Tag: Documentário

  • Crítica | Sepultura Endurance

    Crítica | Sepultura Endurance

    O documentário de Otavio Juliano tem a intenção de recapitular as fases importantes da banda de metal brasileira oriunda de Minas Gerais. Sepultura Endurance destaca as três décadas de existência do grupo musical, a despeito até dos protestos de Max e Igor Cavalera quanto ao seu feitio. Os primeiros momentos do longa mostram Phil Anselmo (Pantera), Lars Ulrich (Metallica) e Corey Taylor (Slipknot) destacando a identidade musical única da banda, em especial pelo modo como empregam os vocais, além é claro de carregar em si uma identidade diferente do visto na cena usual de metal.

    A maior parte dos comentários gira em torno da mistura que o Sepultura sempre fez, incluindo aí a energia hardcore californiano com o thrash metal. Andreas Kisser, em uma conversa informal com Jean Dolabella – baterista que substituiu Igor Cavalera – sobre a dificuldade que existe em ter que viver em turnês, longe da família, dos amigos e do Brasil. A fala do guitarrista e líder da banda destaca que Igor também passou por um problema parecido, e começou a se distanciar da música e dos shows.

    O resgate às origens mergulha fundo, relembrando dos primeiros momentos dos ensaios na casa dos irmãos Cavalera, entrevistando Jairo Guedes, primeiro guitarrista da banda. Nos depoimentos se percebe que eles eram muito precárias as condições em que ensaiavam e se apresentavam inclusive no quesito talento. Guedes fala até de um vocalista presepeiro, que mais cuspia bananas do que cantava e isso se torna uma anedota curiosa. Em sua fala, também se nota uma aceitação de seu destino como anônimo, e uma colaboração voluntária para o seu sucessor Andreas Kisser seguisse como guitarra ao lado de Max.

    Depois de Arise e Chaos A.D. , os rapazes começaram a olhar mais para a musica tipicamente brasileira, resgatando assim as origens sertanejas da musicalidade brasileira inserindo elas no som pesado e sujo. É nesse interim que Kisser assume que a relação que ele tinha com Max era o diferencial da banda, e que se perdeu em um processo lento e gradual, começado a partir da relação com a empresária Gloria que mais tarde, casaria com o vocalista e seria segundo os relatos do documental, o elemento que ajudaria primordialmente na cisão da banda. Aparentemente, Max deixaria o Sepultura sem brigar por absolutamente nada, nem pelo nome, direitos musicais e afins, essa é talvez a questão mais polêmica e Juliano faz questão de não resolver todas as dúvidas nos minutos que lhe restam, deixando as pontas soltas e preocupando-se mais em louvar a recuperação da banda, que se reergueu mesmo sem gravadora, sem frontman e sem empresário.

    A versão da companheira do atual líder das bandas Soulfly e Cavalera Conspirancy diz que os antigos amigos sequer falam com Max e por isso ele e o irmão não participaram do filme biográfico. Já Igor, segundo o atual homem forte da banda, saiu sem maiores brigas e entreveros, ainda que ele também não tenha prestado qualquer depoimento ao cineasta.

    Os bastidores da gravação do último trabalho, Machine Messiah na Suécia permeiam os 104 minutos, fazendo este Endurance lembrar muito a dicotomia que já havia ocorrido com o Metallica entre o filme Somekind a Monster e o disco Saint Anger, ainda que a atmosfera no filme brasileiro seja mais de louvor, enquanto seu semelhante é bem mais melancólico. Como registro de uma importante banda do cenário de metal no mundo, o filme de Otavio Juliano acerta em cheio, embora deixe de lado grande parte da problemática da briga entre os Cavalera e seus antigos amigos, restando então um relato interessante sobre a rotina do Sepultura na estrada ao longo de mais de trinta anos.

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  • Crítica | Cozinhando o melhor do mundo: El Celler de Can Roca

    Crítica | Cozinhando o melhor do mundo: El Celler de Can Roca

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    Estreia na direção da dupla Luiz González e Andrea Gómez, o documentário Cozinhando o melhor do mundo: El Celler de Can Roca investiga a tradição do restaurante famoso El Celler de Can Roca, acompanhando a família que dá nome ao estabelecimento, em busca de novos sabores, aproveitando o hiato do local para reciclar todas as suas ideias de combinações gastronômicas.

    A tour mundial engloba os parentes Joan, Jordi e Josep, começando pela Espanha e pelo País Basco, onde iguarias das mais incomuns são provadas por si, inclusive de animais vivos, como o peculiar gosto de formigas cultivadoras de mel, que tem seu sabor retirado da parte de trás. Obviamente, é curioso e de abrir o apetite acompanhar todo o processo de “mineração” dos cozinheiros, em busca de possibilidades de novas misturas, mas o formato do filme é demasiado tradicional, se assemelhando demais aos medianos programas televisivos da History Channel e Discovery.

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    A cada visita há uma apresentação de alguma tradição local, mas sem aprofundamento, e sem acréscimo de importância para o causo filmado. O restaurante catalão passa a aumentar seu escopo de sabores, mas o filme em si não passa de um exercício de vaidade e de louvor ao seu próprio micro universo.

    Não há qualquer menção de autoria por parte dos realizadores, parecendo até um mero produto de propaganda, caindo em questões complicadas como redundância de material e repetição enfadonha, em uma ideia que caberia perfeitamente em um curta-metragem, e não em um formato de quase noventa minutos que basicamente tem um tom e uma fala, sobre o esmeros dos chefs e empresário em tornar sua marca em algo maior do que ela já é. Cozinhando o Melhor do Mundo causa fome em seus espectadores, mas não provoca qualquer simpatia pelos personagens humanos da trama.

  • Crítica | Janis: Little Girl Blue

    Crítica | Janis: Little Girl Blue

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    O fator crucial e fatal para que o diretor Asif Kapadia levasse o documentário (e inevitável vencedor do Oscar na categoria) Amy a um estado de redundância foi sua predileção pelos momentos de maior degradação da cantora pelo álcool e drogas, constantemente associando essa ida ao inferno ao relacionamento de envolvimento doentio com o namorado Blake Fielder-Civil, ignorando assim diversos outros passos na vida de Amy que poderiam ter ultrapassado essa mera imagem estereotipada perpetrada por (quase) todos nós após a partida trágica da artista, incluindo aí seu próprio início e ascensão na música.

    É prazeroso então perceber que a documentarista Amy Berg não caiu nesta mesma armadilha ao retratar a jornada de uma outra artista que partiu de maneira igualmente fatídica: Janis Joplin. E antes que continuemos, é necessário ressaltar que este que vos escreve não se trata de nenhum fã de Joplin, e com certa culpa, confessa conhecer pouco do trabalho da cantora, tendo me relegado a escutar umas poucas obras da artista, aqui colocando no topo a maravilhosa Me and Bobby McGee (e que para minha alegria, é abordada em dado momento do documentário).

    O ponto de êxito em Janis: Little Girl Blue, de fato, é o panorama respeitoso e imparcial que Berg faz da vida de Janis, mas possuindo total consciência de que, apesar de tudo, ela fora uma figura complexa demais para ser totalmente desmitificada em pouco mais de 100 minutos de projeção. Mas Berg faz o que lhe cabe, e busca nas raízes de Janis tudo aquilo que fora indispensável para esta ter sido a pessoa e artista que tanto marcou durante sua breve passagem pela vida.

    E que vida. Experimentamos uma narrativa bastante sensível sobre a infância\juventude de Janis, onde esta não conseguia se adequar as normas impostas sobre si, sentia-se desconfortável por não atender ao padrão de beleza de seu sexo e vivia numa realidade imperada pelo machismo e sexismo, chegando inclusive a ser eleita por seus colegas de faculdade como “o homem mais feio do campus”, um dos fatores decisivos que viriam vulnerabilizar o íntimo de Janis.

    Mesclando uma gama de registros visuais exibem a introdução de Janis no mundo da música e seguindo em frente, passando por sua ascensão e a entrega para as drogas durante esse meio, incluindo também diversas de suas cartas narradas com um toque intimista pela voz da cantora Cat Power, Janis: Little Girl Blue vai gradualmente expondo a garota ingênua, romântica, libertária, ansiosa e esperançosa que havia por detrás das expressões cansadas e voz pesada que se via no palco. Os depoimentos de familiares e amigos não buscam em nenhum momento esconder a realidade que era enfrentada por Janis, algo atestado na forma extremamente aberta com que sua irmã fala sobre a relação de Joplin com as drogas. Vemos aqui uma Janis de pensamentos e atitudes à frente de seu tempo, e ainda assim presa as convenções de uma sociedade que lhe fazia resultar, no fim das contas, a voltar sozinha para casa após cada show. Janis desejava o amor e a felicidade, assim como qualquer outro. Berg é extremamente habilidosa em trazer essa gigantesca humanidade para a figura de Joplin, ressaltando seus momentos de alegria e tristeza, sucessos e fracassos, amores e decepções, desejos e anseios. Para isto, a diretora investe num constante didatismo que, apesar de objetivo, leva a narrativa a um cansaço que é sentido perto dos minutos finais, quando enfim nota-se uma certa insistência em denotar como o consumo de drogas levou a cantora a sua partida inesperada.

