Toda a história a respeito da produção da franquia de Superman no cinema passa pela trajetória de Alexander Salkind, que é bastante curiosa por si só. O produtor, natural da Polônia, era filho de Michael Salkind, o mesmo que produziu alguns clássicos, como o conto kafkiano O Processo de Orson Welles e a versão de Os Três Mosqueteiros, dirigido por Richard Lester. Alexander vinha da experiência de filmes dramáticos, como Vidas em Jogo, de Claude Chabrol, além de alguns trabalhos com seu pai, e foi seu filho Ilya que indicou a ele a compra dos direitos para a produção de um filme sobre o último descendente de Krypton.
Após o sucesso de O Poderoso Chefão, o clã decidiu chamar o escritor Mario Puzo para participar do roteiro inicial. A primeira opção para direção era Guy Hamilton, que acabava de sair de quatro continuações de 007 – Goldfinger, Os Diamantes São Eternos, Viva e Deixe Morrer e O Homem com a Pistola de Ouro. O filme seria rodado na Inglaterra, e já tinha inclusive datas marcadas para as gravações. Mas a possibilidade de mudar a locação para a Inglaterra, onde os custos seriam bem menores, impossibilitou o prosseguimento de Hamilton no projeto, graças a um problema com imposto que só o permitia ficar no país por 30 dias no ano.
O nome de Richard Donner surgiu graças ao seu sucesso em A Profecia, fator que seria bastante curioso, ligando as bases desta nova versão a filmes de terror, uma vez que seu realizador surgiu a partir desse tipo de produção, assim como a mocinha, Margot Kidder, que havia feito Noite de Terror (Black Christmas) de Bob Clark, A Reencarnação de Peter Proud, além de protagonizar Horror em Amityville pouco tempo depois de Superman. Com Donner, houve também o acréscimo de Tom Mankieewicz como consultor de roteiro – e roteirista, função esta não oficialmente creditada, o que demonstra o quão injusta poderia ser a indústria nestes tempos, tratando quem faz dela realidade como seres descartáveis.
O boom de Star Wars fez toda a engrenagem do cinema funcionar nas direções do seu sucesso, elevando a necessidade de efeitos especiais mais esmerados, além de fazer do espaço um novo cenário a ser explorado pelo mainstream. Como foi com Alec Guinness no filme de Lucas, Superman também precisava de um chamariz poderoso e renomado, e coube a Marlon Brando introduzir o início da trama, ainda em uma Krypton existente, mostrando que a bravura já estava presente em Jor-El, o pai biológico do herói que ostentava o mesmo emblema.
A presença de Brando se deu em específico por dois fatores primordiais, com o envolvimento de Puzo, que em parte foi o responsável por seu retorno ao estrelato no filme de Coppolla, e claro, pela enormidade de dinheiro que ganhou, fato este informado em qualquer entrevista que concedia, sem o menor pudor.
Por já contar com uma estrela no elenco, o estúdio começou a descartar figuras fáceis para o herói, como Paul Newman e Robert Redford, não só por questões financeiras, mas também por correr o risco da fama do intérprete rivalizar com a do ícone. Christopher Reeve foi descoberto em peças de teatro obscuras e participações escassas na televisão. Os testes de cena do ator eram engraçados, e ele mantinha as mãos na cintura o tempo inteiro, fato este que servia de símbolo de uma época, na formalidade em relação ao cumprimento ao público.
A parte técnica do filme também seria destaque dentro da super produção, seja na música de John Williams, que vinha do sucesso em Star Wars e Tubarão, como também nos efeitos visuais de Roy Field, que inclusive venceu o Oscar de sua categoria. Foram utilizadas escalas bem diferentes para as cenas de avião, que variavam de tamanho de acordo com a aproximação da lente de Reeve. O auxílio de John Barry também foi importante, pois foi de sua mente que surgiu a ideia de usar os flashbacks com Brando fazendo Jor-El falando em momentos psicodélicos, bem como a difícil tarefa de tornar aquilo o mais real possível.
