Às vezes é difícil acreditar que Dark Souls tenha alcançado tanto sucesso. A dificuldade elevada afastaria grande parte dos jogadores atuais. Entretanto, vimos o contrário: o lançamento de Demon’s Souls, embora discreto, cativou um grande número de jogadores que acabaram alavancando o jogo na divulgação boca a boca. O sucesso foi tanto que a franquia teve uma continuidade espiritual, agora chamada Dark Souls, e uma espécie de spin-off, Bloodborne, exclusiva do Playstation 4.
A franquia Dark Souls tem duas características que, provavelmente, foram os elementos causadores do grande sucesso: dificuldade exigente e game design primoroso. Reparem, desta vez utilizei a palavra “exigente” para descrever a dificuldade, pois é o termo mais justo para o jogo. Dark Souls exige que o jogador saia da zona de conforto e jogue de maneira dedicada e não displicente. Muitas vezes você passará dezenas de vezes por um mesmo local onde estão 3 ou 4 inimigos bem fracos, e em determinada vez não tomará um mínimo de cuidado. O resultado será uma morte terrível e totalmente imbecil. Culpa do jogo? Não, a culpa é total e exclusivamente sua.
Sobre o design das fases, é algo pouco visto em jogos. Os cenários são grandiosos, fazendo com que o jogador se sinta impotente, fraco, pequeno, vulnerável. Os inimigos e chefes gigantes reforçam este sentimento. Aliás, nem sempre o tamanho e força do inimigo são os grandes desafios. Não raro, o posicionamento deles no cenário tornam as batalhas altamente desafiadoras. Não basta sair batendo e lançando magias de forma aleatória, é necessário estratégia e, principalmente, paciência.
O combate de Dark Souls é simples de entender e difícil de dominar. Existem basicamente duas opções: armas e magias. As armas variam de espadas até arcos, havendo uma imensa variedade. A diferença entre elas não é aenas na força, mas também velocidade, alcance e o movimento do golpe, algo muito importante neste jogo. Magias podem ser de elementos diversos, aumento de força dentre outras. Enquanto que as magias requerem Pontos de Magia (o famoso “mana”), ataques exigem Resistência. Ambos estão representados por barras, localizados abaixo da barra de vida do jogador.
É claro, nem só de ataques e magias vive um combatente. É primordial evitar os ataques do inimigo. Aqui surgem outras duas importantes mecânicas: uso de escudo e esquiva. Quem preferir a esquiva deve optar pelo uso de armaduras mais leves, possibilitando rolamentos rápidos. Equipamentos pesados diminuem a agilidade dessa manobra, inclusive seu controle dual shock irá vibrar a cada rolamento, dando uma ótima sensação de peso. Caso prefira mais contato nas batalhas, utilize armaduras pesadas e um escudo. É bom lembrar que tanto a esquiva quanto o bloqueio de escudo consomem sua barra de Resistência. No caso do escudo, quanto mais forte a pancada, mais Resistência será necessária para defender, lembrando que chefes gigantes possuem golpes indefensáveis. Mesclar esquiva e escudo é um dos pontos estratégicos do jogo.
Dark Souls III é mais inclinado ao uso da esquiva, tal como Bloodbourne. Além do que, comparado ao Demon’s Souls, Dark Souls I e Dak Souls II, o III é mais rápido, um tanto mais frenético, o que torna a esquiva mais útil que o escudo. “Ah, eu só usei escudo até o fim”, você diz. Sem problemas, esta é a grande qualidade de toda a franquia Souls: a customização de seu personagem é gigantesca. Raramente existirá um personagem com atributos e equipamentos idênticos aos seus. E mesmo que exista, o modo de jogar será diferente.
Falando em atributos, eis que chegamos ao grande terror do jogo: as almas. A cada inimigo derrotado, você coleta uma quantidade de almas. Essas almas servirão para adquirir itens ou subir de nível. Cada nível dá direito a subir apenas um dos vários atributos. É importantíssimo definir qual será o perfil de seu personagem (mago, guerreiro), qual o tipo de arma utilizará (pesadas, leves, longa distância) e se dará preferência à esquiva ou escudo. Uma construção errada de atributos, combinado com equipamentos ruins, trará uma dificuldade frustrante. Em determinado ponto do jogo, será possível redistribuir os pontos. Logo de cara, uma dica de amigo: não jogue de Pyromancer.
Mas qual o grande terror em relação às almas? É o fato de que, ao morrer, todas as almas ficarão no local do óbito. O jogador poderá voltar até lá para recuperá-las, porém, se morrer novamente antes de pegar, elas desaparecerão. É uma grande punição para que o jogador seja cuidadoso em sua jogatina.
