O carioca Bernardo Carvalho estreou no mundo literário no ano de 1993, com Aberração, e desde então não passa despercebido. Considerado como um dos principais escritores da literatura nacional contemporânea, sabe como poucos abordar temas atuais e próprios da realidade brasileira sem soar artificial ou óbvio. Reprodução, livro publicado em 2013 pela Companhia das Letras, torna-se um belo exemplo sobre a atualidade do experiente escritor.
Um dos marcos comemorativos dos vintes anos de carreira de Carvalho, a obra, premiada em 2014 na categoria Romance do prêmio Jabuti, foi lançada alguns meses após uma onda de protestos que tomou o país e que teve como o estopim o aumento das passagens do transporte público. Trata-se de livro que soube condensar elementos que caracterizam nossa época, proporcionando uma reflexão crítica sobre a era da informação e a realidade das grandes cidades.
Na trama, acompanhamos um estudante de chinês detido no aeroporto ao tentar embarcar para a China. Segundo as autoridades locais, a detenção ocorreu devido ao fato da personagem ter reconhecido, minutos antes, na fila de check-in, uma mulher que fora sua professora de chinês. No momento em que tenta falar com ela, um investigador da Polícia Federal a sequestra e, antes que o estudante se dê conta, é convidado pelo delegado a prestar seu depoimento sobre a ex-professora. Assim, o homem desanda a falar sobre sua relação irrelevante com à procurada, expondo sua visão de mundo por meio de um discurso verborrágico com pouca coerência ou compreensão. Uma lógica em que muito se fala e pouco se entende.
O livro é dividido em três capítulos, sendo o primeiro deles destinado ao depoimento do estudante de chinês. O segundo, um “diálogo” entre dois policiais na sala ao lado, e por fim, o último retoma o interrogatório do estudante. A estrutura narrativa apresenta um falso diálogo, no qual acompanhamos apenas a resposta do depoente, não sabendo exatamente qual foi a pergunta feita. Por conta disso, é natural que a leitura possa se tornar um pouco cansativa, já que exige atenção e imaginação do leitor para amarrar as pontas soltas existentes na trama.
A forma narrativa escolhida diz muito sobre nosso tempo, época em que há excesso de informação e discursos (muitos falam, falam e falam) e uma carência em compreendê-los (poucos ouvem, e quando ouvem, sequer entendem). O protagonista é um típico comentarista de redes sociais e blogs, daqueles que se sentem à vontade para discutir desde a situação econômica nacional à política externa sem qualquer embasamento, soando por diversas vezes estúpido em seus comentários. Um poço de frases feitas, discursos pré-fabricados e pensamentos preconceituosos sobre diversos assuntos. Um reflexo bem composto daquilo que estamos habituados a observar atualmente.
Reprodução é uma leitura instigante, não apenas pela estrutura narrativa não convencional que exige uma interpretação ativa do leitor, como também pela precisa atmosfera contemporânea em um retrato duro, mas sincero, de nossos dias.
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