Crítica | Sem Trapaça Não Tem Graça
Desde que começou a conduzir filmes na década de oitenta com Apertem Os Cintos, O Piloto Sumiu, David Zucker aborda seu trabalho por meio de paródias e sátiras, seja de filmes do subgênero policial a catástrofe. Em Sem Trapaça Não Tem Graça somos apresentados a dois amigos fracassados fanáticos por esportes e jogos em geral.
A dupla de protagonistas Joe Cooper (Trey Parker) e Doug Remar (Matt Stone), apresentada como homens decadentes, lembram uma versão envelhecida de colegiais dos anos 80. Nem na festa onde são apresentados eles são bem-vindos. Em meio a isso, os dois acabam criando uma modalidade esportiva que envolve elementos de esportes americanos e insultos típico do bullying dos anos noventa, demonstrando ali um humor típico de comédias da época, como Debi & Lóide: Dois Idiotas em Apuros e Bill e Ted, com uma dose de acidez do humor típico de South Park.
De certa forma, o roteiro brinca com a condição dos EUA ser a Terra da Oportunidade ao ponto de dois imbecis ganharem dinheiro ao estabelecer uma liga popular, com franquias e viagens pelo país. O ponto realmente positivo mora na defesa da paixão local das pequenas cidades sobre seus times, condenando pura e simplesmente as franquias que saem de suas cidades para ir a praças mais atrativas, gerando uma discussão totalmente inversa do conceito de franquia moderna.
Os exageros são sensacionais, e de certa forma, preveriam boa parte da popularização do show game que a NBA e NFL empregariam a partir dos anos 2000. Zucker consegue criticar a mercantilização do esporte sem soar oportunista, ao passo que usa seus personagens toscos para traçar um perfil de dirigentes e donos de franquias esportivas como homens de capacidade de pensamento bastante limitada. O fato de não se levar a sério faz os saltos temporais estranhos e a briga entre os dois amigos ter algum sentido, mesmo que toda a atmosfera anticapitalista não pareça mero panfletarismo, ainda sobrando espaço para referências a Top Gang 2 e até para Uma Cilada Para Roger Rabbit.
A ironia posicionada em cima do politicamente incorreto debocha especialmente dos sexualmente depravados que se valem de suas posições de poder para serem encarados com normalidade quando claramente não são. A formação do texto por meio de esquetes ajuda a propagar essa ideia. A ideia de discussão da hipocrisia da elite e privilegiados americanos estava em um estágio bem embrionário na crítica proposta pelo roteiro, e o texto carece de um pouco mais apuro e lapidação, mas muita coisa boa aparece aqui.
O filme utiliza histórias reais do esporte para fazer piadas, como as trocas de cor de cabelo e penteado de Dennis Rodman, além de desdenhar dos absurdos luxuosos que astros como Michael Jordan faziam com seu dinheiro. Por mais primitiva e tosca que seja a mensagem do filme, a forma idiotizada com que eles concluem sua amizade e parceria tem bastante charme. Sem Trapaça Não Tem Graça consegue criticar a comercialização do esporte e ainda assim adular a paixão dos fãs ardorosos e dos verdadeiros fanáticos, não sem lançar mão de um sem número de idiotices. Ainda assim, o roteiro sabe o que faz, cometendo pecados com todos, não só fazendo troça de minorias, mas também escrachando com os poderosos.