Ilustrar suas próprias inspirações, as suas próprias raízes é de um encanto sem-igual – justamente muito daquilo que move as pessoas que mantém os seus diários, expondo em páginas particulares e pesadas de sentimentos um milhão de fragmentos exclusivos de si, para si próprio. Um espelho narrado. Contudo, é preciso ter o talento do escritor belga Zidrou e do desenhista espanhol Jordi Lafebre para transmitir esse encanto aos quatro ventos, e por meio de imagens muito mais célebres do que já tínhamos visto antes, naquele primeiro exemplar de Verões Felizes, também publicado no Brasil pela editora Sesi-SP, em 2017.
A colaboração dos artistas vale-se de uma verdade muito bem ratificada aqui, nesta segunda HQ, de autoria dupla: é impossível ser feliz sozinho, e sem o movimento que nos faz humanos. Encarando a família Faldérault como uma célula orgânica cujo cada pedacinho é insubstituível, tornando-a adorável ao ponto de ser impossível não querer ser parte dela, e participar de suas aventuras nas férias da família, nota-se que os filhos estão crescendo, sua percepção desse mundão cheio de descobertas também, e nesse movimento natural das coisas, nada precisa ser encarado com estranheza pelo pai, e pela mãe. Somos todos Um, e dependemos dessa noção para alcançarmos essa tal felicidade.
Só que os Faldérault já descobriram isso, na prática, e a história começa em outras férias de verão, quando o pai consegue parar de trabalhar, e novamente o espírito de ação ganha asas, e eles pegam a estrada em direção a um lazer sazonal que tanto merecem – levando-nos como o sexto elemento dentro do carro bagunçado. Juntos, numa jornada que combina saudosismo e descobrimentos que quase beiram a desconstrução tanto das relações entre os cinco parentes, quanto com a nossa relação com os personagens, eles percebem desde a primeira noite fora de casa que essa viagem guarda surpresas e lições de mundo que nenhum livro poderia lhes ensinar.
Essa segunda parte de Verões Felizes deixa claro que, quando o destino toma conta do planejamento, tudo fica muito mais gostoso, seguindo uma trilha pavimentada pelo otimismo delicioso de Zidrou, e Lafebre, mas certamente vai além. Ademais ao prazer da aventura vivida em família, do tempo bem aproveitado, e dos bons e maus momentos disso, o livro flerta com grande sagacidade com as influências que nossos parentes exercem sobre nós, desde pequenos, e como vamos levando essas marcas ao longo da vida, até o ponto de sermos uma versão melhorada ou piorada deles. Mesmo indo para a lua, ou para uma praia do sul, o bom explorador nunca ignora as suas pegadas.
Com uma narrativa mais ágil, e desenhos ainda mais vibrantes, simbolizando uma simplicidade irresistível, como quando os cinco falantes belgas chegam numa praia do mediterrâneo indicada por um casal de idosos que encontram, por acaso, pelo meio dessa road-tour sem alvo pré-definido, a publicação desponta como um bálsamo aos leitores que procuram uma leitura lenitiva aos problemas do mundo que, como consta, o espera com inúmeros lugares e pessoas extraordinárias para conhecer. Aprender. Se deleitar com as novidades que nos aguarda, e voltar pra casa com muitas histórias de veraneio num coração que carrega muito mais do que o mundano. Menos é mais, e talvez seja melhor quando se acredita nisso.
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