Crítica | Idiocracia
Quando lançou Idiocracia em 2006 certamente o diretor Mike Judge não imaginava os contornos políticos ideológicos e sociais que o mundo tomaria na segunda década do século XXI se inspirando em seu filme, cujo roteiro (do próprio Judge e Etan Cohen) mostra uma versão do futuro, que prima pelo humor negro e que registra o ano de 2505, em uma sociedade distópica em que publicidade, marketing, consumismo, mercantilismo e anti intelectualismo. Para muito além da piada de que seria na verdade um documentário profético, o longa trata de um projeto científico malfadado, que congelaria um sujeito comum para ser acordado um ano depois.
Antes até de apresentar seus personagens, há um monologo, feito por Earl Mann sobre a seleção natural que faria os mais fortes e inteligentes sobreviverem. Essa lógica é pervertida, como é dito na premissa e sinopse, mas até antes de ir para 2505 se nota que as autoridades e o exercito não são as instituições mais inteligente e preparadas para lidar com o avanço da tecnologia e com os clichês do gênero sci-fi.
O exercito escolhe Joe Bauers, personagem de Luke Wilson para ser congelado e testado no futuro como possível membro da humanidade, que seria o exemplo do que é o homem médio num futuro próximo. Ele e outras pessoas comuns são levados a criogenia. Ele e a prostituta Rita (Maya Rudolph) deveriam hibernar por um ano, mas o destino quis que o experimento desse errado, e eles acordam muitos séculos a frente, em uma ditadura da ignorância.
O roteiro permite uma leitura alternativa, de que há no texto uma mentalidade um pouco elitista, por trás da premissa que aponta as famílias pobres e menos abastadas como proliferadoras da humanidade decadente, com clãs que se multiplicam sempre, sem educação básica aceitável, espalhando assim uma ideologia troglodita e acéfala. Essa leitura é um bocado ranzinza, e é frustrada exatamente na proposição de ser bem mais séria que as intenções do filme, mas pode ser facilmente aderida pela parcela da população que é viciada em problematizar qualquer evento.
Bauers passa por vários estágios nessa nova existência, é tratado como párea, encarado como bandido, mas seu intelecto superior o coloca em uma posição de enaltecimento, mesmo que seu modo de falar soa pomposo e “abaitolado”. Depois da fase de estranhamento ele passa a ser encarado como o superior que é, ainda mais diante da estupidez ambiental, intelectual e social da Terra. O maior adversário do seu estilo de pensar é o presidente Camacho, personagem de Terry Crews que é um ex lutador de luta livre profissional e ex-astro de filmes pornô, que ascendeu a liderança da maior nação do mundo.
A oposição política se baseia em xingamentos e repetição de sentenças negativas, e a situação é tão bizarra que mesmo sendo um possível adversário, Bauers se torna secretário de governo. O mundo é um lugar hostil, mas driblar os habitantes desse cenário pós apocalíptico não é difícil, afinal as pessoas são tão vidradas no entretenimento acéfalo a que estão habituadas que não percebem sequer a invasão de seu domicilio ou quando são ludibriadas por profissionais da prostituição.
Os homens e mulheres que vivem nesse tempo são movidos por piadas primárias, de humor físico e apelo ao falocentrismo que encontra eco com a realidade tangente atual. Mas ainda assim, Idiocracia é uma fantasia, que termina cômica, irônica e ligeiramente otimista, é uma obra que reflete bem o humor ácido tradicional da comédia americana e um passo a mais na filmografia de Judge, que já havia aloprado questões corporativas e capitalistas em Como Enlouquecer Seu Chefe, criticando não só o alto consumismo dos estadunidenses nesse, mas também todo o conjunto de crenças mal pensadas que normalmente vem com esse tipo de consumo desenfreado, não tendo qualquer receio em violar o pensamento politicamente correto, resultando então em uma crítica certeira ao caminho que boa parte das sociedades modernas estão fazendo.