidel já bastante velho e com um certo distanciamento de seu povo, o que parece ocorrer gradativamente ao longo da HQ, culminando no último capítulo, ambientado no ano de 2010, dois anos após sua renúncia e deixando o comando do país para seu irmão Raúl Castro.
Importante ressaltar que Kleist utiliza-se da criação de um personagem ficcional, o fotojornalista alemão Karl Mertens, para desenvolver sua história. Ao utilizar o artifício de inserir um elemento imaginário em diversos eventos marcantes do líder cubano, a biografia aqui apresentada torna-se uma narrativa de ficção repleta de fatos históricos. Kleist é bastante convencional no desenvolvimento da história, mas possui o distanciamento crítico necessário para compor uma biografia, não caindo no lugar-comum de criar uma obra parcial e panfletária, favorável ou não ao regime, visto que o roteiro, a todo momento, deixa claras as posturas questionáveis do líder revolucionário.
Castro é um quadrinho fascinante sobre uma personalidade ainda mais fascinante, independente da imagem que as pessoas possam ter dela.