Que Mal Fiz Eu a Deus? (Qu’est-ce Qu’on A Fait Au Bon Dieu?) vem causando controvérsia por onde passa devido ao tom politicamente incorreto da comédia.
O casal de franceses brancos e católicos Marie e Claude Verneuil veem suas três filhas casarem com filhos de imigrantes: um muçulmano marroquino, um judeu israelense e um chinês. O que poderia ser “pior” aos seus olhos? Sua quarta filha casar com mais um imigrante, um negro da Costa do Marfim, porém católico.
O roteiro escrito pelo próprio diretor, Philippe de Chauveron, em parceria com Guy de Laurent tem uma estrutura sólida e funciona bem, fazendo com que as ações de todos os personagens soem orgânicas dentro do gênero que é a comédia de absurdos. A história critica um dos maiores problemas na França hoje em dia: a falta de aceitação aos imigrantes e o racismo. Os estereótipos são todos bem criados e encaixam-se justamente nas situações ridículas que servem para expor todos os problemas que permeiam a discussão.
Ao casar suas três filhas com filhos de imigrantes, os Verneuils acabam passando a impressão que justamente apoiam as minorias, que seriam de esquerda ou “comunistas” (como um personagem sugere), quando na verdade são justamente o contrário: dois velhos reacionários fãs de Charles de Gaulle, presidente patriota e conservador que inclusive lutou contra a independência das colônias.
Ao utilizar situações de família com os três genros, o roteiro usa muito bem os estereótipos para construir toda a crítica social que pretende: como no almoço de família onde nada dá certo e todos os preconceitos vêm à tona (inclusive entre as três minorias); quando os genros e as filhas se unem contra o irmã caçula para sabotar seu noivado com o objetivo de preservar os pais que estão quase se divorciando; ou na preparação para o casamento final, negado pelos pais dos noivos devido aos seus próprios preconceitos e desavenças geopolíticas. Inclusive, uma das cenas mais emblemáticas do filme é quando os três genros cantam a Merselhesa em homenagem ao sogro em um jantar de natal.
A direção de Phillippe de Chauveron não compromete a obra. Não há espaço para o diretor imprimir a sua visão, deixando a direção um pouco mais impessoal e todo o filme focado no roteiro.
A atuação não compromete em nada na história. O rosto mais conhecido para os brasileiros é de Christian Clavier, o Asterix. De resto, nenhum ator se destaca, o que só faz bem, pois o filme trata sobre o conjunto de personagens, o que acaba prevalecendo.
A fotografia e a edição auxiliam a narrativa, mas sem destaque. Não há um plano, cena ou sequência em que o trabalho do diretor de fotografia ou do editor transpareça ou seja memorável.
Que Mal Eu Fiz a Deus? vale a pena pela qualidade da história e para discutir todos os temas relevantes, que rondam o preconceito contra os imigrantes, de uma forma não usual. Em tempos de politicamente correto, uma comédia como essa pode servir para dar uma outra visão sobre a discussão.
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Texto de autoria de Pablo Grilo.