Dirigida por Michel Franco, a película começa num ritmo morno, às vezes arrastado, mas que não é cansativa em momento nenhum. No princípio a câmera é estática e o espectador é convidado a vivenciar o cotidiano dos dois personagens principais: primeiro do Pai e, pouco depois, da Filha.
A lente de Michel Franco é curiosa e seu manejo fala mais que os diálogos e situações. O ângulo mostrado tenta isolar os personagens, principalmente quando o lugar registrado é estranho a eles. Pouco da história pregressa deles é mostrada no início, os fatos são revelados aos poucos, o que se sabe é que algo terrivelmente grave aconteceu aos protagonistas. As relações familiares são mostradas de forma leve e a realização do filme é contemplativa, num tom quase documental em dados momentos. Seus “heróis” tem sérios defeitos, não são bonitos ou vitimizados. A forma como cada uma das pessoas reage à perda é única, essas formas são mostradas realisticamente e sem complacência. Uma das temáticas mais fortes é a diferenciação entre estar familiarizado a perda de um ente querido e se contentar com a situação. A superação da situação em si não necessariamente traz a felicidade, e o diretor explora isso muito bem dentro do roteiro através das situações propostas.
Enquanto a reação do Pai é de ira e impaciência quando longe da filha, a de Alejandra – que só é chamada pelo nome lá para o meio do filme – é de difícil adaptação e distanciamento da realidade. Esse distanciamento faz com que suas reações relacionadas ao incidente a que é submetida sejam as piores possíveis, sua condescendência com quem emprega violência a ela, e a consequente docilidade e submissão fazem com que os atentados a sua auto-estima sejam cada vez mais frequentes, ao ponto dela questionar até o seu amor próprio. A transformação que ela sofre é perfeitamente cabível, pois a Filha preocupa-se em não atrapalhar a reabilitação de seu Pai – que parece, ao menos aos seus olhos, começar a superar seus traumas.
Os fatos que seguem com Alejandra e a abordagem escolhida pelo diretor é cruel e mostra uma realidade atual, forte e visceral, tudo nela é angustiante, as tentativas de fuga, a rejeição que só cresce a degradação gradativa do homem. A preocupação maior é em explorar o drama e não em poupar o espectador das situações fortes, e mesmo tocando em temas assim, passa longe da vulgaridade – artimanha que seria até compreensível, visto o caráter e gênero do filme.
Depois de Lúcia é como uma tortura implacável, que em determinados momentos chega a ser cínica, mas que é exercida aos poucos, tratando primeiro de afeiçoar os personagens para depois jogar com os fatos que acontecem em suas vidas, e todas as consequências que estes geram. O suspense final e a desforra de um dos protagonistas é extrema, porém cabível e demonstra perfeitamente como uma tragédia – ou a sucessão de várias tragédias – podem modificar as pessoas. Demonstra de maneira crível como fatos traumáticos podem isolar os indivíduos, e fazê-los se abnegar em preocupação com aqueles que amam e que sobreviveram a tragédia.
Filme foda, que demonstra muito bem uma situação que acontece em todos os lugares. A covardia de uns e a vergonha de outros é algo que não muda em lugar nenhum… Ótimo roteiro com um final que nos mostra um soco na cara redentor, ou não.