Crítica | Upgrade
Até a apresentação dos créditos de produção de Upgrade, filme de Leigh Wannell são diferenciados. Ao invés de meramente aparecerem em tela, eles são ditos por uma narração feminina, cuja voz robótica remete a ultra tecnologia que será explorada mais a frente na trama do longa que aborda a vida de Gray Trace, personagem de Logan Marshall-Green.
A historia de fato começa na garagem/oficina do protagonista, onde o sujeito mexe no carro que é seu xodó, um antigo modelo hidráulico, diferente da realidade futurista que todo o mundo usufrui. Trace tem fobia com tecnologia, sua vida é a mais analógica que consegue e esse cenário onde a humanidade usufrui de artefatos mais modernos é tão próximo de um pesadelo que, ao menos para ele, a gênese desse universo é distópica. Fora isso, ele tem uma vida normal, é apaixonado por sua esposa e por sua máquina automobilistica, consome bebidas alcoolificas e gasta seu tempo com hobbys, como a mecânica, e claro, se mantem longe dos carros mais potentes e dos veículos voadores, cortando a estrada em alta velocidade e a moda antiga.
A especialidade de Whannell são fitas de horror, e obviamente que há muitos elementos de filmes de terror na formula de seu longa, e o que se assiste logo no início é uma tragédia bastante violenta, envolvendo a amada do protagonista e a tecnologia que ele tanto teme. A partir daí, elementos de filmes de monstro, de slasher e atomic horror são apresentados, de uma maneira bem criativa aliás, trazendo tudo isso para o cenário de avanço da inteligência humana, isso sem ter o lado ético acompanhando essa evolução.
Após todo o causo, passam três meses, o personagem fica deficiente e o caráter do filme muda um bocado, misturando elementos de ficção científica, com pitadas de Complexo dr Frankenstein e com sequências de ação bem conduzidas, emulando elementos de De Volta ao Jogo e os filmes de Paul Greengrass. A amargura pela qual passa Trace muda as ideias do sujeito, que se lança em qualquer possibilidade de vingança e só há como acreditar no show de absurdos que passa a acontecer graças a entrega de Marshall-Green, que está incrível e surpreendentemente bem no papel, sua atuação é contida ate do ponto de vista emocional, e quando lhe é exigido ele resulta num sujeito tridimensional.
O conceito de inteligência artificial de Stem – que é implantada em Gray – é revelado bem aos poucos, e o assumir o controle das situações gerais vão evoluindo com o cunho emocional do personagem principal, mas o nome do longa é injusto, o que se vê não é um upgrade e sim uma troca de consciência, gradativa e bem trabalhada. A parte mais brilhante do filme é quando essa tecnologia parece pela primeira vez ter consciência e sugere assumir as ações e comando motores do “deficiente”, fazendo do corpo do sujeito algo muito mais aprimorado do que imaginava, dando vazão a cenas bastante violentos, com gore explicito, mostradas de uma forma que faz lembrar Matrix, não só na camada superficial da ação como na essência de discutir a evolução das máquinas.
O conceito de ciborgue, com as pessoas tendo partes mecânicas é mostrado de certa forma como uma versão profana do processo que Trace é submetido. Ainda assim, resta alguma humanidade nele, ele desvia o olhar ao ver a violência que suas mãos guiadas pela Stem cometem, e ele até vomita, com nojo de suas próprias ações, mas isso não o impede de convenientemente cair no mal que antes condenava.
O final é disruptor, quebra expectativas e varia entre clichês de filmes de ação e algumas incongruências como a possibilidade do homem sentir dor quando é ativado pela Stem, mas em se tratando de um filme pequeno, Upgrade surpreende, e faz as expectativas em volta do seu diretor se intensificarem para suas próximas produções, além de ser uma boa extrapolação de conceitos dentro não só dos filmes de ação mas também do filão sci-fi.