    Mas tais extensões são pouco incômodo perto da amplitude com que Berg permite que Janis exiba diante de nós, ali descobrindo e ampliando nossas visões sobre quem era realmente Janis Joplin e quais eram seus anseios, desejos e desesperos. Uma amplitude que talvez jamais seja possível colocar aqui em palavras, pois é o que Amy Berg deixa claro: Janis Joplin era a cantora, a estrela, a promessa, e também era apenas Janis Joplin, uma passageira comum das felicidades e tristezas da vida.

    Texto de autoria de Rafael W. Oliveira.

  • Crítica | FGC: Rise of the Fighting Game Community

    Crítica | FGC: Rise of the Fighting Game Community

    FGC - Rise of the Fighting Game Community

    O ano de 2016 é sem dúvida um dos mais estranhos pra FGC. Ano passado, as finais do International de League of Legends superou a audiência do jogo seis da NBA. A uma semana da próxima edição do EVO, todos os ex-membros do time Mad Catz estão à procura de novos patrocínios. A própria Mad Catz demitiu uma parcela significativa de funcionários devido à minúscula resposta de vendas de seus equipamentos de Guitar Hero 4. As inscrições para o campeonato EVO de Street Fighter 5 já atingiram o recorde de cinco mil pessoas, e mais recentemente o canal ESPN anunciou que as finais de SFV terão exibição em seu canal 2 na TV a cabo e por streaming. Principalmente essa última opção, para um espectador de esportes em geral, ligar a sua TV e ver um joguinho de videogame passando às 14:00 de um domingo, deve ser no mínimo estranho e não fazer o mínimo sentido.

    Acontece que devido a essa notícia em especial, é muito provável que os jogos de luta competitivos atingiram um determinado ponto que não vai ser tão estranho quando, nos próximos anos, existir uma visão mais casual sobre esse tipo de competição como entretenimento geral. E este parece um ótimo momento para se olhar pra trás e relembrar que esse conceito iniciou-se em fliperamas e hoje percorre em ballrooms de hotéis em Las Vegas através do documentário FGC – Rise of the Fighting Game Community lançado em 2016 e dirigido por Esteban Martinez.

    Financiado por meio de campanha pelo Kickstarter, o documentário se divide em duas perspectivas básicas: um panorama geral sobre como a comunidade dentro dos EUA cresceu localmente, e logo depois regionalmente, e a visão desse crescimento através do olhar de alguns jogadores como Steve “Lord Knight” Barthelemy (jogador de jogos de luta “animes” como Melty Blood, Guilty Gear XRD e BlazBlue), Joe “LI Joe” Ciaramelli (Street Fighter 4/5) e seu amigo organizador de campeonatos John Gallagher.

    Nesse segundo ponto do longa, o foco da história passa a montar como veio determinado interesse de cada um em competir, basicamente pela diversão. Não existe exatamente um objetivo muito definido além desse simples motivo, e o de ainda fazer parte da geração que se enfrentava em fliperamas. A competição não necessariamente precisa envolver a questão financeira, mas sim desafiar e vencer o oponente e arriscar a sua ficha. Um ponto interessante na decoupagem de Martinez foi conseguir mesclar a mesma perspectiva da competição, entre esses três jogadores de núcleos diferentes, em almejar os mesmo objetivos na sua forma de jogar. LI Joe basicamente mostra o interesse por estar ali dentro dos fliperamas com seu pai, que o fez posteriormente não só competir, como também organizar seu próprio evento com a ajuda de amigos.

    Nesse aspecto o documentário não abrange o que é a cena de maneira internacional, mas consegue construir um recorte de entrevistas que ilustram bem o que fizeram essas mesmas pessoas de nichos expandirem a competição pelo país a ponto de chegar aonde estão. É obviamente muito oportunista comentar essa expansão logo agora, mas anualmente fica muito claro como a comunidade cresce não só no número de competidores, mas também na quantidade de espectadores (casuais ou não) que acompanham online os campeonatos. Todos os entrevistados apontam que o principal responsável por essa expansão nos últimos oito anos foi o lançamento de Street Fighter 4, que conseguiu agregar interesse de jogadores, que não competiam mais, a voltarem a jogar, além de somar isso a novos rostos que apareceram na cena. Outro fato muito curioso pelo longa ter sido lançado exatamente já no fim do jogo citado, e seu sucessor ser hoje, apesar de todas  as falhas no lançamento, o jogo mainstream da comunidade.

    O maior acerto de Martinez é sem dúvida condensar o conteúdo informativo do longa com o ângulo humano dos três jogadores citados, mostrando principalmente a dificuldade que é se preparar mentalmente para um campeonato grande.

    Acaso ou não a produtora do documentário Hold Back To Block disponibilizou gratuitamente esse mesmo documentário há uma semana do EVO. Vale a conferida.

    Texto de autoria de Halan Everson.


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  • Crítica | Quando Éramos Reis

    Crítica | Quando Éramos Reis

    Quando éramos Reis

    O início do filme dirigido por Leon Gast é simbólico em percorrer localidades africanas, analisando através da câmera sua população majoritariamente negra: o reinado dos negros para os negros. Esses primeiros momentos resumem todo o cunho do documentário, que faria da luta entre Muhammad Ali e George Foreman, no Zaire, seu evento principal. Porém, a intenção é traçar a identidade do boxeador, antes conhecido como Cassius Clay, através de entrevistas antigas, imagens de arquivos de lutas anteriores, e, claro, falas do próprio Ali, que sabia definir a si mesmo de maneira poética, soando bastante lírico em cada conversa que tinha com a imprensa.

    Quando Éramos Reis analisa a postura do nada discreto lutador, que costumava agir como uma máquina de lutar reunindo beleza e verborragia dentro e fora dos ringues, ao menos aos olhos do entrevistado Spike Lee. A investigação do filme envolve o caráter dúbio do boxeador, mergulhando tanto na idolatria dedicada a ele, por seu um esportista negro bem-sucedido, quanto na antipatia recém adquirida por parte do público após o esportista ter professado a religião islâmica.

    Na viagem em direção ao país africano, Ali destaca a péssima abordagem que o cinema em geral faz dos africanos, mostrando-os como selvagens ou servos de Tarzan, e outros tantos heróis brancos. Seu argumento é de que o seu povo é inteligente o suficiente para conseguir falar inglês, francês e suas línguas nativas, enquanto parte dos americanos mal fala seu idioma local de maneira correta. Apesar da fala ser anedótica, faz bastante sentido e se torna ainda mais flagrante quando ainda há discursos inflamados de ativistas lutando pela igualdade de direitos entre as raças.

    Foreman não entendia a rejeição que sofria por parte dos africanos, e argumentava que sua pele era até mais escura do que a de seu adversário. O pugilista não tinha a consciência da diferença de postura que ambos tinham, nem associava o fato óbvio de que a empatia se dava muito mais por ideal do que por técnica de luta ou cor de pele. A luta entre os dois foi emocionante e seria ainda mais grandiosa, não por motivos de desporto, mas sim por todo o ideal que ela trazia nas entrelinhas e contexto de soberania de um povo comumente massacrado e relegado à posição subalterna.

    Quando Éramos Reis não peca em informação, mas é muito mais um registro emocional do que documental, uma ode à vida e à carreira de ícones como Martin Luther King Jr., Malcolm X, Muhammad Ali e demais personalidades provindas das camadas mais carentes dos Estados Unidos, mostrando o apogeu de um ídolo que alcançava o estrelato não só na área em que era especialista, mas também no campo ideológico.

  • Crítica | Espaço Além: Marina Abramovic e o Brasil

    Crítica | Espaço Além: Marina Abramovic e o Brasil

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    Nascida na Sérvia e famosa por suas intervenções artísticas altamente performáticas, a artista Marina Abramovic é despida diante do público no documentário do diretor Marco Del Fiol. Espaço Além – Marina Abramovic e o Brasil conta em detalhes a incursão da artista pelo país entre os anos de 2012 e 2015 e a maneira como as suas vivências em terras tupiniquins influenciaram diretamente sua espiritualidade e, consequentemente, seu trabalho, dando destaque para os rituais xamânicos, candomblecistas e de tantas outras vertentes religiosas que parecem conectar Marina com um “outro lugar”, onde encontra inspiração e direcionamento para a sua arte.

    Em alguns momentos, as imagens captadas chocam por sugerir dor, sofrimento e angústia. Mas não poderia ser diferente em se tratando de uma das mulheres mais famosas por reconhecer e traduzir o sublime através do doloroso. A sensação é de estar diante de uma grande exposição, passeando pela mente controversa da artista e sendo alvo das emoções que ela desperta.

