Crítica | O Fantasma da Ópera (1925)
Parte da iniciativa da Universal em fazer os filmes de monstros que depois se tornariam clássicos, O Fantasma da Ópera é um filme mudo de Rupert Julian. A produção começa em uma masmorra, onde um serviçal vai ao subterrâneo do palácio de opera de Paris, construído sobre câmaras de torturas medievais. Esse início demonstra um caráter de dubiedade no cenário onde a historia se passa, com as artes sobrepondo a crueldade humana.
O filme apresentado por Carl Laemmle desde sua gênese mistura o lúdico e o profano, embora o que seja visto no inicio seja só o lado positivo disso, exibem-se ali grupos de balé e operas. É engraçado ver como funciona o desenrolar do horror, pois não há falas, não há cor na maior parte das cenas. O máximo fator catalisador de emoção são as músicas instrumentais, num volume alto, que dão uma sensação de grande apreensão, mas nada comparado ao que se pensaria de terror no terço final do século XX, que dirá das novas versões do gênero pós anos 2000. Dessa forma, é perceptível a tônica teatral da obra que se vale da fragilidade mental das bailarinas para mostrar o receio com a lenda urbana do tal fantasma que assombra o prédio do teatro.
Diz-se que o filme também foi dirigido por Lon Chaney, o ator que faz o papel central (e que só aparece depois de um terço de filme), e por Ernst Laemmle e Edward Sedgwick, que não são creditados, sendo suas funções principais como diretor de técnicas de som (Laemmle), diretor suplementar (Sedgiwick) e, claro, maquiagem e criação da própria máscara, da parte de Chaney. Em uma época em que as funções de produção eram tão primárias, natural que tivessem peso de direção.
O filme utiliza muito bem os vocais e instrumentais da ópera. Assisti-lo devia ser algo seminal para a década de 1920, uma vez que a inteiração com o publico no cinema mudo era bem tímida até então. Certamente esse filme era uma exceção a essa regra. Esta versão faz um bom paralelo com dois outros filmes da Universal, lançados na mesma época, o posterior O Homem Que Ri, de 1928 de Paul Leni, que traz Conrad Veidt no papel de um sujeito deformado que cai do estado nobre de herdeiro de um ducado para um homem vendido ao circo (e que teria sido a principal fonte de inspiração para Jerry Robinson fazer o Coringa, principal vilão do Batman); e O Corcunda de Notre Dame, lançado anteriormente, em 1923. Ambos adaptam textos originais de Victor Hugo, autor francês, como também era Gaston Leurox autor original de O Fantasma da Ópera. No entanto, as outras duas historias se baseiam mais no drama e na sensação de horror. Ainda assim, são historias que tem como personagens centrais homens deformados, fato que se repetiria alguns anos depois, em 1932 com Monstros (ou Freaks) e A Marca do Vampiro, entre outros clássicos do gênero.
A primeira morte ocorre com menos de um terço de filme. É incrivelmente bem conduzida, especialmente se levar em conta que eram os primórdios do cinema. Certamente o desespero presente na plateia do teatro seria compartilhado por quem assistiu a produção na época em um cinema dos anos vinte. Além disso, é um senhor artifício metalinguístico, Julian e sua equipe de produção conseguem exprimir bem a sensação de desespero em ter contato com uma figura monstruosa, num cenário que não deveria ser muito diferente do visto na maioria dos lugares que tinham suporte para exibir seu filme, e dado que os experimentos dos Irmão Lumière não tinha ocorrido a tanto tempo, é natural.
Para além dos abusos impetrados pelo personagem central do filme, que varia é claro entre a figura e vilão e herói da trama, há de se destacar a sensibilidade com que é mostrado o Fantasma, primeiro como um artista que carece da compreensão alheia, depois, como uma figura monstruosa, e que só age com crueldade quando tem sua máscara retirada, como se liberasse ali todo o mal incontido em seu coração e alma humana. Na realidade ele é mais humano que a maioria dos outros homens, a liberação de sua “fealdade” na tela é vergonhosa para si, e por isso ele precisa agir como o monstro arquetípico, já que é isso que se espera de um sujeito feio. A sociedade condena o diferente praticamente desde sempre.
As partes coloridas são belíssimas, dão a dimensão do trabalho e esmero que Chaney, Julian e companhia tiveram com a obra. Os momentos finais tem uma tensão que impera, com os personagens ditos humanos em perigo, numa demonstração de fuga do maniqueísmo barato, ao contrário, ele mostra a tristeza, amargura e egoísmo típicos de quem buscar ter alguém para dividir a vida, seja o custo que for. Mesmo o final trágico, que hoje é considerado clichê, tem sua força própria, este Fantasma da Opera é sem duvida alguma um marco para o cinema, não só para a sua época como para a eternidade da sétima arte.