Sem enrolação nenhuma, George Romero já joga na mesa todas as suas cartas, mostrando ao público o estado de nervos alterados que tomou os vivos, através das reações de uma equipe de TV que transmite informações aos cidadãos americanos sobre a praga dos mortos. Em meio ao caos presente no estúdio, alguns personagens se recusam a passar em rede nacional uma lista de abrigos fornecida pelas autoridades, que está desatualizada. Pouco tempo depois disso, é mostrada uma incursão da polícia em um prédio e no meio da ação um policial surta e passa a atirar em pessoas vivas, só sendo detido por fogo amigo. Essas experiências todas acontecem em menos de 10 minutos corridos e deixam claro o caráter deste filme.
Há um claro antagonismo em relação ao cenário do primeiro episódio da Trilogia Zumbi de Romero. Ao contrário de Noite dos Mortos Vivos, este Dawn of the Dead não se passa numa cidade do interior, mas sim em uma metrópole, o que proporciona um olhar ainda mais atual para o apocalipse que se instaurou. Outro fator novo é a demonstração das memórias dos zumbis, que faz com que hábitos de sua vida normal voltem, mesmo após terem sido transformados.
Segundo um cientista, interpretado por Richard France – um dos personagens mais curiosos, mesmo com poucas cenas – os undeads não são canibais, pois não comem seus semelhantes, só carne humana fresca. É com esta fala que a questão da inteligência das criaturas é discutida pela primeira vez: ele afirma que os infectados têm por hábito repetir o que faziam em vida, dizendo que podem fazer uso de objetos e ferramentas de fácil manejo, mas não teriam perícia o suficiente para utilizar-se de armas de fogo. Aqui é demonstrado, ainda que timidamente, que estes seres estão em evolução.
Apesar do clima trash e das maquiagens pouco convincentes – que funcionavam melhor com a fotografia preto e branco –, o roteiro de Romero toca numa temática atual e critica o consumismo, associando o ato de comprar a um instinto primitivo humano – por isso o shopping estaria cheio de descerebrados. A forma de filmar o grupo de sobreviventes – em algumas passagens – andando lentamente, quase se arrastando, semelhante aos zumbis, faz discutir quem são os mortos na realidade. Isso é resquício da inspiração no romance de William Matheson, Eu Sou a Lenda. O agente que faz com que os protagonistas abandonem seu porto seguro não são os ressuscitados, mas sim os vivos, que tentam saquear o shopping. O bando de mercenários encabeçados por Tom Savini arromba tudo, inutilizando um bom esconderijo. O grupo em sua maioria age como seres irracionais, querendo unicamente tomar os pertences das lojas.
Mais uma vez Romero põe um negro como protagonista e último sobrevivente, assim como no episódio anterior, reforçando o caráter crítico de sua filmografia. Despertar do Mortos não é um filme perfeito, carece principalmente de um orçamento razoável, mas é uma das primeiras amostras da genialidade do pai de um gênero de filmes hoje copiado à exaustão.
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