Levando em consideração eventos que seriam supostamente atrelados ao acaso, Canções do Segundo Andar é a primeira parte da trilogia da vida de Roy Andersson, que remontaria ao modo de um conto do hemisfério norte de situações reais e sem sentido. A trama já começa de um modo grotesco, sem receio de explorar a nudez feminina via terceira idade, passando assim que é permitido para momentos igualmente agridoces onde situações do mundo corporativo ganham contornos de degradação e estranhas atitude de submissão, que remetem ao desespero do homem em perder sua função trabalhista.
Andersson reproduz a realidade de casais cotidianos sem pudor, explicitando uma nudez pouco erótica, ao menos para as imposições estéticas vigentes, enquadrando em sua lente pessoas de compleições e pesos comuns, expondo varizes, imperfeições naturais e amputamentos, resumindo-as em situações chave, cuja possibilidade de ocorrer em mundo comum são ínfimas.
Cenas do cotidiano do cidadão médio são interpretadas como números musicais, semelhantes operetas, que dão um tom jocoso a interpelação da rotina, tentando poetizar os momentos de mediocridade humana, através de uma sucessão de fatos bastante improváveis, que parecem estar unidos no conto por mero acaso e coincidência, mas que aos poucos se entrelaçam.
As cores escolhidas pelo departamento de arte são quase todas átonas, dominando o cenário e os figurinos das personagens. Os tons grafite, marrons e afins curiosamente convivem bem com elementos religiosos e com as referências múltiplas ao suicídio, associando de modo bem categórico as duas práticas que a priori, seriam postas em lados opostos ideologicamente. O descontrole emocional também acompanha o modus operandi dos personagens, como se o medo e receio fossem o mote de seus comportamentos, causado entre outros fatores por questões amorais, em sentimentos egoístas e centrados no interesse próprio indiscriminado e restritivo.
A carga de niilismo é alta no roteiro de Andersson, ainda que sua faceta seja mais voltada para uma misantropia pouco maniqueísta, onde o ódio ao homem e aos seus semelhantes é retratado através de momentos de escatologia suprema.
Os momentos finais do roteiro encerram um pouco com a sutileza que permeava o filme até então, já que explicita nos períodos derradeiros a ojeriza aos símbolos religiosos fálicos, já criticados antes pela hipocrisia aliciadora dos personagens e também pelos tons coloridos escolhidos. Canções do Segundo Andar necessita da atenção de seu espectador, ao passo que aventa a miséria interna do homem diante de seus maus agouros e suas más intenções.