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  • Resenha | Simpatia Pelo Demônio – Bernardo Carvalho

    Resenha | Simpatia Pelo Demônio – Bernardo Carvalho

    Por que os homens lutam?

    O novo livro de Bernardo Carvalho (Reprodução), Simpatia Pelo Demônio (Companhia das Letras, 2017), apresenta o conflito entre amor e violência compreendidos na esfera íntima e coletiva do narrador: o Rato. Com isso, o autor explora a desnível que por vezes atinge o crescimento das pessoas, que, enquanto são profissionais em sua área de atuação, por outro lado, são particularmente amadoras em relacionamentos.

    No início do livro adentramos o cotidiano do Rato, o funcionário de uma agência humanitária, autor de uma tese famosa sobre violência, que trabalha mediando conflitos ao redor do mundo. Ele é escalado para ir ao Oriente Médio pagar o resgate do refém (desconhecido) de um grupo terrorista.

    Na esfera íntima, o narrador é um divorciado que mantêm uma amizade com a ex-esposa enquanto se sente insuficientemente capaz de acompanhar o crescimento da filha devido ao trabalho que ele exerce. Rato é convidado como palestrante em várias partes do mundo e, em Berlin, inicia uma amizade com um casal homossexual por conta de uma amiga em comum. Um dos rapazes, o Chihuahua, flerta com o Rato, e logo conhecemos a bissexualidade do protagonista.

    Como o autor interliga a esfera privada com a particular? Uma situação de vida ou morte. Toda a preparação e experiência do Rato não impede que ele seja surpreendido por um homem-bomba no hotel em que se hospeda no Oriente Médio. A situação extrema desata um nó de lembranças emocionais na última tentativa íntima de reavaliar o que aconteceu e arrefecer a consciência na iminência presente da morte.

    Por que os homens lutam? Esta é a resposta que Carvalho busca responder ao longo das 236 páginas do livro. É louvável a pesquisa e a exposição do autor de conceitos da geopolítica da violência bem como as relações psicológicas por trás dos relacionamentos mantidos por chantagens emocionais. Percorremos conceitos importantes sobre mediação de conflitos e também inteligência emocional, contudo, do ponto de vista estrutural, o romance peca por conta da longa digressão utilizada para desenvolver o conflito.

    A chave do bom romance é criar perguntas ao leitor e manter sempre uma suspensão de desejo para que ele se sinta impelido a ler a próxima página. Entretanto, o que o autor experimenta é apresentar logo no início o conflito principal (a vida ou morte do Rato nas mãos do homem-bomba), e ampliar a digressão emocional do momento. O efeito empático de prolongar a nossa expectativa de sobrevivência do personagem sai pela culatra por conta do longo parêntese aberto pelo autor, chegando ao ápice de nem mais nos lembrarmos o que estava acontecendo no presente do Rato, pois o desenvolvimento emocional toma a trama.

    A digressão, embora necessária, não é cultivada com parcimônia. Nos interessa mais o Chihuahua, o parceiro homossexual do Rato, um mexicano experiente em atrair parceiros e retirar deles apenas o que lhe convém. Um verdadeiro vampiro emocional. A longa digressão é formada pelo fluxo de consciência do Rato, por isso acompanhamos a evolução do Chihuahua da ingenuidade ao profissionalismo. Antes sincero, reservado, e apaixonado, para mentiroso, manipulador e libertino. Bernardo escreve uma escalada fantástica do complexo personagem e tempera o crescimento com referências artísticas, notas sobre conflitos internacionais e pontos de vista interessantes sobre relacionamentos.

    Por fim, sobra em Simpatia Pelo Demônio a dicotomia entre amor e violência e o domínio dos temas pelo autor. Personagens bem construídos, complexos questionamentos sobre conflitos pessoais, coletivos, e referências artísticas. Contudo houve um exagero na estrutura do romance que pode tornar a leitura apenas um virar de página enfadonho para sabermos se o personagem morre ou sobrevive ao final.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • Resenha | Reprodução – Bernardo Carvalho

    Resenha | Reprodução – Bernardo Carvalho

    O carioca Bernardo Carvalho estreou no mundo literário no ano de 1993, com Aberração, e desde então não passa despercebido. Considerado como um dos principais escritores da literatura nacional contemporânea, sabe como poucos abordar temas atuais e próprios da realidade brasileira sem soar artificial ou óbvio. Reprodução, livro publicado em 2013 pela Companhia das Letras, torna-se um belo exemplo sobre a atualidade do experiente escritor.

    Um dos marcos comemorativos dos vintes anos de carreira de Carvalho, a obra, premiada em 2014 na categoria Romance do prêmio Jabuti, foi lançada alguns meses após uma onda de protestos que tomou o país e que teve como o estopim o aumento das passagens do transporte público. Trata-se de livro que soube condensar elementos que caracterizam nossa época, proporcionando uma reflexão crítica sobre a era da informação e a realidade das grandes cidades.

    Na trama, acompanhamos um estudante de chinês detido no aeroporto ao tentar embarcar para a China. Segundo as autoridades locais, a detenção ocorreu devido ao fato da personagem ter reconhecido, minutos antes, na fila de check-in, uma mulher que fora sua professora de chinês. No momento em que tenta falar com ela, um investigador da Polícia Federal a sequestra e, antes que o estudante se dê conta, é convidado pelo delegado a prestar seu depoimento sobre a ex-professora. Assim, o homem desanda a falar sobre sua relação irrelevante com à procurada, expondo sua visão de mundo por meio de um discurso verborrágico com pouca coerência ou compreensão. Uma lógica em que muito se fala e pouco se entende.

    O livro é dividido em três capítulos, sendo o primeiro deles destinado ao depoimento do estudante de chinês. O segundo, um “diálogo” entre dois policiais na sala ao lado, e por fim, o último retoma o interrogatório do estudante. A estrutura narrativa apresenta um falso diálogo, no qual acompanhamos apenas a resposta do depoente, não sabendo exatamente qual foi a pergunta feita. Por conta disso, é natural que a leitura possa se tornar um pouco cansativa, já que exige atenção e imaginação do leitor para amarrar as pontas soltas existentes na trama.

    A forma narrativa escolhida diz muito sobre nosso tempo, época em que há excesso de informação e discursos (muitos falam, falam e falam) e uma carência em compreendê-los (poucos ouvem, e quando ouvem, sequer entendem). O protagonista é um típico comentarista de redes sociais e blogs, daqueles que se sentem à vontade para discutir desde a situação econômica nacional à política externa sem qualquer embasamento, soando por diversas vezes estúpido em seus comentários. Um poço de frases feitas, discursos pré-fabricados e pensamentos preconceituosos sobre diversos assuntos. Um reflexo bem composto daquilo que estamos habituados a observar atualmente.

    Reprodução é uma leitura instigante, não apenas pela estrutura narrativa não convencional que exige uma interpretação ativa do leitor, como também pela precisa atmosfera contemporânea em um retrato duro, mas sincero, de nossos dias.

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