Começando por uma narração intervencionista de Wagner Moura, semelhante aos filmes de máfia de Martin Scorsese, o fenômeno Tropa de Elite seria um manifesto de denúncia a respeito da realidade carioca ainda presente na década de 2000. Seu começo é frenético, sem introduções maiores, indo direto ao ponto. Seguindo as informações dadas pelo Capitão Nascimento (Moura), Neto (Caio Junqueira) e Matias (André Ramiro) se inseriam na guerra instaurada na Cidade Maravilhosa e o caráter dos dois heróis já era estabelecido mesmo antes até da investigação sobre os policiais de elite do BOPE.
Grande parte das críticas negativas a respeito do filme na época eram ligadas a associação do comportamento dos membros do esquadrão de elite a um tipo de fascismo, de entrar na favela, atirar primeiro e perguntar depois, além do reforço da descrição do Capitão, que determina e julga qual deveria ser o destino dos bandidos e de quem os envolve, além de mostrar em detalhes pesados os métodos de interrogatório e tortura empregados pelo batalhão de operações especiais.
O filme tem um poderoso caráter de denúncia em relação aos setores corruptos da sociedade, em especial da polícia, mas sua principal crítica é ao sistema, que se beneficia do famigerado jeitinho brasileiro para corromper e conseguir benefícios a qualquer custo. A solução apresentada para este sistema que se retro alimenta através dessas falhas jurídicas e sociais é a preparação que o grupo de elite faz, assemelhando a preparação deles ao de uma seita religiosa, que consome os mais fracos e desonestos, relegando-os a uma humilhante saída.
O argumento é repleto de frases de efeito que se tornaram memes em uma época em que isso não era comum, aliado claro ao exploitation cada vez mais frequente nas redes sociais. As cenas de perseguição e de combate são coladas nos homens que entram em incursão no morro e nas atividades de treinamento.
O vazamento de uma cópia que não estava na edição final semanas antes do lançamento do filme mudou por completo as expectativas em relação a arrecadação de bilheteria, gerando um efeito dúbio, uma vez que muitos já haviam visto o filme antes do seu lançamento. As frases já estavam na boca do público, bem como os hábitos dos policiais já habitavam o imaginário do espectador, tornando ainda mais preocupantes os métodos de Beto Nascimento e seus asseclas, já que toda aquela violência empregada já tinha feito parte do conteúdo viralizado.
Nascimento sofre de um mal desconhecido, tem problemas frequentes com relação a sua saúde mental, primeiro associando isso a coração, depois descobrindo que o causo era stress e ansiedade. A manifestação dessa enfermidade deflagra duas questões, primeiro a guerra ética e moral ocorrida no seu inconsciente, não sabendo lidar com a questão de ter de trabalhar como policial inserido naquela guerra diária aliado a grande mudança na sua rotina, com a chegada de seu filho Rafael, fator que o faz brigar demais com sua esposa Rosane (Maria Ribeiro). Esse desequilíbrio o faz ultrapassar limites que antes não fazia, fazendo-o ter pressa nas investigações em relação ao bandidos, quebrando a sensibilidade que o mesmo construiu desde o começo. A derrocada do personagem que seria mais investigada em Tropa de Elite 2 começava ali, e a pecha de que os fins justificam os meios ruiria também nesse momento
A jornada dos aspiras serve não só por seu didatismo, mas também para mostrar o quão péssimo é o cenário de quem quer ser honesto na polícia. A parte onde se demonstra o modus operandi da Polícia Militar é ao mesmo tempo um alívio cômico servem de delação a morosidade do Estado, que permite que as condições das forças armadas sejam tão risíveis e precárias ao ponto de tornarem-se alvos fáceis aos corruptores. O personagem que resume isso é o Capitão Fábio, brilhantemente interpretado por Milhem Cortaz, que consegue tanto ser o símbolo da malandragem dos agentes da lei quanto a covardia de quem não consegue adentrar na outra corporação.
O sangue respingando na lente da câmera, ao alvejar finalmente o dono do morro que causou todo o infortúnio aos personagens é a demonstração gráfica da urgência de uma cidade que precisa de intervenções mais ativas do Estado, que segundo a análise de Padilha, Bráulio Mantovani, Rodrigo Pimentel, John Kaylin só busca saciar os seus próprios interesses, fazendo pouco caso das necessidades da população, que segue à mingua e sem perspectivas de futuro ou segurança. As complicações referentes a associação do discurso a um discurso reacionário são importantes, no intuito de tentar equilibrar as forças, mas a descrição e acusação a um sistema falido falam mais alto e mais forte, fazendo de Tropa de Elite não só um filme popular mas também propagador de um senso crítico muito forte, que desconstrói o senso comum em cada instante de sua exibição.