A recente exploração de transformar sucessos cinematográficos em franquias televisivas trouxe um sem número de adaptações de gosto duvidoso para a TV. Normalmente a fórmula inclui recontar a história de um clássico do cinema em algum número de episódios, e a versão de O Exorcista capitaneada por Jeremy Slater é ligeiramente diferente nessa proposta, uma vez que mostra uma história inédita, repleta de momentos estranhos e que resulta em uma busca por exorcismo.
O primeiro personagem apresentado é o padre Tomas Ortega (Alfonso Herrera), um homem jovem e cético. Munido dessas características peculiares para o ofício de sacerdócio, ele recebe em sua congregação a preocupada matriarca dos Rance, Angela (Geena Davis), uma mulher cuja família está em colapso, com o marido Henry (Alan Ruck) em um estado de depressão profundo, e a filha Katherine (Brianne Howey) dando algumas mostras de estranhas semelhanças com possessão. Há também a outra filha do casal, Casey (Hannah Kasulka) essa sem dar qualquer alteração aparente.
O encontro com Angela ocorre normalmente, até que um corvo atravessa a vidraça do escritório do religioso, em uma cena utilizando efeitos especiais completamente esdrúxulo. Tal ocorrido serve de aviso ao sacerdote incrédulo de que talvez a moça estivesse dizendo a verdade. Ele decide então ir até a família, para comprovar que há um clima de fato pesado, e um jogo complicado de acusações, com a suposta possuída tratando a mãe como uma descompensada que joga todos os problemas pessoais nas costas do tal demônio que a possui. Nesse meio tempo, Tomas sonha com o padre Marcus Keane (Ben Daniels), um sujeito traumatizado por ter perdido um fiel que se suicidou ao estar em transe pela possessão.
O piloto é apelativo, mas ao menos dá uma boa mostra do que será a série, invertendo a expectativa de quem seria o alvo do suposto demônio, tirando a presença do mal da sedutora e rebelde Kathe para a inocente e ingênua Casey. Até determinado ponto, o roteiro desenvolve bem suas problemáticas. Casey se torna cada vez mais violenta e a revelação de seu mal agouro não é gratuita, acontecendo gradativamente. A recusa ao chamado que Marcus executa é muito bem exemplificado e cabível dentro de uma mentalidade mais realista de como seria a vida de uma pessoa que sofreu tantos eventos traumáticos quanto ele sofreu. O problema é quando ocorre a tal revelação de Angela, mostrando que há uma forte ligação com o primeiro filme, uma vez que ela antes se chamava Megan MacNeil, personagem de Linda Blair no clássico de 1973.
Duas situações distintas e importantes ocorrem, a primeira, é o acréscimo de Chris MacNeil (Sharon Gless) à trama, que retorna a casa da filha para aparar algumas arestas, e também o desaparecimento de Casey, que corre o risco de sofrer uma “integração”, sendo esse o termo técnico para uma união definitiva entre espírito e hospedeiro em um estado irreversível.
A subtrama de Chris inclui uma superexposição de Megan no passado, fato que resultou num afastamento das duas, e em uma nova tentativa oportunista da avó em tentar registrar o caso de possessão de sua neta. O problema é que falta congruência ao ocorrido, Chris declara que fez tudo isso para garantir alguma sobrevida a família, mas o que se via em O Exorcista, de 1973, e Exorcista II – O Herege era uma atriz preocupada demais com a sua própria carreira, e até distante da filha no segundo filme, claro, por um motivo de bastidores, uma vez que a intérprete original, Ellen Burstyn, não quis reprisar seu papel e mudanças dramáticas drásticas ocorreram no roteiro em sua continuação.
Igualmente dispensável é a repercussão que ocorre pela fuga de Casey, com as mortes que ela causa e a repercussão posterior a isso. A força demoníaca que tomou seu corpo causa efeitos pesados em muitos inocentes e essa necessidade de soar grandiloquente torna a trama principal presente nos dez episódios dessa primeira temporada um pouco banal, uma vez que todo a problemática deixa de parecer minimamente realista, para se aventurar por uma atmosfera fantasiosa demais ao se comparar com a intenção inicial do programa televisivo.
Nos últimos episódios, em especial o oitavo The Griefbearers, há uma considerável melhora de ritmo onde os pecados familiares são expostos pelo demônio que domina a filha, com uma sessão de exorcismo muito bem executada, inclusive mais íntima do que o documentado em O Diabo e o Padre Amorth, do mesmo William Friedkin.
A virada entre 162 e o capítulo anterior revela duas coisas pontuais: a boa interpretação de Davis, soberba em ambas manifestações, e um negligenciar enorme dos Rance diante da morte de Chris. Não há qualquer comoção pelo estranho acontecimento, mesmo que ela fosse persona non grata, não há motivo para não existir qualquer demonstração sentimental, exceto de Angela. Aliado a isso, há um enfoque maior na micro-sociedade secreta Estrela da Manhã que gira em torno de Pazuzu, e praticamente tudo que tange esse assunto é bastante mal resolvido.
Ao menos sobra a boa química presente em Ortega e Marcus, que de certa forma reprisam os bons momentos dos padres Karras e Merrin. Há um bocado de sensacionalismo no ideal da Estrala da Manhã, envolvendo a chegada do Papa ao território americano, mas toda a sequência final é bem construída e bem filmada, com efeitos visuais caros e um estilo de filmagem bem cinematográfico. Fora a docilidade do destino dos Rance, há pouco a se reclamar dos momentos finais desse primeiro ano. O gancho para a segunda temporada de O Exorcista não é tão apelativo, e possibilita o término das desventuras da dupla de religiosos no décimo episódio, ainda que outros anos já estejam garantidos pela Fox e Slater.
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