Apesar de uma extensa carreira repleta de sucessos de crítica e bilheteria, o diretor britânico Paul Greengrass ainda não emplacou no imaginário popular e na indústria como um dos “grandes”, ao menos alguém que mereça mais reconhecimento do que a frase “do mesmo diretor de O Ultimato Bourne no cartaz seria capaz de trazer. E algumas possíveis explicações para esse fato estão em seu último longa, Capitão Phillips.
A história, baseada em acontecimentos reais no mar da Somália em 2009, se passa em torno do capitão Richard Phillips (Tom Hanks), que comanda um cargueiro em mais uma de suas viagens rotineiras. O problema surge quando o risco de ataque de piratas somalis se torna real, e quando eles conseguem tomar o cargueiro, Phillips e sua tripulação precisarão resistir e tentar sobreviver de qualquer forma.
Ao mostrar o gigantismo do comércio intercontinental através do tamanho do navio, da organização do sistema capitalista e suas relações de trabalho no cargueiro controlado por Phillips, que cobra sua tripulação o tempo exato de voltar ao trabalho após os 15 minutos de pausa, ao mesmo tempo em que mostra os piratas somalis sofrendo a mesma pressão, mas com a vida em risco além do emprego, com destaque para Muse (Barkhad Abdi), Greengrass estabelece uma dinâmica simples que evita o maniqueísmo padrão sempre que filmes envolvem África e africanos em sua história.
Conseguimos entender o árduo cotidiano dos piratas somalis, que não estão lá porque simplesmente gostam de ser somalis. Eles são obrigados por quem controla a região, e precisam dar a maior parte de seus ganhos com a pirataria aos chefes. Ao mesmo tempo em que querem desesperadamente sair dessa vida e se integrarem ao sistema capitalista mundial, que tanto explorou a África e agora a abandona à própria sorte. Ao evitar a excessiva dramatização desse aspecto, e mostrá-lo de forma simples e crua, conseguimos ter um mínimo de empatia com os somalis, mostrando que é uma situação que vai além do simples “mocinho x bandido”, apesar de, ironicamente, o pirata Muse sobreviver e ser condenado a 30 anos de prisão nos EUA, sendo mais um negro a lotar as prisões daquele país.
Como poucos no cinema mundial atualmente, Greengrass consegue estabelecer e capturar uma crescente tensão de acordo com o desenrolar dos eventos, desde a captura do navio pelos piratas até o sequestro de Phillips no bote salva-vidas e a subsequente e desproporcional reação do governo americano, empregando toda sua força militar contra meia dúzia de piratas magérrimos contra os super treinados “marines”. Lembrando seu debut para a indústria com “Domingo Sangrento”, a direção de Greengrass mantém a atenção e deixa o espectador em um estado constante de nervosismo e apreensão, mesmo sabendo que o capitão será resgatado no final. Nenhuma cena é exagerada ou fora de tom, e ação constante faz as mais de duas horas de projeção passarem em uma rapidez impressionante, tornando ainda mais agradável a experiência.
A atuação de Tom Hanks, com destaque para a emocionante cena final (que provavelmente garantirá ao ator mais uma indicação ao Oscar), merece um destaque a parte. Fugindo do estereótipo clássico do “bom rapaz”, Hanks também incorpora mental e fisicamente o capitão, nos fazendo esquecer por alguns momentos que ali está um dos maiores atores de Hollywood. Também merece destaque por sua estreia em atuação o ator somali Barkhad Abdi, também garante uma enorme credibilidade a atuação ao seu porte físico e postura corporal, impassível, frio e calculista na hora de avaliar cada situação e tomar decisões. Tanto é que já existem rumores de uma possível indicação ao Oscar para ele.
Com seus acertos na narrativa e na filmagem, Greengrass mostra que é um dos maiores diretores da atualidade, e que merece mais atenção e espaço da indústria e do público, que geralmente consome seus filmes (especialmente os dois últimos da trilogia Bourne), mas que não liga o produto ao seu nome, como geralmente acontece com gigantes como Spielberg ou mesmo atores, como Tom Hanks. Greengrass é respeitado dentre os círculos de atores e diretores comprometidos em realizar uma produção de qualidade, mas para alguém de seu talento, mereceria mais. Capitão Phillips é mais uma prova disso, pois entrega um excelente filme sobre uma história relativamente simples, mas que poderia sofrer um destino cruel nas mãos de alguém menos capacitado.
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Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.