Logo na primeira edição de Watchmen verifica-se como cada um dos heróis são. Certamente um dos pontos mais fortes da Graphic Novel de Alan Moore e Dave Gibbons é a densidade dos personagens e as relações entre eles.
Rorschach é muito conservador, ultra-direitista. A razão a que ele atribui os horrores contemporâneos são os indivíduos liberais e comunistas, em algumas leituras ele pode ser encarado até mesmo como um vilão – o que leva o leitor a vê-lo como o herói da jornada é o fato dele ser o narrador. Seu caráter e intenções são firmes e conservadores, a aura em volta dele é de medo, o que ajuda a fortalecer esse argumento. É extremamente moralista, sua identificação com o Comediante também deve se dar pelo fato do herói ter trabalhado derrubando repúblicas marxistas latino-americanas.
O Coruja II se tornou um sujeito inseguro, com a auto-estima arrasada e deprimido desde que aposentou o manto – sua obsessão é o vigilantismo, ele precisa disso. A forma de pensar de Ozymandias – o homem mais inteligente do mundo está muito acima dos ânimos exaltados pela Guerra Fria. Doutor Manhattan é um ser indestrutível, super-poderoso e inalcançável, até mesmo pelos dramas humanos. Ele está completamente alheio aos problemas cotidianos, a vida e a morte para ele são coisas indistinguíveis. Sua onipotência o torna insensível as virtudes da vida ordinária.
A proposta de Watchmen seria analisar como o aporte de seres super-poderosos afetaria o mundo real. A vitória americana no Vietnã é prova de que muita coisa mudaria, pois é graças à intervenção de Manhattan que os EUA ganham o embate e consequentemente Richard Nixon garante sua reeleição. A presença do “Super-Homem” mudaria o Status Quo político norte-americano, e a vitória no oriente seria muito mais relevante que escândalos como o Watergate.
A forma de Blake encarar os manifestantes na greve policial, e a sua interpretação do American Dream demonstra que a visão de Veidt sobre ele não é tão equivocada, o Comediante se aproxima demais do comportamento fascista padrão, mas ele não estava sozinho. Em Sob o Capuz, Hollis Mason diz que o Capitão Metrópole culpava negros e hispânicos pela criminalidade e que o Justiceiro Encapuzado mostrava-se favorável ao III Reich antes dos ataques a Pearl Harbor. Apesar de tudo isso, o apelo do livro parecia ir de encontro a validar as ações dos Homens-Minuto, que mesmo com tantos defeitos morais, ainda sim buscavam os ideais da justiça.
As tirinhas do “Cargueiro Negro” que cortam a revista fazem paralelo com inúmeras situações. No primeiro episódio, a referência é com a solidão do Dr. Manhattan. A desilusão do pai de Osterman com a relatividade do tempo, e a consequente mudança nas pretensões profissionais para o seu filho, validam e testificam o isolamento de Manhattan. O senhor idoso morre dez anos após seu filho ser desintegrado, sem jamais descobrir o seu retorno ao mundo dos vivos. A rejeição ao pai talvez se deva pela opção de ofício de físico, que indiretamente o fez se transformar no ser mais poderoso do universo.
A razão que fez Rorschach se isolar foi sua terrível infância. Seu passado é que o fez associar a moralidade extrema como melhor método de viver – uma espécie de super correção, devido ao ofício de sua mãe. Kovacs usa uma máscara para esconder de si mesmo que é humano, ele tem desprezo pelo homem, por seu cinismo e por suas impurezas, é quase misantrópico.
Nem mesmo os quadrinhos são uma forma de escapismo. O Cargueiro Negro reflete os conflitos e a situação barril de pólvora em que o mundo está. A sede de sangue do pirata é o equivalente a vontade dos jovens inconsequentes em espancar o Coruja Original. Não há alternativa de fuga da realidade.
Veidt se sente como o pirata, após uma longa jornada, movida por sentimentos nobres, ele se vê diante de corpos desfalecidos, e suas mãos estão sujas de sangue. Ozymandias precisou vestir a máscara de assassino para realizar seu último feito heróico. Foi Edward Blake que abriu os olhos de Veidt para o fim iminente do mundo, no fim o Comediante estava certo, e para fazer o que era necessário, o herói precisou arcar com atos hostis, sua atitude não é pueril, ele faz o que é preciso, mesmo que ele se torne um vilão aos olhos de seus colegas.
Ao contrário do que pode se pensar, o fim da guerra não significa que o cessar fogo seria definitivo. A utopia de Ozymandias poderia funcionar, até porque se existe alguém capaz de comandar o mundo assim, certamente seria ele. Watchmen é uma história que possibilita múltiplas interpretações, graças ao seu caráter ambíguo, seu valor histórico, suas sub-tramas e aos paralelos que faz com a realidade contemporânea. Estes fatores tornam a sua leitura muito rica e uma das melhores coisas que Alan Moore criou.
prefiro o filme, esse quadrinho e muito complicado de entender, já no filme me sinto mais confortável.
O filme pra mim é “mais facil de entender” por não ter a profundidade da HQ.
Watchmen é uma das obras que consumi e realmente tocaram no meu modo de ver e pensar o mundo. É algo tão bem feito, mas tão bem feito que deveria ter um carinho tão grande quanto a obra pra que pudesse ser adaptado ou reutilizado, e esse carinho me pareceu longe de estar presente no filme e em Before Watchmen.
Ouvi no podcast de Zack Snyder o Mario Abadde dizer ser um bom filme como complemento a HQ, mas não enxergo isso nem mesmo no visual que ele apontou como um ponto alto do filme. É realmente lindo nos personagens mas na ambientação eu não senti a mesma ideia que é passada na HQ.
Compreendo oque Contos Do Cargueiro Negro traz como adição para o quadrinho mas pessoalmente achei bem chato parar pra ficar lendo-o na primeira vez que li. Sentia meio anti-climático.
Comecei recentemente minha coleção de HQs e essa paixão que tenho hoje se iniciou pela a relação que tive com Watchmen. Até agora, eu diria que foi a melhor história que li nos quadrinhos.