Outro elemento marcante são as fogueiras. Durante a jornada, será possível acender fogueiras em locais predeterminados, permitindo ao jogador recuperar sua vida e seus itens de cura. Também é possível se teleportar de uma fogueira para outra, agilizando as viagens. A grande questão é que, ao descansar na fogueira, todos os inimigos derrotados serão revividos (com algumas exceções, incluindo chefes). Com isso, para avançar na jornada, cada área do jogo deverá ser vencida de uma vez. Se estiver na beira da morte e sem itens de cura, volte à fogueira para descansar, porém terá que vencer todos os inimigos daquela área novamente. O fato de os inimigos reviverem ao descansar na fogueira permite que você acumule almas mais facilmente. Em Dark Souls II, após matar o mesmo inimigo algumas vezes, ele nunca mais reviveria. Isso não se aplica no III.
O multiplayer da franquia Souls é muito interessante. Ao longo de sua jornada, você verá alguns fantasmas passando vestindo armaduras e armas em punho. Na verdade, esses fantasmas são jogadores que estão passando por ali em suas jornadas particulares. Isso torna a sua jogatina privada e coletiva ao mesmo tempo. Você poderá deixar recados no chão para que outros jogadores leiam. Também poderá deixar uma marca onde outros jogadores lhe invocarão para ajudar ou para batalhar até a morte. Ainda poderá deixar uma marca pedindo ajuda para que outro jogador vá até o seu mundo e lhe acompanhe em algum trecho ou chefe. O multiplayer é um ponto fortíssimo em Dark Souls, melhorando bastante a experiência. Tenho a impressão de que, no I e II, os chefes ficavam muito fáceis com a ajuda de outro jogador. No III, alguns chefes são bem difíceis mesmo com ajuda. Uma pena que os servidores têm pecado na estabilidade, ocasionando lags indesejados.
Outro ponto desafiador são os chefes. Os principais elementos da dificuldade são estatura e força deles. A grande maioria são bem maiores que você, com golpes fortíssimos e de longo alcance. É necessário conhecer os movimentos e golpes do inimigo para evitá-los, sempre poupando a barra de resistência para esquivas, bloqueios e ataques.
A ambientação de Dark Souls é muito interessante, mesclando castelos medievais, pântanos, fortalezas, ruínas, num clima mais europeu. Tudo é grandioso, os cenários são bem intuitivos, orgânicos e interligados, sendo possível ver, no horizonte, aquela torre em que você esteve há algumas horas. Nesse ponto, a franquia Souls é muito única. Só há trilha sonora durante os chefes, deixando uma atmosfera de solidão durante a jornada. É um ponto bem positivo, até porque os efeitos sonoros da franquia são excelentes e bem marcantes.
A parte visual em Dark Souls III melhorou em relação aos anteriores. Bom frisar que beleza gráfica nunca foi o ponto forte da série. O grande chamariz é a direção de arte, com os já mencionados cenários, equipamentos bem detalhados e design de inimigos interessante.
Um ponto polêmico na franquia Souls é a história. Muitos alegam, de forma totalmente equivocada, que não existe história. Na verdade, o idealizador da franquia, Hidetaka Miyazaki, inspirou-se muito nas obras Ico e Shadow of the Colossus para construir a narrativa minimalista daquele mundo. Junto a isso, o próprio relata que lia alguns livros em idiomas que não possuía grande domínio, entendendo parte da história e complementando o restante com sua imaginação. Dark Souls faz justamente isso: te dá elementos visuais no cenário, descrições nos itens e equipamentos e a partir daí cabe a você juntar os pontos. Se procurar sites especializados pela internet, verá que a franquia Souls possui um universo muito rico e história interessante. Só não foram dadas de mão beijada para o jogador. Será necessário parar de tempos em tempos, abrir e menu e ler a descrição dos itens para entender os pontos da história, algo que muitos não farão.
De uma forma geral, Dark Souls III manteve a essência dos jogos anteriores, aprimorou a parte técnica e deixou a jogabilidade mais ágil e fluida. A dificuldade se mantém desafiadora, exigindo cuidado e habilidade dos jogadores. É uma excelente porta de entrada para a franquia, não sendo estritamente necessário jogar os títulos anteriores, mas saiba que o III tem bastante fan service com elementos dos outros jogos. Se quiser sair da zona de conforto e ter um desafio grande, pode jogar sem medo… mas tome cuidado com aquela passagem, talvez haja algum inimigo esperando atrás no muro. Disponível para XBox One, Playstation 4 e PC.
Provavelmente o melhor jogo do ano passado, indiscutivelmente foda, excelentes gráficos, trilha sonora, level design, desafio e provavelmente o melhor fator replay de todos os tempos que já vi num jogo de ação em terceira pessoa.
É o meu favorito da franquia e só mostra como Bloodborne tem tudo pra ser ainda melhor, pena que é exclusivo. Pena maior ainda é que não vou comprar um PS4 por causa de um jogo.