    A escolha de roteiro ajuda muito a contar essa história, ainda que não haja muito o que contar. O contexto aqui é aberto e multidirecional. São imensos, coloridos e sinestésicos recortes de um Brasil amplo em nuances, significados e sentidos aliados à força do místico. É como se Marina se colocasse como um fio condutor entre o mundo tátil (real) e esse “outro lugar” trazido pelo oculto. A narração em primeira pessoa torna o filme mais digerível, ao passo que aproxima o público tomando-o pela mão e conduzindo o caminho. Não fosse essa a estratégia e muito provavelmente seria difícil quebrar a dureza de algumas sequências.

    Sem dúvidas, Espaço Além não se trata de um documentário de fácil aceitação do público, pois trabalha assuntos e abordagens muito incomuns para a maioria dos espectadores. É um filme de experimentações, de descobertas, de liberdade de pensamento e exercício criativo. Um prato cheio para aqueles mais próximos de uma sensibilidade artística. Talvez um dos melhores documentários-arte desde Pina, de 2011.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Crítica | O Futebol

    Crítica | O Futebol

    O Futebol

    Vencedor do festival É Tudo Verdade, O Futebol mostra seu co-realizador Sergio Oksman e seu pai Simão tendo um reencontro após mais de duas décadas. O plano do cineasta, ao lado de seu parceiro Carlos Muguiro, é retornar a sua cidade natal, São Paulo, para passar todos os dias do torneio mundial sediado no país em 2014 ao lado da figura paterna, a qual se manteve ausente por longos anos. Os primeiros contatos dos dois são preenchidos por um silêncio constrangedor agravado pela ausência de trilha sonora.

    O contato de Simão com a câmera é quase sempre hostil, já que o ancião não parece ter qualquer familiaridade com o principal objeto de trabalho do seu herdeiro. A lente basicamente fica a poucos metros de distância do sujeito. Durantes os jogos, os momentos escolhidos pela edição são normalmente os que o senhor não olha para a televisão, com sua atenção voltada para o nada, como se pensasse no vazio em que esteve nos últimos anos, distante de seu parente.

    Não parece haver realmente qualquer contato anterior entre as partes, visto que até um divórcio por parte de Sergio não era conhecido de seu pai. Mesmo assim, o diretor consegue achar semelhanças entre a sua vida privada e a de seu pai, como o fato de ambos terem se hospedado em hotéis após suas respectivas separações conjugais.

    O documentário registra o ócio e a distância sentimental entre pai e filho, de um modo cuidadoso. O espaço entre os corpos, provocado pela falta de intimidade entre herdeiro e progenitor, é apenas uma visão superficial do que ocorre internamente entre as figuras de análise. O período de reencontro é interrompido por uma questão adversa, e a falta recente curiosamente casa com a eliminação brasileira no torneio, mas que não é sentida pelo filho, o qual está claramente ocupado em outra ressaca, em cenas carregadas de simbolismo, mostrando como pode ser desventuroso viver.

    O Futebol, tanto o nome do filme quanto o esporte em si, é basicamente um pretexto, um artifício utilizado para tentar alcançar a emoção do reencontro. O espírito e caráter da obra se assemelham muito a Homem Comum, de Carlos Nader, ainda que a digestão deste seja dada exclusivamente ao público, sem artifícios de pré-julgamento estabelecidos pelos diretores, o que torna a experiência da fita ainda mais rica e universal.

  • Crítica | Geraldinos

    Crítica | Geraldinos

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    Localizado bem próximo do campo do Maior Estádio do Mundo, com pouquíssima distância entre a torcida fanática por seu time ou seleção, se situava a lendária seção da Geral, um lugar desconfortável, apertado pela quantidade enorme de gente e repleta de paixão, alegria, folclore e tradição. Geraldinos explora essa faixa da torcida que frequentava o setor barato e popular, onde habitavam os adeptos que amavam seu objeto de culto e, claro, o patrimônio carioca resultante no Estádio Mario Filho, o Maracanã.

    Pedro Asbeg e Renato Martins voltam a atenção de suas câmeras para a parte de dentro do estádio, raramente enfoca jogadores e comissão técnica, mostrando o caráter do filme: a simplicidade do homem comum, evoluindo um pouco do conceito já mencionado no belo Democracia em Preto e Branco, dirigido pelo primeiro. Da parte dos entrevistados, há um estudo interessante sobre o perfil do homem que acompanhava seu time, assinado pelo jornalista Apolinho, que destacava a corneta feito por alguns.

    A maioria dos jogadores tinha uma estreita relação com os geraldinos, como Romário, que se permite falar que gostava de ser xingado pelos torcedores, fazendo disso combustível para superar seus próprios marcos enquanto atleta. Os frequentadores eram de diversas classes, mas normalmente muito pobres, como destaca o jornalista Lúcio de Castro, gente cujo alcance dos sonhos é muito pequeno, e que tinha naqueles momentos uma fuga de suas vidas difíceis, como se naquele curto espaço os sonhos não estivessem tão distantes.

    A troca entre torcida e jogadores envolvia uma trama de amor, ódio, cobrança e entrega, normalmente louvada pelos que adentravam o sagrado gramado do Maracanã. Pouco após os vinte minutos de exibição, se discute o papel político do estádio, desde a extinção do setor até a elitização da cidade como um todo, eliminando o caráter de reunião entre pobres e ricos no mesmo lugar, com a prática proibitiva aos que têm menos renda, movimento que começou antes das reformas recentes do campo, como dito pelo deputado estadual Marcelo Freixo e ressaltado pelos próprios torcedores, após 2005, ano do desfecho do setor.

    A realidade entre o futebol brasileiro e europeu não se reflete apenas na qualidade técnica e tática dos campeonatos, mas também da capacidade que os que tradicionalmente lotam o espetáculo têm financeiramente. Mesmo na Inglaterra, onde os ingressos são mais caros, há setores populares que foram eliminados nessa nova versão de futebol moderno implantada no Brasil, artifício que só funciona em tecnologia quando se trata de encarecer o produto, já que em termos de corrupção e amadorismo nunca houve tanta desfaçatez em exercer-se a desonestidade.

    A fala de Marcelo Frazão, que é o representante do Consórcio, que há pouco tempo o Maracanã exerce sobre a Geral, é emblemática, dizendo que visitou o lugar e o achou insalubre, vergonhoso, onde não se tinha visão do campo. De fato, a visão era prejudicada, mas não era com esse intuito necessariamente que o sujeito pagava aquelas poucas moedas que tinha para assistir a um jogo, já que os motivos variavam entre confraternizar, somente ver uma parcela do campo ou viver a adrenalina de um jogo de futebol in loco, aspectos que normalmente não seriam valorizados por um burocrata que pensa unicamente no lado monetário do esporte.

    As imagens de arquivo remetem a um tempo infelizmente morto, de uma época em que ser pobre e suburbano não era um pecado diante dos que mandavam no velho e bom Maraca. Hoje, o homem comum é relegado a acompanhar a sua paixão clubística no pay-per-view, isso quando consegue dinheiro para assinar esses pacotes, distante do projeto de cidade feita para os turistas, os mais ricos e abastados.

    A sensação de vibração e proximidade do suor e correria dos jogadores ajudava a aumentar a mística em torno do lugar, que se tornou sagrado desde a sua inauguração na Copa de 1950, a primeira ocorrida no Brasil, quando também abrigou a primeira final. A reportagem mescla imagens de um passado em preto e branco bastante distante, com o último Fla-Flu com a Geral. As histórias reais se misturam com a fantasia e alegria da contemplação participativa, em que os espectadores se enxergavam como parte integrante daquele show, e não apenas como plateia. Esse mundo mágico teve fim em 25 de abril de 2005, e a revolta se agravaria.

    Geraldinos poderia ser um ótimo filme sobre a memória afetiva do esporte. Mas seu caráter é maior que isso, sua intenção é destacar os desmandos dos mandatários e a evolução da exploração comercial do esporte bretão. O salto temporal, de 2005 para 2013 e 2014, mostra os mesmos torcedores populares tendo sua rotina de acompanhar o time em casa, ou nos bares, distante do gramado glorioso. A exposição desse terrível banimento do pobre, matando o efeito que existia, cobrando-se de 80 a 150 reais pelo espaço que há poucos anos chegava a ser um real, o lugar que era marginalizado, agora é dos grã-finos, do torcedor tipo plateia de teatro, letárgico, sem vida.

    O choro engasgado de Castro serve de símbolo da reação e indignação do povo, que é impedido de fazer sua festa. Apesar de algumas palavras positivas e otimistas, os momentos pré-créditos finais são bastante melancólicos e desesperançosos, contrariados apenas pelo belo conjunto de fotografias dos geraldinos, que eram a alma da espetacular exibição do futebol carioca nos tempos áureos, e que, insistentemente, se obrigam a ainda acompanhar seu objeto de devoção, ainda que distantes do campo dos sonhos, já inexistente.

