A ligação de Robert Crumb com o catolicismo no passado faz dos relatos do autor algo curioso e libertário, dada a tradição religiosa de recalcar as manifestações sexuais de seus membros. Em Meus Problemas Com As Mulheres, o autor explicita seus medos, anseios e intimidade de sua rotina libidinal, passando pela adolescência até a época em que usava LSD, que culminariam inclusive na criação da Zap Comix.
Na obra de Crumb há muito autorreferência, no entanto, em nenhuma obra anterior o nível de confissão é tão grande quanto neste volume, dado o seu caráter direto, além de o autor ser um personagem nominalmente inserido na trama. Na primeira história, Eu Agradeço, Eu Agradeço o começo é tímido, destacando questionamentos sobre a rotina e a sorte que tem em trabalhar com algo que lhe dá prazer. A introdução é lúdica e fala despretensiosamente sobre o dia a dia, aludindo depois as mulheres de um modo sacana, mas ainda respeitoso, fechando de modo piegas, mas condizente com a trama ao destrinchar a figura da esposa e de sua filha, mostrando uma faceta pouco conhecida de Crumb, ao menos para quem consome seus quadrinhos mais ácidos.
A visão do autor sobre as mulheres é profunda: um misto de obsessão cega, capaz de fazê-lo perder qualquer linha de bom senso, além de ativar suas maiores vergonhas como homem e artista, já que o sexo oposto sempre está em seus pensamentos, inclusive no trabalho. O quadrinista se culpa pela maneira como enxerga as mulheres, e gasta um tempo demasiado explanando seu gosto por mulheres mais fortes e robustas, como se tal peculiaridade fosse um pecado, fruto de uma condição adquirida após anos de castração involuntária, causada não só pela religião, mas pela rejeição que sofria das meninas.
Não há somente lamentos e posicionamento na vaga de vítima: Crumb percebe o quanto podia ser repulsivo para as mulheres, muito além de sua aparência comumente refutada, mas também em seus atos. Não há um pedestal ou soberba de sua parte, ao contrário, a humanidade repleta de falhas em si chega a ser cativante por causar no leitor a possibilidade de espelhar-se. A obra potencializa, assim, causar nos mais atentos um anseio por uma autoanálise mais profunda, com argumentos mais penetrantes que grande parte da psicologia transpessoal e oportunista pregada por alguns clínicos da mente.
É curioso ver a obra analisando o início da popularização do feminismo, e como seu pragmatismo o fazia enxergar tal movimento, assumindo parte de seus erros, associando-os à lei da semeadura, mas também explorando as contradições do discurso ao afirmar que, sem algum tipo de arrogância, o sujeito é visto como assexuado, e, portanto, insuficiente para a interação erótica.
A acidez do argumento jocoso de Crumb encontra a maior polêmica nas últimas páginas, por tratar de modo muito franco alguns dos perfis de mulheres vistas pelo quadrinista ao longo da vida, sempre analisadas sob um ponto de vista sexualizante. Tais adjetivações não contêm pudor normalmente, e mostram o personagem-autor tentando um revide à rejeição que sofreu em seu passado adolescente.
No quadrinho presente na última página, Robert interage com sua filha e desafia a inocência infantil da menina, sendo rude em uma situação bem boba. A referência ao choro, causado pela frustração com o pai, faz-o associar a situação como uma histeria tipicamente feminina, mostrando que a misoginia do escritor é causada pela falta de conhecimento sobre a mentalidade e psique da mulher. Uma fobia de perder a atenção de mulheres, e explicitando por sua vez a maior vergonha e o maior defeito do artista: a dificuldade de disfarçar sua incapacidade em lidar com seu objeto de adoração. Ao menos, a insegurança é mostrada como a base para a construção ética absolutamente discutível de Crumb, fruto, segundo seus próprios quadrinhos, da visão negativa que nutre de si e reforçada pelo círculo vicioso vivido pelo artista.
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