Os Normais foi um seriado de muito sucesso na televisão brasileira no início deste século. Seus temas englobavam argumentos já bastante executados em atrações humorísticas como TV Pirata e Vida ao Vivo Show, obras que, não por coincidência, tinham no elenco a dupla de protagonistas Luis Fernando Guimarães e Fernanda Torres.
O maior mérito do esquete criado por Fernanda Young, Alexandre Machado e José Alvarenga Júnior certamente é a química entre Rui e Vani. É fácil acreditar em suas epopeias e nas loucuras que atravessam o seu cotidiano, mesmo que estas sejam absolutamente nonsense e inverossímeis. Suas personas são tão carismáticas que é fácil comprar a ideia.
O piloto, exibido em 2001, começa mostrando a vida comum de Rui e Vani, seus desvios morais e sandices. O uso da metalinguagem, em que os personagens interagem com o público mirando a câmera de Alvarenga Júnior, é ótimo, e já mostra que o programa é diferente e afeito à modernidade, utilizando-se de recursos pouco ortodoxos, como a quebra da quarta parede, para fazer valer ainda mais o já competente roteiro.
Os roteiristas Young e Alexandre Machado revitalizam as situações retratadas em A Comédia da Vida Privada, de onde vieram alguns dos membros do elenco de apoio. As piadas são bastante datadas, conservadoras e comedidas na primeira temporada, especialmente se analisadas sob a ótica anti-politicamente-correta. No entanto, esse recurso, à época, era algo extremamente ousado e transgressor. A season finale é executada de forma jocosa e sem fazer muita questão de fazer rir. Não há nada de especial, pois é engraçada como qualquer outra, a exemplo de comédias contemporâneas gringas, como Seinfeld.
A segunda temporada começa com a novidade dos mini-flashbacks – recurso utilizado à exaustão para recordar algo que jamais foi citado antes no programa. Logo no primeiro episódio apresenta Marilena (Andréa Beltrão), prenunciando a dupla que protagonizaria a série Entre Tapas e Beijos. A direção e orçamento da série melhoraram muito, assim como a adesão de bordões como o substituto de palavrão “Pataqueparéu!”. As piadas ganharam muito em teor sexual e adulto, e o acréscimo de João Falcão e Jorge Furtado na equipe criativa foi positivíssimo. O retorno de alguns membros do elenco de apoio reprisando seus papéis dá ainda mais credibilidade à série, apresentando uma ideia de continuidade pouco comum em seriados brasileiros. Destaques especiais à personagem Samla, da deliciosa Maria Luisa Mendonça, e Aldo, um macho alfa cafajeste ironicamente interpretado por Diogo Vilela.
A terceira temporada é mais curta, contendo apenas 17 episódios. Sua duração encolhida se deve graças à produção do primeiro longa-metragem da franquia. O principal, e óbvio diferencial, foi o acréscimo de Selton Mello ao elenco, com seu cantor de boteco fracassado Bernardo Carlos, e Maristela, protagonizada por Graziela Moretto. Ambos já haviam participado das temporadas anteriores do programa, mas nesta acrescentaram um tempero a mais no casal Vani e Rui. O acréscimo dos personagens também destacou acentuadamente as anormalidades do casal e demonstrou o quão loucos são seus hábitos, inclusive na hora de praticar indiscrições relativas à infidelidade matrimonial.
A série conseguiu algo que os episódios de cinema não alcançaram, pois encerrou-se por cima, com um roteiro bastante interessante e com situações das mais engraçadas. Com humor cáustico, Os Normais foi concebido em uma época em que não havia na televisão aberta brasileira nada parecido, pelo menos não com tanto êxito e linguagem escrachada e comprovadamente adulta. Após 2003 surgiram muitos boatos sobre o retorno do esquete, inclusive houve uma participação curta do elenco num quadro do Fantástico mostrando o futuro do casal – e que possivelmente fomentou o sacrilégio do segundo filme – mas, pelo bem de seu passado glorioso, isto não foi para frente. A memória de Os Normais é regrada de saudosismo e sua revisita supera e muito os programas humorísticos atuais.
Taí uma série brasileira que sou fã.