Resenha | Paracuellos
Paracuellos é um quadrinho espanhol desenhado e escrito por Carlos Giménez. Na publicação, o quadrinista resgata suas próprias memórias, nos orfanatos da Espanha pós-governo Franco, onde as crianças sofriam com um grave autoritarismo por parte dos seus cuidadores e responsáveis legais.
Gimenez viveu dos 8 aos 14 anos nesses abrigos, sua historia não é só denunciativa, mas também catártica, exorcizando suas privações e sofrimentos que teve ainda no início de sua vida em um regime castrador. A edição da Comix Zone é caprichada, com um belo acabamento gráfico. Para se entender perfeitamente a potência da história é preciso se ater ao prefácio de Pedro Bouça, especialista em quadrinhos europeus, que ambienta não só as influências dentro da nona arte, como também elucida os meandros do auxílio social da metade do século XX, especialmente pela prática nazista, com ensinamentos dessa natureza por parte dos educadores.
Os quadros são pequenos e as páginas repletas de pequenos desenhos que demonstram a crueldade com que os órfãos eram tratados. É estranho pois boa parte das crianças ficam nesses orfanatos, mesmo tendo pais do lado de fora, algumas simplesmente não tinham como ser sustentados por suas famílias, daí a figura do Estado com mão forte e intervencionista.
A história varia entre cenas de brincadeiras dos meninos, onde a diversão e distração imperam, com outras de sofrimento rotineiro, que por sua vez, chegam ao cúmulo de causar nos garotos a vontade e a tentativa de fugir para longe daquele terrível lugar. A sensação para a maioria deles é de que qualquer lugar seria uma alternativa melhor que ficar ali para morrer à míngua, apanhando todos os dias. O fascismo que varreu a Europa produziu consequências terríveis, e isso se reflete nos pequenos cenários, como é demonstrado em Paracuellos.
A arte de Gimenez é única. Mesmo ao mostrar tantas crianças, cada uma delas é diferente, possui características próprias e personalidades singulares. A narrativa varia entre discussões verborrágicas, uma forma de desabafar a dor e a solidão que o autor e que cada um dos órfãos sofreu, com outras mais descritivas – as que mais machucam o coração são as que descrevem a barganha que os meninos fazem entre si para se ter mais comida. As partes mais tristes envolvem o racionamento de comida, negociando alimento para conseguir gibis ou brinquedos ou mesmo quando comem alimento regurgitado.
Os instrutores dividem os meninos em falanges, cada uma com um chefe, um garoto responsável por todos estarem em sentido, uma autoridade que deveria servir como voz dos adultos, em um regime que imita o militarismo. Isso mexe com os brios e com o senso de comunidade, deixa-os alerta e faz com que eles sejam autoritários uns com os outros, resultando em brigas entre iguais. Giménez brinca com paralelos de os regimes nazifascistas como da Alemanha, Itália e a própria Espanha franquista.
Por mais que a história seja simples e direta, há uma bela discussão a respeito da forma de fazer a arte. Ler e escrever quadrinhos deixa de ser algo meramente escapista, vira um artifício de fuga daquele cenário tétrico e triste, não só para Pablito , o alter-ego do quadrinista, mas para outros meninos, é como se o vírus da curiosidade artística pegasse a todos, ainda que nem todos prosseguissem naquilo. Paracuellos é um retrato cruel e triste, ainda que belo, de um período espanhol, uma página turva, que certamente seria conveniente esquecer, mas que precisa ser lembrada como patrimônio histórico que é.
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