Narrado em primeira pessoa, o seriado Apartment 23 usa um MacGuffin (um dispositivo ou elemento da trama que chama a atenção do espectador, ou dirige a trama) antes mesmo dos créditos iniciais, fazendo o espectador acreditar que é a Chloe interpretada Kristen Reatter a protagonista da história, apesar de o heroísmo da trajetória ser bastante discutível. June Colburn interpretada por Dreama Walker é uma personagem que, em toda sua inocência, procura um modo de viver em meio a selva de pedra de Nova York. Após uma demissão, fruto da crise financeira que tomou os Estados Unidos, June vê a necessidade real de dividir o apartamento com outra pessoa. Após muito procurar, vê a possibilidade de morar com Chloe e um novo mundo se apresenta.
Antes de passar um dia com sua nova colega de quarto, June recebe um aviso de uma desconhecida, a vizinha de porta de sua futura casa. A mensagem misteriosa reflete a personalidade da mulher que aluga o apartamento. Ao acordar, Chloe se transforma em uma pessoa depravada e inconveniente, distante da figura de confidente. Sua personalidade também muda pela aproximação do personagem de James Van Der Beek – usufruindo da fama de Dawson’s Creek – e que logicamente coopta a atenção da pobre menina loira, que ainda insiste em viver sua fidelidade incondicional ao noivo.
Todos os cenários de perfeição caem por terra antes dos créditos finais do piloto, já que Chloe faz questão de comprovar que até o relacionamento que a moça tem com seu namorado é baseado em mentiras. A jornada da dupla de mulheres funciona pela completa distinção de caráter, com personalidades e contradições que reforçam a ideia de girl power, recorrendo a clichês de gênero, que inserem o público para depois apresentar um discurso transgressor para os padrões de entretenimento.
O escopo de comédia romântica politicamente incorreta é uma marca da showrunner Nahnatchka Khan, uma das exceções dentro do gênero, geralmente escrito por homens. A distância entre os roteiros de Khan em comparação com Nora Ephron – outra notória roteirista – é evidente, a comparação mais justa seria algo entre o pastiche visto em The Mindy Project, de Mindy Koling e as tiradas de Tina Fey enquanto escritora, especialmente pela acidez do texto e profusão de humor negro, que faz lembrar o texto de Weeds, por Jenji Kohan.
Van Der Beek consegue sem esforço nenhum resultar em um bom personagem, sendo alvo de múltiplas piadas em relação a sua carreira, de modo poucas vezes visto, relembrando o esforço de Jennifer Tilly em Filho de Chucky em ser motivo de chacota. O universo habitado pelo ator faz referência a tantos outros espécimes de pouco ou nenhum talento, marcados por toda a carreira por um papel desimportante. O louvor a futilidade é outro aspecto curioso do papel que interpreta.
A temporada de estreia não termina de forma surpreendente, ao menos aos olhos de quem acompanhou a trajetória de amizade entre Chloe e June. Aos poucos, a dupla percebe a interdependência que sofrem, sendo as faces da mesma moeda, não conseguindo realizar qualquer ação de modo autônoma. A percepção deste fato é apresentado nos poucos momentos os quais a comédia se permite ser fofa.
A segunda e última temporada começa repleta de eventos metalinguísticos, girando em torno de uma possível reunião de Dawson´s Creek, brincando com a péssima ideia cometer esse tipo de interação caça-níquel, mostrando passado de Van Der Breek tentando retornar a carreira de ator e sendo uma eficaz mensagem de reconstrução, usando a trajetória de June como símbolo, mostrando que a história da moça de Indiana só está para começar, ironicamente no último ano de exibição do seriado.
A trama prossegue explorando diversos temas como as paródias e a população consumista que engole todos delírios empurrados pela revista People. Outro momento esdrúxulo, mas perfeitamente cabível, é o ingresso de James na Dança dos Famosos, onde mais piadas com a hipocrisia latente do show business são exibidas e exploradas.
Apesar de mesclar certa misantropia e fazer apologia a isto, a sensibilidade permeia o roteiro, possibilitando espaço para redenção moral – no caso de Chloe – e de maiores descobertas para June que aprende aos poucos a se valorizar, se amar e propiciar maiores condições de felicidade.
A maior mensagem presente no roteiro da série é a de que todos tem os mesmo desejos e estão longe da santidade da moralidade e do auto-conhecimento. Apesar de June julgar sempre Chloe, ela também se utiliza das mesmas artimanhas que sua colega de quarto, seduzindo os que estão a sua volta, a procura de favores. Sua interação com Mark, pondo-o sempre na reserva de relações amorosas se agrava quando ela faz pedidos que normalmente um namorado ou marido faria, mas sem lhe dar a devida chance de ser seu par. O roteiro até permite uma maior intimidade entre os dois, mostrando que June tenta se consertar, mas a química entre ambos não funciona, fugindo do clichê irresistível de trazer a redenção a personagem que sempre foi de uma ingratidão ímpar.
O serie finale apesar de ser antecipado pelo cancelamento, consegue se diferenciar dos demais episódios, por exibir um pouco do passado de Chloe e de como ela chegou ao apartamento 23: repleta de sonhos, como foi June no piloto, tornando-se a partir da morte do seu sonho, uma mulher egoísta e incrivelmente descolada. Toda a avidez por ser politicamente incorreta – sempre soando natural – começaria a partir de um trauma com Trish (Sara Wright), que roubaria a sua vaga em um programa de entretenimento barato, chamado The Crank.
Apesar de não concluir a história como gostaria, Nahnatchka Khan consegue ao menos produzir um alento ao pequeno público que costumava acompanhar as aventuras de Chloe, June, James e os demais personagens, garantindo aos episódios finais um ar de confiança mútua que não se via no começo do seriado, provando que mesmo os aparentemente incapazes de sentir compaixão, conseguem alcançar uma evolução espiritual e sentimental, explorada infelizmente aquém do que poderia ser. Dont Trust in the B— in Apartment 23 era uma comédia romântica repleta de humor negro capaz de focar a feminilidade sem tratar o seu público alvo como as pretensas princesinhas ávidas por romances fáceis, mostrando em tela personagens realistas e repletas de falhas de caráter, como são seus espectadores.