Crítica | Camille Claudel 1915
A escultora francesa Camille Claudel teve uma vida conturbada. Graças a ação de sua família tipicamente burguesa a respeito da escolha de seu ofício, a artista sofrera muito para desempenhar sua ocupação, muito bem retratada no filme homônimo de Bruno Nuytten. A película do sórdido realizador Bruno Dumont pode ser encarada de certa forma como uma continuação do filme de 1988 (ainda que seja bem mais contestadora que a original), pois foca na fase decadente de Claudel apresentando o conjunto de elementos que faria o cinema de Dumont famoso, e claro, abrilhantado pelo protagonismo de Juliette Binoche.
O roteiro de Dumont é baseado livremente nas cartas de Paul Claudel – irmão de Camille. A preocupação da trama é focar no estado de espírito em que a escultora se encontra, mostrando uma nudez pouco atraente se comparado ao auge da beleza de sua intérprete. Camille está em uma casa de repouso devido ao seu estado mental débil, diagnosticado na segunda década do século XX. A artista tem sentimentos paranoicos, levando a estima dos funcionários da casa para o mais baixo nível, acreditando que eles envenenariam a sua comida. No entanto, ela ainda sofre com alguns momentos de lucidez (ou algo que se aproxime disso), mostrando-se incomodada com as ações e repetições irritantes de alguns pacientes, além de ser fisicamente muito diferente das delirantes internas.
Mesmo que Binoche não tenha mais uma beleza jovial, sua Claudel consegue se destacar das outras mulheres desgrenhadas e maltratadas da casa de repouso. Quando está com a mente controlada, ela ainda se permite sentir-se altiva ao ser comparada às outras doentes, mas isso não a faz sentir-se remida quando vê que está longe de conseguir exercer a sua vocação.
As maquiagens fortes das pacientes, unidas aos figurinos bizarros dão um ar amedrontador a obra, a atmosfera causa facilmente a sensação de fobia no espectador, aumentada e muito pela arquitetura clássica da mansão, que remete a um ambiente claustrofóbico. A sensação de achar-se prisioneira, tanto pelas portas do estabelecimento quanto por sua condição de saúde devasta o pouco de consciência e perspicácia que Claudel ainda persiste em manter. Sua ânsia por mudança inclui uma busca ligada a busca religiosa, logicamente ligada ao desejo de fuga da situação sufocante e da privação de liberdade de sua mente. A “crença” de estar sendo manipulada, como o barro que ela manuseava no passado a faz se sentir extremamente impotente e desprezada, até mesmo pelos seus chegados.
A interação entre as mulheres adoecidas tem alguns poucos momentos agridoces, capazes de gerar em Claudel e no público um pouco de simpatia. A câmera não é óbvia, mas emula os olhos da protagonista em quase todo tempo, torturando a ela e a quem assiste com o drama de decadência cada vez mais evidente e menos passível de ser ignorado. O que poderia ser um indício de melhora de estado acaba por ser uma maldição, pois os lapsos de lucidez a fazem enxergar nas outras mulheres o quão mal ela fica quando está com o estado mental alterado. O cuidado do realizador em mostrar Camille “bem” a maior parte do tempo, ajuda a grafar a situação calamitosa em que se encontra e multiplica a aura amedrontadora da obra.
Os últimos vinte minutos mostram uma faceta esperançosa de Camille, levantada evidentemente por causa dos seus delírios de que seria liberta de sua prisão pessoal. A razão que ainda permanece de pé em sua vida consome a personagem título, que é ignorada por um ente querido, desta vez com o ato registrado em câmera, sem deixar rastro para a dúvida. Uma das questões dúbias no comportamento de Camille é o amargor que ela tem pela figura de Rodin, seu antigo mentor e amante. Binoche consegue fazer uma multiplicidade de papéis encarnadas em uma única mulher, a exploração das nuances da mulher afetada é muitíssimo exitosa em representar uma figura histórica, assim como demonstrar de forma bela a resignação e a fuga de uma mente da consciência.