Todo o material, provindo dos documentários especializados e financiado pela Warner, não é plenamente claro sobre a saída de Donner e sua demissão para o segundo filme, que já estava sendo rodado em paralelo. As cenas restantes são acopladas à continuação de Richard Lester, fazendo de Superman 2: A Aventura Continua um monstro de Frankenstein, repleto de outros corpos já falecidos.
O cunho do filme e da franquia mudou, deixando de ser uma aventura fantasiosa carregada de escapismo para obter um ideal mais ligado a comédia. Donner ficou além de contrariado, mas bastante magoado, em especial por Alexander e Ilya Salkind tentarem interferir em seu papel de realizador. Uma das razões declaradas a respeito de sua saída seria o corte das cenas com Brando na parte 2, para que não pagassem ao ator o cachê alto que já haviam dado no primeiro.
Junto a Donner sairia Mankewicz, o editor Steve Baird e John Williams, que teria seus acordes tocados por Ken Thorne. Lester assumiria a cadeira de direção a contragosto, uma vez que fez a mediação entre Donner e o estúdio durante a execução do primeiro filme, e teria seu trabalho dificultado pela recente morte do cinematógrafo Geoffrey Unsworth e do produtor de design John Barry. Donner seria convidado a retornar a sua função, mas as suas exigências eram grandes, contando a demissão do co-produtor Pierre Spengler, além de uma autonomia maior nos rumos da saga.
Superman II pareceria em sua versão de cinema apenas o protótipo do que seria a versão terceira. Superman III é co-protagonizado pelo astro Richard Pryor, que, na prática, assume o papel principal e finalmente dá vazão à esteira humorística que habitava o ideário dos Salkind, e que foi refreado até então por Donner. Lester era um bom diretor, mas seu pulso não era nem de longe tão firme quanto de seu homônimo.
Puzo não estava mais escrevendo o esboço do roteiro, então mudou por completo o caráter da franquia. Até os efeitos visuais foram mudados, privilegiando efeitos paupérrimos. Fatores externos, como cachês altos, influenciaram em pedaços da trama, como a saída de Lois Lane como par romântico, para explorar a Lana Lang de Anette O’Toole, sendo um retorno ao passado que poderia ser mais emocional e que nunca atinge o ponto. Outro fator ignorado foi o Luthor de Hackman, excluído e nem mencionado.
Mesmo no material complementar e nos making-offs, os roteiristas David e Leslie Newman assumem que erraram ao tentar aludir a um aspecto de Dr. Jekyll e Mr Hyde, algo que foi agravado por não ter qualquer possibilidade de ser levado a sério. Com o tempo, os Salkind deixaram de lado os filmes com Reeve – que claramente ficou contrariado e topou versão da Cannon para seu Superman IV – e começou a investir em spin-offs, voltados para outra faixa de público, primeiro com o fracasso de Supergirl, em 1984 e depois com o seriado Superboy em 1988, ambos com orçamentos em nada condizentes com os dos filmes originais.
A trajetória dessas produções terminou de maneira melancólica, encerrada por um time que não tem identidade, nem participações de todos os que fizeram o Superman do cinema ser algo crível, e muito distante de fazer o homem acreditar que é capaz de voar. O pioneirismo da obra de Donner, supervisionada de perto pelos produtores, foi o embrião de toda a exploração do cinema ao termo super-herói, inaugurando um filão que antes era bastante tímido e que se tornou uma fonte inesgotável para toda a parcela do público afeita à fantasia e ao escapismo, especialmente para aqueles que ainda guardam um carinho especial por um personagem tão retilíneo e moral como modelo. O herói que fez a humanidade se elevar, segundo o pensamento nietzschiano a respeito do Super Homem, em parte cumprindo o paradigma sem tanta complexidade, e com muito mais sentimento e emoção.