Crítica | O Palácio Francês
A trajetória de um homem comum que acaba caindo de paraquedas em um cenário político caótico: esta seria uma boa definição para o mote principal de O Palácio Francês, novo filme de Bertrand Tavernier. O começo da fita mostra a rotina de Arthur Vlaminck (Raphael Personnaz), um dia antes de ele ser admitido no Ministério de Relações Exteriores. O curioso é que o personagem é mostrado como um intruso, um sujeito inseguro e inadequado onde quer que esteja. Em casa tem dificuldades em se vestir, e já no primeiro contato com seu empregador, o ministro Alexandre Taillard de Vorms (protagonizado por Thierry Lhermitte), nota-se que seu ofício não será fácil, dada a excentricidade da figura e a natureza do trabalho.
Os esforços de Arthur são os de confeccionar o discurso que o ministro fará em Berlim, mas atingir o ápice disso se mostra uma tarefa hercúlea, uma vez que o texto nunca está bom o suficiente. O ministro recusa o primeiro tratamento logo de início sem sequer ler o conteúdo, depois sua rotina passa por submeter as cópias aos conselheiros regionais, que reafirmam — cada um à sua maneira — que o ofício de Arthur será muito difícil.
Os belos cenários do interior do palácio contrastam com a iluminação chapada, que ajuda a representar o já citado deslocamento de Vlaminck, exibindo-o no limbo entre a vida normal e as sandices do ministro Vorms. As cores também têm um papel preponderante na trama, mostrando algumas das diferenças básicas entre os homens comuns e os membros dos ministérios. Ambientes acinzentados não têm qualquer cor dissonante, exceto as cadeiras com cores vivas (vermelhas) dos “escolhidos”, diferindo visualmente do restante do ambiente, o que mostra que eles estão em outro nível de relevância.
A capacidade humorística da película é muito diversa da que o público médio brasileiro espera, uma vez que ela se utiliza de uma sutileza atroz que varia facilmente entre a suposta monotonia do serviço e a grosseria e sociopatia de quase todos os membros do gabinete. Mesmo estes comportamentos pouco usuais são discutidos ou explorados, é como se toda a estranheza fosse natural a todos, menos ao público.
A hostilidade, a misantropia e o desprezo ao próximo são questões abordadas pelo roteiro de Christopher Blain e Abel Lanzac. É curioso que alguém, principal responsável pelas boas relações de sua pátria com as outras, seja tão pitoresco e maravilhosamente egoísta e individualista, além de ser tão capaz de angariar o ódio de quem ainda não conhece o seu modus operandi. O modo como o ministério é tratado assemelha-se demais a um teatro do absurdo.
A definição do discurso é levada até os minutos finais, o que mostra a clara intenção de gerar um suspense, ao menos no drama do herói da jornada. Em uma análise atenta, nota-se que a imprevisibilidade do ministro funciona como paralelo com as dificuldades das relações entre as nações, ainda mais em tempos modernos como os atuais. O disparate das opiniões de Vorms é uma alegoria à grande Babel caracterizando as conversas entre os líderes do cenário político mundial. Não há muito espaço para gargalhadas na comédia, mas há um cuidado enorme em manter uma fina camada de ironia, especialmente nos closes rápidos dos rostos dos principais atores, ressaltando a falta de normalidade destes. Até as piadas repetidas causam risos, ainda que alguns sejam muito constrangedores. Por mais inesperado que pareça, ao final tudo dá certo, e a fala do ministro é muito politicamente correta, funcionando muito bem na reunião de cônsules. O riso contido estoura no anúncio dos créditos ao mostrar os inúmeros erros de gravação, e claro, brincando com a dicotomia entre as versões do misantrópico tratamento do ministro aos seus e da sua oração em público.