Obras que assumem seu poderio visual já carregam, em si, toda a capacidade de serem memoráveis. Se conseguem atingir o patamar, ou não, é outra história, como bem provam vários filmes e histórias em quadrinhos que, mesmo brilhantemente ilustradas, o enredo deixa a desejar em questões de posterioridade. Eis que, aqui, o papo é outro, e Escombros – O Status de Knuckle desde as primeiras páginas de rápida leitura (e hipnose), consegue concentrar todos os méritos de uma ótima HQ que desvirtua um ambiente humano para, assim, mostrar seu lado mais assustador e estranho. Para isso, a história precisava de um protagonista igual a nós, um voyeur no cabaré, solto numa zona à beira da loucura chamada Hollywood, e que também reflete, estruturalmente, a doideira aqui de fora.
O inseguro Knuckle, pequeno empregado de uma fábrica de bonecas onde tudo (tudo mesmo) acontece, quer ir pro reino dos sonhos. Ele quer brilhar, quem sabe pegar mulher, deseja sair do comum. Num mundo caótico e futurista, onde apenas as figuras femininas parecem não estar corrompidas por uma imoralidade asquerosa, e raramente são desenhadas como figuras monstruosas e nojentas, suadas ou barrigudas, a figura predominante do homem estraga seu ambiente como se este, seus vícios e sua violência fossem extensões de uma masculinidade iminentemente tóxica. Para os machos que se ofendem fácil, Escombros é tanto uma utopia para seus desejos mais profundos, quanto uma distopia a expor, da forma mais ilustrativa e metafórica possível, muito daquilo que nos aproxima de animais guiados em especial por instintos primitivos.
Fato é que o traço de Dave Cooper, pintor e cartunista canadense com um estilo todo próprio, e sempre habitando uma realidade de ficção-científica pirada, e que o permite extrapolar suas ideias mais malucas, ele nos faz observar coisas banais no nosso mundo de um jeito estranho que poderia, facilmente, existir só numa realidade bizarra. Com sua visão grotesca, para muitos, Cooper é muito sutil e perspicaz com o choque entre o banal e o esquisito, o esperado e o imprevisível, e constrói uma aventura de dois amigos, homens e imaturos, numa Hollywood tão perigosa que chega a ser mortal. Escombros não nega o nome que tem: é como se os garotos de Superbad, grande comédia de 2007, estivessem perdidos num cenário ainda mais aloprado que o de Betty Boop, a clássica pin-up, sempre metida em encrencas cheias de bizarrice, e gente sinistra.
Os personagens de Dave Cooper são mais entidades embriagadas na própria extravagância que pessoas. São arquétipos de uma sociedade entregue à própria sorte, capazes de tudo e mais um pouco pelo poder – seja ele sexual ou não, mas no fim, vale tudo por uma boa transa. Seguindo à risca uma das máximas de Oscar Wilde, dentro ou fora de Hollywood, a La La Land satirizada aqui, que tudo é uma questão de sexo, exceto que o próprio é uma questão de poder, a editora Zarabatana publica, no Brasil, uma graphic novel que aposta tudo no impacto das suas imagens, traduzindo com muita força e um traço pertinente temas adultos que o cotidiano, maçante como tal, desvaloriza. Nisso entre a arte, e o valor de um visual ousado, servindo a um mundo kafkiano onde o homem tem duas cabeças, e geralmente, a de baixo grita mais alto. Ainda bem que não é verdade.