  • Crítica | Eduardo Coutinho, 7 de Outubro

    Crítica | Eduardo Coutinho, 7 de Outubro

    eduardo coutinho 7 de outubro“Minha vida é tão pobre que eu preciso filmar”, diz Eduardo Coutinho durante entrevista dada a Carlos Nader, que viria a se tornar o documentário Eduardo Coutinho, 7 de Outubro, no qual o documentarista se torna o documentado. Tarefa nada fácil delegada a Nader pelo Sesc, devido às particularidades do seu entrevistado.

    A obra surgiu como uma proposta do diretor e produtor João Moreira Salles feita a Nader para que codirigisse, junto com Coutinho, Últimas Conversas – que seria o último trabalho do saudoso documentarista -, prontamente declinada por Nader por não se achar à altura de trabalhar com alguém que sempre considerou um mestre. No entanto, pouco tempo depois o Sesc viria a propor uma atividade com entrevistas de 15 minutos com octogenários. Assim, após o contato realizado com Coutinho e o convite aceito, a entrevista foi marcada para sete de outubro de 2013. O que, a princípio, seria uma produção de 15 minutos se tornou um filme de 73 minutos que, segundo Nader, se estendeu por aproximadamente 5 horas de conversa.

    O filme inicia com Coutinho chegando ao estúdio onde será realizada a entrevista; de modo habitual, o documentarista reclama da vida, da saúde, com seu delicioso mal-humor característico, e de suas queixas passa a conjecturar a respeito de palavrões e a origem de alguns termos. Uma típica conversa de nosso cotidiano que não parece importante, mas que muitas vezes diz algo sobre nós mesmos. O diálogo inicial à entrevista de Coutinho faz rima com seu trabalho de diretor, dando voz àquilo que a sociedade não parece se importar. Ao mesmo tempo, apesar de Nader não ver em Eduardo Coutinho, 7 de Outubro um trabalho tipicamente autoral, ele sabe como sua carreira tem muito de Coutinho e do homem comum. Coincidentemente O Homem Comum, seu último trabalho, diz muito sobre isso, e do mesmo modo fala sobre a filmografia de seu entrevistado. “Ser ouvido é ser legitimado. Mas quem quer dar voz para outro?”, indaga Coutinho.

    eduardo coutinhoSe para alguns cineastas o cinema deve sempre trabalhar com profundidade aos temas humanos, para Coutinho ela é ironizada e se torna motivo de zombaria para o diretor, que afirma que a humanidade está naquilo que é superficial, no cotidiano. O banal que nos humaniza. Coutinho era conhecido como o “cineasta dos outros” pela forma como estimulava uma conversa, a troca realizada entre entrevistado e entrevistador, a escuta legítima, a necessidade de se ouvir; e fazia isso como ninguém. Sabia da importância de, ao se realizar um documentário, não se esconder no anonimato de seus trabalhos. Isso é demonstrado por meio da simplicidade com que conduzia seus filmes, utilizando uma equipe pequena. A forma de uso de câmera, não fazendo a menor questão de esconder a aparelhagem técnica e, claro, o modo com que conduzia suas entrevistas, com a proximidade das cadeiras e a distância da câmera. Nader entende isso e, praticando o mesmo método de seu objeto de estudo, se faz ouvir. E Coutinho fala.

    O mestre dos documentários fala sobre seu processo de trabalho, suas escolhas, de sua maneira de ver o entrevistado, da importância do documentário em sua vida. Por sua vez, Nader utiliza cenas dos filmes de Coutinho para desenvolver a entrevista, como realizado em Hércules 56, de Silvio Da-Rin, o que acaba estimulando a memória do entrevistado a discorrer sobre a composição fílmica de tal cena e o que ela representa atualmente. O que nos leva a uma memória de Coutinho sobre uma cena especifica de Peões, de 2004, na qual o diretor se vale de 23 segundos de silêncio durante uma entrevista com um trabalhador, onde o inaudito é tão ou mais forte do que aquilo que foi dito. Coutinho deixa claro que entende o sofrimento que o “peão” sentia naquele momento de completo silêncio, mas que queria saber se ele conseguiria achar uma saída daquela situação. A saida do entrevistado é questionar o entrevistador da seguinte forma: “o senhor já foi peão?”. A resposta não seria outra: “Não”. Dizia Walter Benjamin que “os indivíduos silenciam-se diante de experiências desmoralizantes”, – pensador marxista bastante citado por Coutinho ao longo do documentário.

    Eduardo Coutinho, 7 de Outubro é filmado quase que integralmente em fundo preto e a figura do cineasta, sempre acompanhado dos cigarros e seu mal-humor otimista. Impossível não relembrar de uma das frases de um de seus entrevistados, “a vida é dolorida, mas foi boa”, no filme Canções. A vida é o banal que Coutinho tanto reverenciava em seus filmes. Vida são os choros e soluços de sua entrevista atrás da cortina, também em Canções. Algo que o cineasta sempre soube muito bem manipular e nos indagar se aquilo era cinema, mas que o próprio Nader nos responde: “Isto é vida, não é cinema”.

    Teremos que continuar sem Coutinho. Ainda bem que ficaram seus filmes.

    Compre: Eduardo Coutinho, 7 de Outubro

  • Crítica | Chico: Artista Brasileiro

    Crítica | Chico: Artista Brasileiro

    Chico - Artista Brasileiro - poster

    Há dez anos, Chico Buarque foi tema de uma série documental lançada em home video em 13 volumes. Analisando a própria carreira, cada filme era dedicado a uma de suas vertentes musicais, bem como a família, a literatura e a todas as outras características que definem este grande compositor brasileiro.

    Diante de um lançamento ainda recente, o documentário Chico – Artista Brasileiro poderia soar redundante. Afinal, neste período, a carreira do músico e escritor foi renovada somente com um novo álbum, Chico, e o romance O Irmão Alemão, além de uma constante reverencia a qual o país tem com este compositor, símbolo da canção brasileira, obra de análise de diversos críticos e estudos literários e notícia para os jornais mais risíveis, focados em seus atos do cotidiano no Rio de Janeiro.

    Neste documentário de Miguel Faria Jr. – diretor que biografou anteriormente Vinícius de Morais – a figura do músico é novamente louvada sem medo de uma repetição temática, abrangendo de maneira geral sua figura a partir de depoimentos do próprio autor. Pequenos pontos de sua biografia são apresentadas somente como base para exaltá-lo e situar comentários a respeito da carreira, trazendo à tona uma versão mais íntima e pessoal de suas concepções. Além da figura conhecida, explorada e amada, Buarque se revela um homem ligado à cultura desde a infância, com percepções coesas sobre o significado da arte e a composição musical e literária. Retirando a sua fama, o músico se considera ordinário, um erudito que reconhece a difícil composição da arte e a delicada matéria da vida, sábio ao lidar com a solidão inerente ao homem. Ao explorar esta via, o documentário se revela franco ao desmistificar o personagem Chico Buarque e destacar o homem com anseios e medos como qualquer um, sem que a fama, e o pavor de subir ao palco, fosse transformadora.

    Como é comum em muitos documentários musicais, uma vertente que vem sendo bem desenvolvida no país nos últimos anos, com grandes registros sobre Paulinho da Viola, Cartola entre outros compositores, algumas canções são apresentadas na íntegra. Tentando diferenciar-se da mera reprodução, regravações foram feitas especialmente para o documentário em um show particular em que a câmera transita brevemente pelos cenários emulando intimidade. Em destaque, a sempre incrível interpretação de Ney Matogrosso que canta As Vitrines e o belo dueto de Biscate entre Mart´Nalia e Adriana Calcanhoto.

    A jornada termina rente ao presente, na composição de seu último romance, uma obra memorialística ficcional desenvolvida a partir de um irmão alemão descoberto em momento posterior da vida, apresentando trechos da narrativa na voz de Marília Pera. Aos 71 anos de idade, com mais de dois terços da vida sob a luz dos holofotes, Chico Buarque se mantém como uma grande referência musical no país. Sem nenhuma vontade de se aposentar, como se sua trajetória já não fosse grandiosa o suficiente, o músico escritor ainda deseja mais.

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  • Crítica | Ídolo

    Crítica | Ídolo

    IDOLO 1

    Trabalho de pesquisa intensa e devoção extrema a uma das figuras mais importantes do cenário futebolístico brasileiro, Ídolo é um documentário de Ricardo Calvet, mergulhando no culto merecido ao Nilton Santos, lateral esquerdo, enciclopédia do futebol e maior herói da história do Botafogo Futebol e Regatas, ao lado de Garrincha.

    A câmera acompanha um torcedor muito próximo de Nilton, que se torna o primeiro narrador do filme, essencial pela estreita relação com o ex-atleta, em especial nos seus últimos anos de vida, quando Santos estava debilitado. Através das confissões dos entrevistados, constrói-se uma panorama de sua vida, desde a infância até os primeiros passos no futebol. O passado de Nilton é intimamente ligado ao clube, tanto que, por um tempo, ainda garoto, ele vivia alojado nas dependências da instituição.

