Histórias de superação e cinebiografias são sub gêneros bem populares no cinema mainstream, ainda que sejam normalmente mal vistos pela crítica em geral. Pequeno Segredo reúne não só esses elementos como também uma co-produção com a Nova Zelândia, um elenco global – incluindo Julia Lemmertz, Marcelo Anthony e Maria Flor – e participações de atores estrangeiros como Fionulla Flanagan. Repleto em polêmicas recentes, o segundo longa-metragem do diretor David Schurmann remete a um assunto com o qual ele está bastante familiarizado: a história de sua família.
A trama acompanha três núcleos distintos que invariavelmente se aproximam, sendo o primeiro acompanhando o casal Robert (Erroll Sand) e Jeanne (Flor), o outro focado nos Schurmann, vividos por Lemmertz como a mãe Heloísa e Anthony como o Capitão e pai Vilfredo. O terceiro é protagonizado por Barbara (Flanagan), parente do outro personagem estrangeiro. O elo entre esses diferentes personagens é a pequena Kat, interpretada por Mariana Goulart, uma menina com sério problemas de socialização e que sofre de um mal desconhecido do público em um primeiro momento.
Antes mesmo de chegar aos créditos iniciais há uma tentativa do filme em ser sensível, misturando cenas do cenário marítimo que monopolizaria grande parte do ideário dos personagens – uma vez que os Schurmann são conhecidos por serem os brasileiros que deram a volta ao mundo – acompanhado de uma música reflexiva. A união de imagens e sons compõem um quadro de melodrama que tomaria toda a feitoria do filme e essa tônica de apresentar a solução das mazelas mundanas por meio de um pensamento positivo se mantém em toda a história, não restando qualquer reflexão que ultrapasse o sentimentalismo barato e bobo.
Schurmann em Desaparecidos se usou de uma técnica clichê – do found footage – para contar uma história de terror bastante corriqueira, mostrando personagens avulsos sendo atacados e mortos. Se essas pessoas sofriam ou não, para o público, pouco importava, já que não havia desenvolvimento algum dos sentimentos, anseios e sonhos daqueles jovens. Mesmo tratando de um assunto familiar, mesmo baseando seu roteiro no livro de sua mãe, Heloísa (Pequeno segredo – A lição de vida de Kat para a família Schürmann), e mesmo sendo especialista em mostrar seus parentes em tela, vide seus produtos anteriores, não há qualquer esforço do argumento para tornar palatável as motivações dos personagens. Todos em absoluto soam falsos, exceção talvez aos lampejos do elenco feminino, que se vale dos talentos de Lemmertz, Flor e Flanagan para ter algo digno de nota positiva.
O modo como o Brasil é retratado e visto pelos estrangeiros é bastante preconceituoso, e na personagem Barbara é que vive a maioria das tentativas em tornar a controversa história em algo sério. O modo como ela se refere aos brasileiros é pejorativo e sua persona é terrível até com seus parentes. É fato que existem pessoas que preconceituosamente pensam daquele modo, mas ao apresentar todo esse quadro de problemas sem apresentar o mínimo de viés contestatório o texto erra de maneira muito mais grotesca do que qualquer pieguice anterior, por não penalizar a falácia deste pensamento puramente preconceituoso.
Não há só um grave problema com o argumento do filme, mas também com a direção de atores. As sequências que deveriam ser graves são tão artificiais que causam comicidade ao invés de comoção. Mariana Goulart não consegue sustentar o filme, tanto por sua inexperiência como atriz, como pela completa falta de carisma de sua personagem. A pena que o espectador sente por ela não é por sua condição, mas sim pelas situações vexatórias e vergonhosas pelas quais passa a atriz mirim.
Pequeno Segredo peca demais no quesito naturalidade, entrando facilmente no rol nada seleto de produções que prometem muito e entregam pouco, resultando em mais uma história triste e inspiradora sem qualquer textura, conteúdo ou reflexão mais aprofundada, além de ser um filme brasileiro que tenta ser do tipo exportação. Não conseguindo ser nem um bom produto para o cinema mundial nem um retrato profundo do clã do cineasta, apelando para um sentimentalismo banal e típico de histórias de autoajuda, sendo absolutamente genérico até neste subgênero mal visto.
Muito boa análise.