A bifurcação dicotômica presente na antiga discussão sobre ideologia é vista no drama de Teresa, ao se deparar com dois paradigmas sérios em sua vida: o fim do carnaval, e a paternidade do seu filho que está prestes a vir ao mundo. A bela pele negra, garante uma identidade tipicamente brasileira, além de traços comuns, que não inviabilizam a beleza real e comum de sua intérprete Mariene de Castro, que transborda sinceridade e veracidade.
A escolha de Ricardo Targino em retratar uma mulher rotunda como um ser sexualizado é corajosa, quebrando a pecha conservadora que tenta enquadrar a mulher em invólucros de objetificação, que restringe o conceito de bonito a uma padrão estético cruel, que só engloba mulheres magras e que atendam aos padrões falocêntricos sociais. O entorno de Teresa, é repleto de figuras controversas, ao menos para os mesmos olhos do público médio, incluindo a trans Shirley (Cadu Fávero), fiel companheiro da brava mulher, servindo de âncora para a difícil vida de Teresa, que emula a rotina de muitos brasileiros da classe c.
A baiana prossegue em sua invulnerabilidade, trabalhando intensamente, pondo sua voz na noite e nas exibições do rádio, compensando a dificuldade que tem em não saber qual seria a identidade do pai de sua criança, compreendendo de um lado, o desprezo do um dos “candidatos”, o policial Fernando (Otto), e por outro, os cuidados até excessivos do técnico João (Charles Baldessairini). Os dois homens são a antítese um do outro, o que faz duvidar ainda mais a combalida mente da moça, aumentando as dificuldades entre escolher lutar por um e aceitar os gracejos do outro.
O drama em relação a “posse” do coração de Teresa, se acirra, ainda que a disputa não seja exatamente declarada, entre as duas contrapartes masculinas. A posição de macho alfa é travada de modo velado, com a ocupação terminando por ficar a partir da posse da própria mãe do bebê, que em momento algum arreda seu pé da posição de mãe e pai do feto que, sequer havia visto a luz do dia.
Tardiamente, duas das figuras de mulo se degladiam, não exatamente pela atenção amorosa da mulher solteira, mas sim pela paternidade dos infantes, curiosamente do ponto menos provável do roteiro. O desenrolar dos fatos tem uma trágica conclusão, que lança até as personagens que o espectador escolheu desde o começo para torcer, em um lodo de alma tremendo, sem quaisquer chances de redenção ou austeridade, rasgando mais uma vez com qualquer protocolo de tranquilidade, bondade ou altruísmo, mostrando que mesmo a preocupação com outrem pode simbolizar a vaidade, além de claramente aludir ao pedido pela tragédia.
Quase Samba é simples, mas poderosíssimo em sua proposta, entregando um conto de fadas invertido e pervertido, levantando questões como romantismo exacerbado, busca por sonho e demais padrões de fantasia como aspectos datados e não condizentes com a realidade, através de uma homenagem a rotina do brasileiro comum, sem medo de assumir o seu lado xucro e popular.