    O filme expõe momentos espinhosos, através do depoimento de Célia, esposa do ex jogador, que assume sempre achou que Santos se doou muito mais ao time em comparação com os benefícios que a associação desportiva contemplou ao seu ídolo, exceto é claro, os temos de maior necessidade, com o agravamento da saúde deste. A gratidão foi sentida a partir do apoio no momento derradeiro da existência de Nilton Santos, onde as despesas médicos ficaram mais caros. Assistir ao sofrimento de uma pessoa tão iconoclástica é surpreendente, e o caráter do filme dribla a pieguice de exibir um sujeito admirável em posição de pena.

    Há um equilíbrio entre momentos históricos pessoais e os feitos no desporto, desde os lamentos pela derrota em 1950 e sobre sua posição de reserva, até a descoberta de Mané Garrincha, assim que chegou do Bonsucesso para o alvinegro carioca, detalhando os conselhos que o lateral dava ao exímio driblador.

    Como era esperado, o filme faz um intenso estudo sobre tática e raça esportiva, mostrando desde as frustrações de 54 em que a seleção brasileira perdeu para a Hungria de Puskas e Kocsis, bem como o surgimento da primeiro título, na Suécia, onde o time sobrou, principalmente graças ao surgimento de Pelé e Garrincha e, claro, a solidez da defesa capitaneada por Bellini e Nilton. Dedica-se um belo pedaço de filme mostrando os campeonatos estaduais, torneios que resultavam em uma rivalidade bem maior do que a vista atualmente.

    Talvez falte a Ídolo, uma mão uma pouco mais ativa de seu diretor, mas a evolução de seu personagem de estudo é muito bem representada, tanto em informações como em resgate emocional, resultando em um filme tributo bonito, reunindo falas interessantes dos envolvidos com Nilton Santos e dizeres do próprio, formando um quadro nostálgico que faz ainda mais sentido para os torcedores do Botafogo e demais crentes na figura do ídolo.

  • Crítica | Cartel Land

    Crítica | Cartel Land

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    Escrito, dirigido e produzido por Matthew Heineman, com produção executiva de Kate Bigelow (Guerra ao Terror) e no páreo para o Oscar deste ano de 2015, o documentário Cartel Land analisa duas realidades na guerra ao tráfico na fronteira E.U.A. e México, a de José Manuel Mireles Valverde, médico cirurgião do hospital da cidade de Michoacán e líder das Autodefesas, uma milícia de origem popular nascida para combater inicialmente o cartel Los Templários próximo a fronteira com os EUA. Do outro lado da linha vemos Tim “Nailer” Foley, um ex-operário da construção civil com uma vida conturbada que se estabeleceu como um defensor do país contra os cartéis de drogas e imigrantes ilegais vindos do México. Os cartéis são evidenciados como grupos de extrema violência, decapitando pessoas e saqueando cidades inteiras, aproveitando-se da falta de policiamento local e do alto índice de corrupção na polícia mexicana. Ao verem-se desprotegidos, os moradores dessas regiões vêem na luta armada uma forma de resistência civil.

    A narrativa se inicia com a visão de Nailer sobre aquilo que faz, e sua insatisfação com o uso do termo “Milícia” pela mídia e associações de seu ofício com grupos fanáticos nacionalistas. Apesar de Nailer demonstrar algumas boas intenções, o viés higienizador torna-se marcante em falas que demonstram o rancor pela perda de empregos para imigrantes legais ou ilegais. Embora Neiler mostre-se moderado, em seu heterogêneo grupo é possível encontrar pessoas com sede de sangue, e mesmo nos discursos mais apaziguadores a xenofobia e o medo de um eventual colapso americano marcam boa parte das falas e ações do grupo. Apesar disso, tanto politicamente quanto em termos de ação, a milícia de Neiler é retratada de forma mais ingênua e confusa que as milícias mexicanas, sem flutuar muito em relação à forma com que é mostrada para a tela. Já a milícia mexicana percorre um arco de glória e queda, mostrando ser apenas mais uma peça do sistema para substituir outras igualmente defasadas.

    Inicialmente “Autodefesas” são mostradas como um poder emanado do povo de maneira legítima e com respeito ao povo, intensificado pela persona de aparência digna de El Doctor Mireles. Apesar de entregar muito mais tempo de tela ao núcleo mexicano, a direção sempre busca ecos no núcleo americano demonstrando que este é um sistema acoplado que não vê fronteiras. Após algum tempo sob o julgo do cartel mexicano, a população se arma e luta contra o cartel a partir de operações de busca a apreensão nas casas de bandidos conhecidos ao longo de diversas cidades, armando e treinando a população local para que assim as Autodefesas não ajam como poder paralelo e centralizado. Os rumos da malícia mexicana no entanto sofrem um revés quando El Doctor é atingido por um atentado e vê sua vida em risco. A perda do comando ideológico aparenta deixar um vácuo para que se estabeleçam vetores menos democráticos dentro da milícia, mas mesmo Mireles começa a demonstrar suas faces menos éticas, bem como os desvios de conduta e caráter dos recrutados pela milícia, muitos deles ex-integrantes de cartéis já extintos que alegam ter se recuperado. Logo ela se torna um poder paralelo agindo como cartel tal qual aqueles que se iniciaram no combate, atingindo níveis constrangedores de violência mesmo contra a vontade da população. O poder do povo e para o povo sumiu.

    Com a pressão social e internacional, o presidente mexicano pede o apreço pelo Estado de direito e eis que os ânimos se mostram cada vez mais acirrados e a corrupção na região se mostra endêmica, atingindo diversas escalas de poder.

    O diretor visa desde o começo construir uma narrativa para sua história, com arcos bem definidos e uma história para contar. Esta história é contada com uma cinematografia belíssima em tomadas aéreas do deserto e cenas de profunda intimidade, como a que, após um confronto entre o povo e o exército mexicano, a população dispersa-se e sobra em meio a rua apenas um senhor obviamente cansado e debilitado. Ele se mostra parado ali e a câmera o centraliza em toda sua fragilidade, demonstrando que independente do discurso que se propaga o povo será sempre o elo mais fraco desta corrente. A narrativa também é competente em fazer a desconstrução do El Doctor, mostrando que ele é, apesar de seus ideias, um homem em estado de falência ética ao despir seu charme político do início.

    O que marca em Cartel Land é a aproximação do conceito de ideologia com o de fascismo. Se é fácil identificar uma postura fascista em caricaturas de ditadores ao redor do mundo, mais difícil é identificar o fascista com boas intenções. Este fascista adquire contornos mais sutis ao adquirir outras alcunhas como “cidadão de bem”, mas a semente fascista muitas vezes se esconde atrás de justificativas passionais extremamente plausíveis do ponto de vista prático e não raramente busca fazer o bem aos seus, pois nenhum fascista prega a morte, mas sim a liberdade e força de seu povo. A partir daí ninguém saberá quem vigiará os vigilantes.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | What Happened, Miss Simone?

    Crítica | What Happened, Miss Simone?

    What Happened Miss Simone - poster

    Ainda que a definição sobre a composição da arte seja delicada, há uma natural observação comum, pontuada tanto por uma análise geral quanto pela vertente crítica com base em biografias, de que parte da arte mundial foi esculpida através de sentimentos dolorosos. Um conceito simbólico que faz da tristeza um maior escopo fundamental para que artistas expurguem sentimentos pela criação, equilibrando a matéria interna com o labor de um trabalho visível.

    A dor é uma das constantes de Nina Simone em sua longa carreira, cuja trajetória se destaca na biografia dirigida por Liz Garbus – a qual já dirigiu uma obra sobre Marilyn Monroe, outra figura trágica do show business – com distribuição da Nexflix. Desenvolvida em estilo documental tradicional, apoiada na trajetória temporal da cantora, a história apresenta altos e baixos dessa compositora de formação clássica cuja interpretação musical era carregada de uma intimidade intrínseca com a música. Obra indicada ao Oscar de Melhor Documentário, curiosamente concorre com outra grande cantora biografada, representada pelo médio Amy.

    Nascida em 1933, Simone tinha o desejo de se tornar a primeira pianista negra de música clássica no país. Após um concerto aos quatro anos de idade, demonstrando um talento precoce, passa a estudar com duas tutoras por anos, assimilando a música clássica a qual seria fundamental em suas composições de jazz. A necessidade do trabalho a projetou em diversas casas de música interpretando canções fundamentais do jazz, o início do sucesso como intérprete.

