Resenha | Cântico – Ayn Rand
Ayn Rand foi uma grande defensora da liberdade e do individualismo no século XX. Nascida na Rússia em 1905, emigrou para os Estados Unidos já em 1925. Passou a desenvolver uma filosofia denominada Objetivismo que, de uma forma extremamente resumida, poderia ser definida como uma ode ao individualismo, à liberdade e ao anti-coletivismo. Para difundir suas ideias, além de publicar livros e artigos sobre o tema, escreveu histórias de ficção com bases em sua filosofia. As obras mais icônicas são A Nascente e A Revolta de Atlas, este último um dos livros mais influentes nos EUA.
Outra obra icônica de Rand é Cântico (Anthem, no original), um livro curto, porém visceral. Ele segue a proposta de apresentar uma história de ficção onde a autora expõe suas ideias objetivistas, seja de forma direta ou indireta. No romance, vemos uma sociedade distópica onde os avanços tecnológicos regrediram e o coletivismo foi levado às últimas consequências. A palavra “eu” é proibida, o que gera a curiosa escrita do livro onde os personagens se referem a eles mesmos como “nós”. Nomes também seguem um formato bizarro: palavra + número, mais uma característica que elimina o aspecto individual de cada um, como se fossem mero gado ou prisioneiros. O protagonista, por exemplo, é o Igualdade 7-2521.
Ainda adolescentes, as pessoas dessa sociedade já têm designadas pelos líderes suas funções permanente. Igualdade 7-2521 foi designado Varredor de Rua, e assim será até sua morte, sem possibilidade de mudança. Porém, o jovem já tem diversos questionamentos sobre aquela sociedade, e sente-se estranho por pensar determinadas coisas. Em certo momento, ao explorar uma floresta nos arredores da cidade, encontra resquícios de uma sociedade antiga, que seria a nossa atual, e ali começa a descobrir uma arma poderosa: o conhecimento. Descobre elementos importantes que poderão trazer benefícios a toda sua sociedade, mas há um grande problema. Caso ele revele sua descoberta, ele estará se mostrando melhor que seus “irmãos”, logo quebrará um preceito fundamental da igualdade torta em que acreditam.
Essa loucura maniqueísta soa completamente exagerada, mas nas entrelinhas é nítida qual a intenção de Rand. Justamente pelo exagero que surgem as pesadas críticas da autora sobre regimes totalitários, coletivistas, ou mesmo pelo cerceamento de liberdade de pensamento e de ação que tentam forjar uma igualdade distorcida. Não deixa de ser uma alegoria que reflete, de forma assustadora, algumas verdades.
A narrativa é muito boa, com inúmeras reflexões que surgem de forma até orgânica, sendo a mistura de ficção com filosofia uma ferramenta muito eficiente para expor suas ideias. A ausência do pronome “eu” deixa o texto propositadamente estranho, e talvez, ao longo da leitura, você acabará se acostumando.
Cântico é uma boa introdução ao pensamento da autora e à sua obra. Além da história em si, há um longo prefácio com análise aprofundada do Objetivismo e da obra da autora de uma forma geral, além de tecer comentários importantes para a melhor compreensão deste livro. O romance não precisa ser visto apenas como uma crítica a determinadas ideologias, mas também como uma nova proposta de enxergar as coisas. Não à toa, a filosofia de Rand tem impactos até hoje, muitas vezes sem sabermos que está lá. Para citar um exemplo famoso, o disco 2112, da banda canadense Rush, tem suas letras inspiradas fortemente em Cântico. O baterista Neil Peart já afirmou que, após finalizar as letras do disco, notou que, de forma inconsciente, teve fortes inspirações no livro de Ayn Rand. Para não correr o risco de ser acusado de plágio, ele declarou abertamente que 2112 foi baseado em Cântico. Outro exemplo conhecido é o jogo Bioshock, onde as ideias de Andrew Ryan, fundador da cidade submersa Rapture, tem diversos elementos do Objetivismo (“A man chooses, a slave obeys” – um homem escolhe, um escravo obedece). Revisite essas obras após ler Ayn Rand, será um execício interessante.
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O texto do autor não expressa a opinião dos editores do site em relação a obra de Ayn Rand.
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