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  • Crítica | Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência

    Crítica | Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência

    Um Pombo Pousou 2

    A parte final da trilogia sobre a existência é iniciada como os outros dois filmes, Canções do Segundo Andar e Vocês, os Vivos, apelando para o idílico e o lúdico sob a premissa do encaramento da morte. Roy Andersson organiza cenas a principio desconexas, cuja câmera segue os passos de uma adaptação curiosa da tela de Pieter Brueghel, denominado Os Caçadores na Neve, e que tem em comum a proximidade do fim.

    Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência tem o título agigantado, visando a enormidade da discussão a respeito dos sentidos buscados pelo homem sobre sua própria vivência, debochando da necessidade de se ter respostas para tudo, com o mesmo humor negro, capaz de rir de eventos cotidianos, acinzentando questões normalmente doces ao homem comum, além de associar contos comumente cristãos ao uso indiscriminado do álcool.

    As pessoas que habitam este universo são comuns, sem receio ou pudor de não se enquadrar em padrões estéticos usados no escopo hollywoodiano. A métrica e narrativa tampouco segue esses padrões, trazendo à baila assuntos graves sob uma ótica não-normativa, usando sua estética diferenciada para aludir a questões universais e particulares da alma humana.

    A fita passa algumas vezes sobre a questão da letargia, aludida tanto na lentidão dos fatos que ocorrem frente à câmera, bem como na inércia da maioria dos personagens, que aguardam a chegada do fim de suas vidas passivamente, apoiados também pelo modo como o registro é feito, através de um ponto de vista estático, onde as imagens resumem um conteúdo muito maior do que a fala dos personagens.

    O ensaio de Roy Andersson finalmente encontra o seu fim, resultando em três filmes complementares, redundante em alguns momentos, mas que tem em sua proposta um intimismo que certamente abrange o imaginário do espectador de modo particular e muito variante, tendo em comum a proposta de causar incômodo, quase sempre gerando um conjunto de sensações diversas ao fim da exibição.

  • Crítica | Vocês, os Vivos

    Crítica | Vocês, os Vivos

    Vocês Os Vivos 1

    Segunda parte da trilogia sobre a existência, Vocês, Os Vivos também é regida por Roy Andersson, mas tem seu formato diferente do anterior, Canções do Sétimo Andar, a começar pelo fato das cenas serem vinhetas realizadas sobre filmagem estática. Os pedaços do roteiro de Andersson envolvem a aleatoriedade da vida que, em uma análise visto o produto final, faz um sentido narrativo maior, ainda que os significados das 57 esquetes sejam únicos em si.

    As semelhanças com a primeira produção estão na métrica de explorar a alma do homem por meio de situações grotescas, valendo-se de arquétipos humanos comuns, repletos de defeitos, que visam democratizar a face estranha da humanidade a um modo universal. Um dos elementos escolhidos para estabelecer a narração no roteiro é o uso indiscriminado da trilha sonora incidental por vias de um modo semelhante aos musicais clássicos.

    O caráter agridoce neste é mais presente do que a felicidade indiscutível que normalmente permeiam os musicais famosos. A temática abordada envolve elucidações com a vida, morte, solidão, desprezo, doença, volúpia e amores não correspondidos, sempre com um aspecto visual que flerta com estranhamento ou que se baseia nessa sensação, uma vez que as personagens são enquadradas em um perfil estético normalmente distante do pregado pelo cinema comercial norte-americano.

    A variação entre personagens, quase nunca nominados, apesar de evocar situações inexoráveis a rotina do homem, também produz uma forte dose de enfrentamento, seja no visual da nudez ou nos diálogos travados nas cenas onde a erotização é a tônica. Mesmo estas cenas de cunho sexual, além de desafiar o conceito de erotização ocidental, apelando para fetiches, também transcorrem em meio a discussões sobre finanças, em um paralelo nada sutil da velha discussão sobre a capitalização da sexualidade e da banalização do coito em detrimento da moeda e do que o capital produz.

    A escolha estética de Vocês, Os Vivos inclui ao final uma pequena parcela de cenas de jovens, interagindo entre si em um momento onde a sexualidade deveria aflorar, pós casamento, ainda que a localidade temporal não seja exatamente uma noite para as núpcias. Os momentos que seguem a vinheta final fazem referência ao vazio existencial em que o homem pode se inserir através de uma passeata de pessoas e eventos grotescos, frutos do mundo e universo pensado por Andersson que, em análises herméticas, representam o cenário comum aos homens atuais.

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  • Crítica | Canções do Segundo Andar

    Crítica | Canções do Segundo Andar

    Canções do Segundo Andar 1

    Levando em consideração eventos que seriam supostamente atrelados ao acaso, Canções do Segundo Andar é a primeira parte da trilogia da vida de Roy Andersson, que remontaria ao modo de um conto do hemisfério norte de situações reais e sem sentido. A trama já começa de um modo grotesco, sem receio de explorar a nudez feminina via terceira idade, passando assim que é permitido para momentos igualmente agridoces onde situações do mundo corporativo ganham contornos de degradação e estranhas atitude de submissão, que remetem ao desespero do homem em perder sua função trabalhista.

    Andersson reproduz a realidade de casais cotidianos sem pudor, explicitando uma nudez pouco erótica, ao menos para as imposições estéticas vigentes, enquadrando em sua lente pessoas de compleições e pesos comuns, expondo varizes, imperfeições naturais e amputamentos, resumindo-as em situações chave, cuja possibilidade de ocorrer em mundo comum são ínfimas.

    Cenas do cotidiano do cidadão médio são interpretadas como números musicais, semelhantes operetas, que dão um tom jocoso a interpelação da rotina, tentando poetizar os momentos de mediocridade humana, através de uma sucessão de fatos bastante improváveis, que parecem estar unidos no conto por mero acaso e coincidência, mas que aos poucos se entrelaçam.

    As cores escolhidas pelo departamento de arte são quase todas átonas, dominando o cenário e os figurinos das personagens. Os tons grafite, marrons e afins curiosamente convivem bem com elementos religiosos e com as referências múltiplas ao suicídio, associando de modo bem categórico as duas práticas que a priori, seriam postas em lados opostos ideologicamente. O descontrole emocional também acompanha o modus operandi dos personagens, como se o medo e receio fossem o mote de seus comportamentos, causado entre outros fatores por questões amorais, em sentimentos egoístas e centrados no interesse próprio indiscriminado e restritivo.

    A carga de niilismo é alta no roteiro de Andersson, ainda que sua faceta seja mais voltada para uma misantropia pouco maniqueísta, onde o ódio ao homem e aos seus semelhantes é retratado através de momentos de escatologia suprema.

    Os momentos finais do roteiro encerram um pouco com a sutileza que permeava o filme até então, já que explicita nos períodos derradeiros a ojeriza aos símbolos religiosos fálicos, já criticados antes pela hipocrisia aliciadora dos personagens e também pelos tons coloridos escolhidos. Canções do Segundo Andar necessita da atenção de seu espectador, ao passo que aventa a miséria interna do homem diante de seus maus agouros e suas más intenções.