    A figura de Nina Simone é composta por contradições. Elementos apresentados na história que fortalecem sua trajetória como artista. Sua carreira se destaca logo após seu casamento, quando o marido, até então policial, se torna seu empresário. Uma relação de amor e ódio que causava desequilíbrio na cantora, apesar de ela sempre declarar seu amor. O relacionamento, assim, representava parcialmente a visão da época na qual o casamento se mantinha como uma instituição a ser seguida, mesmo que violentamente. Cobrada ao extremo para executar seu talentoso trabalho, o palco era seu momento de catarse com interpretações carregadas de sentimentalismo na voz e extrema técnica no piano.

    Em 1964, quando a luta pelos direitos civis dos negros eclode, a pianista reconhece que parte de sua trajetória como artista vinha da afirmação de sua origem e raça, e se torna símbolo favorável ao movimento, compondo uma pungente canção após a morte do ativista Medgar Evers. Missisipi Godam marcava o início de um poderoso viés artístico, importante para sua época mas, devido à sua agressividade, foi responsável por afastá-la da mesma mídia que a consagrou. A brutalidade da luta pelos direitos leva-a a extremos, aliada a uma frágil psiquê que se desmonta e a faz odiar a própria arte que amava.

    Simone era inimiga de si mesma sem saber, tardiamente diagnosticada com transtorno bipolar e psicose maníaco-depressiva. Somente em fase madura da vida pôde compreender que, além de sua personalidade distinta, da voz aberta para falar dos problemas e da alma capaz de transparecer em suas canções, tinha uma doença invisível. Em tratamento, restabelece seu público e aparece, pela primeira vez, em paz consigo mesma, compreendendo as pressões existentes na carreira, sua limitação devido à doença e o talento que a consagrou.

    Nina viveu numa época em que o esforço artístico era fundamental para a carreira de um bom artista, sem aparato técnico, marketing ou qualquer outro artifício predominante. Bastava o talento como diferencial e uma motivação capaz de transformar a matéria do cotidiano em arte. Sua voz viveu boa parte da vida sob a redoma da dor; a música libertou-a para a eternidade.

  • Crítica | Los Hermanos: Esse é Só o Começo do Fim Da Nossa Vida

    Crítica | Los Hermanos: Esse é Só o Começo do Fim Da Nossa Vida

    Los Hermanos - Esse é Só o Começo Do Fim da Nossa Vida

    Os dez anos em atividade de Los Hermanos foram o suficiente para transformar a banda de um promissor grupo de rock, fundamentado pelo hit radiofônico Anna Júlia, a uma banda que flertava com o rock alternativo e uma mistura de estilos variados que lhe proporcionaram dois grandes álbuns. Após anunciar um recesso em 2007, a banda retornou após cinco anos para uma turnê comemorativa do 15º aniversário da banda, feito realizado novamente em 2015 com um sucesso semelhante que demonstra a devoção de seu público.

    Dirigido por Maria Ribeiro, Los Hermanos – Esse é Só o Começo do Fim da Nossa Vida é um registro que compartilha com o espectador a afeição pela banda, motivo que revela parte da intensão deste longa-metragem que vai além de registros de shows mas pouco se expande como um documentário. A câmera acompanha in loco a banda durante a turnê comemorativa por diversas capitais do país como um observador natural, inserido no cotidiano das viagens, registrando conversas, momentos de lazer e o antes e após dos espetáculos.

    Há poucas falas diretas dos envolvidos para a câmera, exceto em pequenos momentos para pontuar acontecimentos que marcaram a banda, como um breve resumo da trajetória, cujo primeiro passo importante foi no evento Abril Pro Rock em Recife; o retorno aos palcos após o hiato e, talvez, uma das dúvidas que mais incomodaram os fãs: os motivos de encerrar a banda. Depoimentos que, mesmo importantes, não configuram um estilo narrativo devido a sua escassez.

    O registro se sustenta fundamentalmente como um observador da intimidade da banda, com canções filmadas na íntegra no palco, além da reação dos fãs. Como tais shows foram realizados somente em capitais, podem ser representativos para a parcela que não conseguiu estar presente nestas apresentações. Ainda que nada de novo se apresente, o documentário confirma a boa integração da banda e a adoração de seus fãs que ainda continuam fervosoros mesmo após quase dez anos do encerramento do grupo.

    Como o documentário segue a cronologia da turnê, o final é eficiente ao registrar na íntegra a última canção do último show comemorativo. Simbolizando a trajetória da banda por estes shows e encerrando a obra no momento preciso em que as cortinas se fecham após o último espetáculo, uma estratégia pontual para demonstrar a intenção do registro, bem como trazer ao público a emoção catártica do encerramento.

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  • Crítica | Últimas Conversas

    Crítica | Últimas Conversas

    últimas conversas

    Invadir a privacidade alheia feito hospedeiro foi a sina de Eduardo Coutinho, compartilhada num mangue de estórias por nós; cúmplices. Muitos, hoje em dia, de vlogueiros a cientistas sociais, defendem que a privacidade deve, repito, Deve ser invadida (como vem sendo) para estreitar nossas laços e fazer das relações uma tela de cinema, exímia janela aberta que é (entre pessoas bem-intencionadas, detalhe). Mas caso o tal do privê seja assim, tão importante, tocando até nas vias do sagrado, Coutinho, nosso fotógrafo de almas, quebrou a quarta parede desde sempre, investigando até o fim e as facadas que recebeu o ser humano brasileiro (Cabra Marcado para Morrer), o que o move (Edifício Master) e o que alimenta (Um Dia na Vida, Canções e Peões, entre outros), virando famoso, ou celebridade anônima, por ser o menino xereta de cabelos brancos que sabe usar a curiosidade em prol de vasculhar as solitudes, mazelas e as putarias que causam ao Brasil o mérito delator de ter, entre seus melhores filmes, vários do cineasta assassinato no polimento de sua última lupa social: As Últimas Conversas d’O cara. Quem não queria narrar sua vida pra ele?

    Eu queria, mas minha vida é chata, desinteressante, normal, e ao saber disso, o cara faria abrir minhas experiências com a fúria de uma câmera IMAX na minha cara. Nos ensinou que não existe normalidade quando a mesma é filtrada pela “lupa de Coutinho”, remetendo pela metáfora ao ditado popular que Todos somos loucos, se olhados mais de perto… É que o importante à ele não era respeitar, mas tornar público, no limiar das funções da arte a realidade de um povo, usando como objeto o Cinema. Essa era a função do artista, potencializada nas vias da encenação no extraordinário Jogo de Cena, peça-chave e obelisco do Cinema mundial dos primeiros anos do séc. XXI – aula impreterível do sábio numa ação de glorificar imagens, sons e a palavra bem vivida.

    Nós não queremos que o filme acabe, simples. Se o que faz do homem comum um homem comum pode ser filmado, Coutinho tal Orson Welles grava em retrato e cinefilia a matéria-prima de um conjunto da obra que carrega, em cada exemplar, um testamento diferente. Não encaremos Últimas Conversas como obituário, dado que recolhe as visões de jovens brasileiros num terceiro mundo que desafia suas mentes globalizadas. Um genuíno ponto de partida, como todos os filmes d’O cara, bicho curioso que enquanto escrevo, não demora a perguntar pra São Pedro quem tem a culpa do aquecimento global aqui embaixo. A gente adorava as respostas do vovô. Os casos de outrora, eternizados por uma câmera eternizada por seu mestre. No dicionário de Coutinho, conclusão era reles verbete mudo. Sendo assim, ao arqueólogo do involuntário o caminho é a chegada.

    Falar de Últimas Conversas é discutir Moscou e remeter a Teodorico, o Imperador do Sertão e Jogo de Cena, de novo. Porém, o último de Coutinho nos reserva um sentimento de perda e novidade exalantes. Novidade devido ao admirável mundo novo que todo adolescente traz, dentro de si, alguns olhando para o mestre como se estivessem diante de um monge, outros para uma relíquia ultrapassada tentando entender o presente. E perda, pois os créditos finais logo vão subir depois de 90 minutos e… fim. São as Últimas Conversas! Seus registros, tão autênticos, consumidos por uma licença poética e delírio do que se extrai do audiovisual e inerentes ao ser, e forma estética. Relatos crus, mas olhando bem, apenas em sua essência, posto que jamais são no trajar mais refinado que sempre os permeia (no caso, uma montagem que expande os sentidos e não resume nada!). Coutinho era fera ferida, mas masoquista, graças a Deus. Por tudo isso, daí vem a birra do artista com a ficção, cozinhada e açucarada demais, a ponto até de perder aquele tal do caráter virginal e cru de suas obras pueris, e pueris como só.

    E quem não queria narrar sua vida a Coutinho?

    Tarde demais.

     

  • Crítica | O Peso do Silêncio

    Crítica | O Peso do Silêncio

    O Peso do Silêncio 1

    Obra de Joshua Oppenheimer, O Peso do Silêncio é um documentário sobre uma família destruída pela violência na Indonésia, graças a repressão da Ditadura Militar e da automática associação de opositores ao comunismo. A esteira do longa evidentemente faz lembrar o filme anterior do diretor, O Ato de MatarAlém de ter sido captado ao mesmo tempo, contendo cenas igualmente fortes, a trama narra os fatos através das vozes dos que sofreram o mal agouro, dos vitimados do mesmo núcleo familiar.

    A carga de humor sarcástico é utilizada para desconstruir a paranoia típica da Guerra Fria usada para justificar os mesmo abusos à população que ocorreram também no Brasil, ainda que em registros de mortes, os indonésios tenham números muito mais assustadores que os brasileiros. Usa-se um tempo demasiado focando em crianças tendo aulas, para grafar na mente do público o quão nefasto e digno de repúdio foi esse período no país, afetando-o até a atualidade em muitos de detalhes governamentais do atual presidente Joko Iododo.

    Os detalhes das torturas são encenadas por homens despreocupados, com um estilo parecido com o antigo documentário proibido no país Brasil: Um Relato de Tortura, ainda que o espírito seja o completo inverso, já que não há pesar ou trauma da parte de quem reinventa esses passos. Os olhos de Adi, um oculista e principal depoente do longa (que teve seu irmão vitimado) é de completo desprezo por quem quer que compartilhe dos ideais da época, especialmente dos que falam abertamente sobre o Regime como uma época gloriosa.

    Sua abordagem é a de receber os homens que praticaram os atos de guerra com a desculpa de realizar exames de vistas, para, enfim, confrontar os demônios do passado. A reação dos entrevistados transita da vergonha ao contínuo desprezo pelo esquerdismo, achando-se ainda donos da certeza e razão, como defensores de uma pátria que tem na moral o seu norte.

    A escolha da tradução brasileira não poderia ser mais simbólica (No original, The Look Of Silence, O Olhar de Silêncio), pois todo o conteúdo de discussão deste documentário acontece sobre a desfaçatez de quem impingiu mal e foi incapaz de assumir seus erros e perceber a quantidade enorme de injustiças ocorridas devido a um viés ideológico extremamente opressor, cujas consequências prosseguem ainda atuais e enérgicas. Sobra sentimentalismo no documentário, mais uma vez ultrapassando a barreira de mero exercício documental, para também tocar seu público, em um experimento bem sucedido em essência.

  • Crítica | O Povo Contra George Lucas

    Crítica | O Povo Contra George Lucas

    O Povo Contra George Lucas 1

    Usando a fama de John Stewart para iniciar a discussão que achincalha com os “pecados” do cineasta que deu luz aos sonhos de muitos nerds, Alexandre O. Phillipe leva seu documentário à frente dando vazão a um sentimento que perdura até a atualidade. O Povo Contra George Lucas é uma manifesto sério, com pitadas de comédia e deboche como modo de defesa do aficionado em relação ao criador de tudo.

    Phillippe mostra imagens de arquivo da juventude do diretor de Star Wars, desde suas pretensões em cinema, até a mercantilização de sua arte, focando nos métodos que ele usaria para modificar as tratativas dos cineastas junto a tecnologia, inaugurando assim um novo estilo.

    O modo como o documentarista mostra a subcultura iniciada a partir da obra de Guerra nas Estrelas é focando em produtos feitos por seus fãs, desde fan films mais sérios, até iniciativas mambembes e jocosas, que funcionam como tributo à obra tão adorada e laureada, o que serve de extremo oposto às alterações propostas na versão da edição especial de 1997, a qual o grupo de fãs basicamente apoiava graças aos avanços em termos gráficos. O engano começaria a ser desbaratado na cena acrescida com o mafioso Jabba sendo pisoteado na cauda por Han Solo, para depois evoluir ao maior problema, visto em Greedo atirando primeiro, e mais um montante de easter eggs que se tornam realidade, retirando toda a ousadia que fez da trilogia algo único.

    A duvida e insegurança passaram do artista para o público, já que seus filmes pareciam sempre necessitar de novas mudanças. As obras de arte, ao menos aquelas que se dão ao respeito, precisam “findar”, se bastar, pois se não ocorre isso, desdenha-se de seu espírito e caráter, como ocorre nas volumosas edições. O documentário tem argumentos tão bons que se torna impossível não culpar o criador da saga por todos os erros recorrentes, mesmo ao fã mais fiel e pouco contestador, principalmente por causa do desdém em mexer no material original, praticamente extinguindo o trabalho de edição oscarizado em 1977. Sem falar no serviço de inúmeros outros departamentos não premiados e, portanto, pouco lembrados.

    Phillips piora a situação ao lembrar a participação de Lucas em protestos que combatiam a colorização de filmes em preto e branco. O mesmo defensor da memória do cinema mundial seria o sujeito que basicamente remexeria em seus sucessos antigos, e que se impediria de evoluir como cineasta para apenas virar um marqueteiro, um homem que usa sua marca apenas para ganhar dinheiro com brinquedos, camisetas e toda sorte de memorabilia.

    É curioso notar no que o antigo diretor hippie anti-corporações se tornou, além de ver seus produtos estampando toda sorte de merchandising e fazendo parte das atrações do maior parque temático do mundo. Prova do quanto uma ideologia mal construída e mal fundamentada não resiste ao menor sinal de abalo.

    Há um foco especial nas edições organizadas por fãs, bem como nas críticas à nova trilogia. O paralelo estabelecido culpabiliza de certa forma os fãs, por estarem tão ávidos por novas aventuras que sequer se deram ao trabalho de pedir boas histórias. A prova cabal de que o argumento está certo é a horda de fãs que acredita que as histórias eram bons momentos. O Povo Contra George Lucas evoca sentimentos muito fortes a respeito do biografado, sendo o da comiseração o pior deles, mais degradante até do que o ódio que o “personagem” causou nos seus antigos fãs. Mesmo diante da miséria e desprezo, o sujeito segue com algum prestígio junto às mesmas pessoas que foram maltratadas por suas atitudes puramente capitalistas.

  • Crítica | Amy

    Crítica | Amy

    Amy - poster

    Há dificuldade em analisar uma pessoa ou objeto artístico cuja discussão ou modificação aparente ainda ecoa no presente. A ausência de distanciamento adequado pode cegar o analista, tornando-se um desafio duplo registrar uma análise de qualidade sem cair em equívocos naturais que o tempo pode ser capaz de filtrar com adequação.

    Dos mesmos produtores do elogiado Senna, Amy intenta analisar o legado de Amy Winehouse, cantora com breve carreira musical que saiu cedo de cena e foi explorada ao extremo por especialistas e tabloides. Com apenas dois álbuns lançados, sua trajetória foi estratosférica e se destacou tanto pela voz quanto pelo uso constante de drogas, uma problemática que colidia seu talento musical com uma história de abusos desde a infância, em uma família sem uma estrutura tradicional e apontada como incômodo pela cantora.

    A narrativa se apoia na cronologia para traçar um panorama da cantora. O primeiro erro da produção é imaginar que o público conhece sua biografia em detalhes e, assim, insere cenas cronológicas sobre a adolescência e, posteriormente, testes e gravações, sem explicar se, de fato, foram importantes para sua trajetória ou usadas aleatoriamente como registro gravado. Semelhante ao conceito de Senna, os depoimentos se apresentam somente em voz, destacando em tela o nome do declarante com imagens. A maioria dos depoimentos presentes são de pessoas ligadas à cantora, tanto de sua carreira quanto os amigos vindos da infância.

    Devido à proximidade dos depoimentos, falta um alcance maior para a narrativa. Não há nenhum fio condutor de maior alcance; nenhum crítico profissional que analise a importância de Winehouse no cenário musical, repórteres que acompanharam sua trajetória, qualquer outro tipo de personagem que a abordasse de fora como a cantora conhecida pela mídia e aclamada pelos críticos.

    Mesmo com uma lista de colaboradores, falta imagens e cenas relevantes que demonstrassem sua trajetória. Há muito registro pessoal, feito por amigos aleatórios e poucos apresentando sua grandiosidade nos palcos, gravando seus álbuns, discutindo suas composições, como se Amy como artista não fosse maior que a pessoa. Além deste aspecto, em mais de uma cena, fotos se congelam na tela como se a imagem tentasse causar maior impacto mas o resultado é levemente sensacionalista, distanciando-se de um documentário cinematográfico que deseja ser sério, se assemelhando a projetos feitos para televisão com apelo rápido. Afinal, quando é necessário uma imagem deplorável da cantora para demonstrar seu devastamento, é significativa a falta de narratividade do documentário.

    Diante deste cenário, a figura de Amy parece permanecer um mistério para seus produtores. Analisada por seus amigos íntimos que, de qualquer maneira, assumiam sua trajetória errática, falta material e depoimentos que consolidem a cantora por aquilo que a imortalizou. Após uma hora de duração, a produção já apresentava seus dois álbuns e intensificava o drama envolvendo as drogas. Um momento em que a história melhora, provavelmente, pelo fato do público reconhecer a problemática vivida por ela, não pela condução da história em si.

    Dona de uma grande vozes de sua geração, interessante compositora que inseriu um teor autêntico de realidade na erudição do jazz, elogiada por outras grandes vozes americanas, Amy Winehouse se torna uma pálida imagem da potência musical que foi em vida. Melhor ir direto à fonte e ouvir Frank e Back to Black para compreender, por experiência própria, o significado que a produção de Asif Kapadia não soube justificar em sua produção.

  • Crítica | Cidade Cinza

    Crítica | Cidade Cinza

    Cidade Cinza 1

    Abrindo a discussão a respeito do crescimento dos prédios em detrimento das árvores, Cidade Cinza assume um caráter de filme-protesto sobre a dificuldade que uma megalópole impõe em relação à exposição de ideias. Guilherme Valiengo e Marcelo Mesquita apresentam um documentário que discorre sobre grafite, pichação e as formas de arte com bastante brasilidade, criatividade e que não são tão valorizadas no espaço nacional quanto deveriam, a despeito do reconhecimento do mercado externo.

    Entre os entrevistados, há o destaque da dupla OSGEMEOS – nascidos Otávio e Gustavo Pandolfo – que em todos os seus discursos deixa claro que o esmero que emprega tem a função de entreter a população, estabelecendo assim um diálogo com o povo, com o homem comum. O filme possui um caráter de absoluta constatação, necessário especialmente em relação a Lei Cidade Limpa, a qual apagava pinturas dos artesões, passando por cima talvez da vontade popular, sem qualquer critério.

    As entrevistas incluem os populares que trabalham nas empresas terceirizadas que apagam os que fogem do padrão estético esdruxulamente escolhido pela prefeitura, que aos poucos retira a pouca cor que permanece em São Paulo. Após as péssimas repercussões, o órgão governamental autorizou a feitoria de novas pinturas, mas não arcou com as dívidas, fatos estes devidamente pontuados e documentados no longa.

    A investigação passa também por imagens interessantes das aglomerações de hip-hop que ocorriam perto da Estação São Bento, onde se desenvolve uma outra cultura, de uma geração que compartilhava histórias e experiências. O destaque no universo que surgiria a partir dali, com a presença de Thaíde, DJ Hum, Racionais MC e tantos outros artistas hoje reconhecidos mundialmente. Foi neste núcleo e efervescência cultural que surgiu o talento fraterno de Otávio e Gustavo, que fazem de suas imagens um serviço muito intenso e simbiótico em essência.

    Em comum entre os grafiteiros, há o medo de ter perdida sua arte graças ao acinzamento dos murais, que demandam trabalho, luta, suor, talento e lágrimas, que podem simplesmente desaparecer caso algum governante não for com “a cara” daquela arte, tendo pouquíssimas vezes a retratação destes disparates em relação à pintura em muitos murais artísticos exibidos ao sol.

    A câmera flagra Gilberto Kassab tentando se retratar sobre a repercussão negativa que ocorreu em painéis grandes, e ainda pior com os menores, apagados pelo entorno da cidade, impedindo o trabalho e exposição de muitos operários da arte. Cidade Cinza tem um caráter de resgate expositivo, mas possui em seu cerne um tom de denúncia sério, sóbrio e repleto de razão.

  • Crítica | The Nightmare

    Crítica | The Nightmare

    The Nightmare 1

    Documentário de formato inusual, cuja chancela fica mais popular com o passar dos anos, The Nightmare é uma fita orquestrada por Rodney Ascher, diretor do interessante O Labirinto de Kubrick (ou Room 237) que investiga takes de O Iluminado. A nova empreitada do diretor é focada em oito pessoas que sofrem do mal da insônia, drama este que se alastra pela sociedade moderna.

    O início é filmado a partir de cenas dramatúrgicas, que remetem à infância de um doente anônimo. A universalidade da sequência abarca não só os personagens do filme, mas qualquer ser que consuma a fita, pondo o espectador no papel de personagem também, estabelecendo um contato imediato entre os pares. A identidade dos entrevistados é parcialmente escondida, com menção a poucas letras de seus sobrenomes, que visam tornar a experiência ao espectador muito mais empática, apesar de todo estilismo.

    Os medos e traumas são representados por cenas que beiram a graça, de tão pitorescas. Abduções e temores de figuras monstruosas permeiam o imaginário dos entrevistados, e são representados por pesadelos terríveis, com insinuações bem interpretadas, que valorizam em cada detalhe a terrível sensação de não conseguir descansar, especialmente nas representações de sonhos ruins frequentes.

    Os relatos passam a ser cada vez mais atemorizantes, por incluírem situações limite, que por mais que evoquem questões bizarras, vez por outra incorrem em medos comuns, como impotência sexual, choques e pânicos fálicos. Apesar de pessoais, cada retrato filmado possui um caráter comum, que reflete anseios, animosidades e fobias inexoráveis ao existir do homem, fatores que em sensação desperta, trava o indivíduo, e que, no campo das ideias, faz do homem um alguém ainda mais covarde e debilitado, especialmente por não haver fuga do subconsciente, e tal receio é bem enquadrado, a despeito da repetição de alguns contos, já que a fonte da insônia vez por outra é a mesma.

    A teatralidade do roteiro escancara uma característica que pode ser negativa, já que muitas vezes, o formato do filme supera seu conteúdo. No entanto, por se tratar em essência de algo que faz parte da rotina de muitos, seu caráter é bastante válido, mesmo com o simplismo que insiste em se fazer valer em muitos pontos do longa-metragem, passando a impressão de que o espanto noturno seria a causa da doença em si, quando sua incidência é bem menor do que pressuposto. A curiosidade fica por conta dos medo ufológicos, que habitam os sonhos de vários dos pacientes, e que insistem em habitar o ideário do homem comum, demonstrando que o receio do desconhecido, continua sendo um dos maiores bloqueios do homem, e nesse sentido, The Nightmare funciona prodigamente.

  • Crítica | Mansome

    Crítica | Mansome

    Mansome 1

    Mansome é um filme cuja produção executiva estava a cabo dos atores protagonistas em Arrested Devolopment, Jason Bateman e Will Arnet. Grande parte do humor presente no seriado retorna ao documentário de Morgan Spurlock, que investiga jocosamente a aparência e comportamento masculino, analisando elementos genéricos, a partir de barba, cabelo e bigode. Depois de fazer um trabalho controverso, acusativo e de denúncia em Super Size Me – A Dieta do Palhaço, o alvo seria uma faceta mais leve da humanidade, tratado com normalmente com uma severidade desnecessária.

    O entrevistado que primeiro dedica um tempo minimamente exigido para Spurlock é o diretor John Waters, um homossexual assumido conhecido por seu bigode fino a la Clark Gable. Curioso é que o estereótipo de homem que cuida de sua aparência com tratamentos especiais e afins é ocasionado por espécimes teatrais, por Arnet e Bateman, que interpretam a si mesmos, homens heterossexuais, longe de qualquer estereotipo prévio e preconceituoso que associa o homem cuidadoso com sua estética com um efeminado.

    Paralelo a isto, exibe-se um estilo de vida totalmente baseado em pelos faciais, com sujeitos que cuidam de suas barbas como muitas mulheres costumam cuidar de seus cabelos, cultivando-as para entrar em competições ao redor do globo. Os Estados Unidos começariam a se valer de conceitos comuns a África, de que o homem não “deixaria de ser” homem por começar a decorar a si mesmo, com sprays, tintas, spas, tratamentos de pele, com o uso contínuo além do mainstream do showbusiness. As razões são diversas, desde medo de envelhecer até queda de cabelos e receio de ser menos atraente em relação a caça do belo sexo.

    A busca por entender a mente repleta de testosterona passa por conceitos conservadores e regulares, até a mentalidade puramente misógina, que impede muitos homens de se cuidar mesmo que queiram, por medo de serem associados ao “ser inferior feminino”, resultado da perseguição propagada secularmente e reforçada pelo mercado de trabalho e pelas parcelas mais antigas da sociedade medíocre ao redor do globo.

    Os closes rápidos projetam opiniões diversificadas, de pessoas cujo repertório é completamente diferente, onde o conjunto de impressões visa representar a opinião publica e relacioná-la as práticas de auto-cuidado, feitas pelos homens, desde as mais comuns até as mais esmeradas. A miscelânea de falas distintas exibe uma multiplicidade de pensar e julgar, tanto o homem quanto as mulheres que os desejariam, no caso do heterossexual, sem abandonar o quanto a aparência influencia no cotidiano humano, sejam quais esferas seriam.

    A proposta de Spurlock investiga a superfície do comportamento masculino, não se aprofunda, até por ter na estética seu alicerce, a camada menos profunda da pele e do corpo humano é o alvo. No entanto, os panoramas e assuntos discutidos de modo leve servem bem ao entretenimento e promovem uma discussão, que por sua vez faz o espectador refletir sobre suas próprias ações, além de promover uma avalição de como o público enxerga o papel do homem na comunidade, o que faz colaborar para a análise mundana, especialmente ao focar