Explorando um tema sempre controverso e expondo um tabu de interesse universal, Masters of Sex agrada ao público já em sua ideia original, apoiada em veracidade histórica. Baseado na obra de Thomas Maier, a primeira temporada introduz o protagonista, Dr. William Masters (Michael Sheen), um médico e pesquisador que busca catalogar a rotina sexual das pessoas por meio de estudos científicos.
Até pela restrição de seu repertório, ele não percebe algo tão costumeiro quanto a falsidade de orgasmo feminino, e aconselhado por uma de suas “ajudantes”, decide vivenciar o que tanto pesquisa. Isso se mostra algo difícil para Dr. Masters, uma vez que a sociedade em que vive é excessivamente moralista e reservada, assim como seu casamento, sustentado pela esperança da felicidade que viria através de um filho que jamais chega.
Enquanto William busca atualizar seus estudos, entra em cena, uma pesquisadora novata e de ideias essencialmente liberais, Virginia Johnson (Lizzy Caplan), que diferente de outras mulheres da década de 50, olha para as relações sexuais de um modo não tão fortemente ligado ao moralismo. Virgina vê o sexo com um olhar vanguardista para a época, já que ela não se acha inferior aos homens em nada, e busca seu sucesso e satisfação intelectual sem se limitar pela inferiorização sofrida pelas mulheres.
A postura de Virgina faz com que os homens que a cercam fiquem confusos, já que, seus parceiros sexuais não entendem por que ela age de forma tão indecifrável, buscando a realização de suas fantasias sem a cobrança de outras responsabilidades ou compromissos. Como todos os elementos narrativos predizem, a dupla acaba se auxiliando na difícil pesquisa que Dr. Masters começa para comprovar cientificamente alguns dos maiores clichês da sexualidade – o orgasmo feminino – sem temer represálias. O protótipo de testes proposto pelos pesquisadores não é aprovado pela junta de médica e, por isso, a busca pelas minuciosidades dos resultados é feita de modo clandestino.
Dr. Masters esconde seus impulsos sexuais sob uma espessa camada de vergonha, em uma espécie de repressão que inspira tantos artistas e sentencia todos os homens a uma hipócrita busca por estar certo e ter razão. Certamente, é a prisão do conservadorismo culposo vivenciado não só por Virginia e William, mas também por seus pares sexuais, que ao poucos, faz com que o doutor mergulhe cada vez mais fundo em sua pesquisa e tenha súbitos desejos pela colega de trabalho. Além disso, o que também aflige sua psiquê é a incapacidade em engravidar a própria esposa, Libby Masters, vivida pela atriz Caitlin FitzGerald.
Os temas abordados na série são muito complexos porque envolvem a intimidade e a sensibilidade dos personagens, pessoas reais que vivenciam aflições e decepções, pessoas que têm obsessões ligadas à carnalidade, à sexualidade e até à fertilidade. É peculiar, o modo como os estereótipos são invertidos e como a forma de encarar o orgasmo varia entre as mulheres. A ambiguidade segue também no equilíbrio – e desequilíbrio – entre o que é ciência e o que é fantasia.
Uma das cenas mais interessantes e engraçadas é a que o Dr. Masters se depara com o orgasmo masculino homossexual, o que ataca diretamente seus preconceitos e eleva a discussão a um nível extremamente pessoal. Essa pessoalidade também é marcada pela vaidade que envolve William e os que o cercam, principalmente sua esposa Libby, que acredita ser estéril e tenta desesperadamente conceber o herdeiro dos Masters, e o também médico Ethan Haas (Nicholas D’Agosto), que busca o seu espaço e sempre vê suas tentativas frustradas pelo ego do mentor. É interessante como a figura do protagonista oscila entre o paladino vestido de branco, defensor da justiça e dos bons costumes, e o anti-herói, ao mesmo tempo em que ele se assemelha demais à vítima de uma complicada trajetória de vida.
Pouco a pouco os estudos avançam, e os pesquisadores abandonam as pesquisas com profissionais do sexo para estudar espécimes “normativos”, o que, obviamente, gera mais resultados comprobatórios, enriquecendo a tese de Masters. Em meio a isso, o doutor se vê em diversas encruzilhadas morais. Sua forma ríspida de lidar com crianças assusta Libby, especialmente por fazê-la refletir sobre o futuro de ambos como pais. Paralelo a isso, ele se vê diante da decisão de ajudar ou não uma paciente a interromper o ciclo de gravidez, já que seu marido é violento com ela. Aos poucos, questões cotidianas esbarram no idílico mundo ideal de um estudo em perspectiva.
As tentações enfrentadas pelo médico vão aumentando de nível e pioram quando ele finalmente decide pôr em prática o seu desejo inicial de ser cobaia, colocando a tensão sexual entre ele e Virginia à prova. Entretanto, a máxima de não misturar as relações com sentimentos não são tão respeitadas quanto deveriam, e pioram com o desinteresse de Bill por sua esposa, especialmente após o aborto de seu tão aguardado filho. Apesar da preocupação dos dois cientistas em catalogar tudo e manter o sexo como uma relação profissional, nenhum dos dois sabe lidar direito com essa mudança de paradigma, e a psiquê deles mostra-se confusa, cada um a seu modo.
Curiosamente, a trama mostra como preceitos morais são quebrados, não somente no quesito sexo, mas também nas óbvias indiscrições conjugais, em alguns casos de subornos, além de propinas e trocas de favores em nome de vantagens dentro da universidade, o que transforma o sexo no menor dos tabus diante dos outros “pecados”. No entanto, é a relação semi-amorosa entre Masters e Johnson que guarda as maiores polêmicas.
A sequência de altos e baixos pelos quais os dois passam é enorme, e tem início no desprezo mútuo, que na verdade esconde uma situação conflituosa, já que nenhum dos dois está preparado para avançar no descampado terreno da paixão que, certamente, eles nunca irão assumir. Apesar disso, torna-se cada vez maior e incontrolável, o desejo voluptuoso entre os dois, além de uma perfeita interação em simbiose no modo de trabalhar. O entrosamento dos pesquisadores é tamanho, que até as brigas entre os dois são homéricas, como em um autêntico casal, especialmente no que tange à divisão dos méritos do trabalho de pesquisa.
Bill confunde muito as coisas e acaba ofendendo sua parceira, que decide pôr um fim à união profissional e, consequentemente, também à carnal. Em caminhos separados, os dois estudiosos prosseguem, aprofundando-se nos seus campos de interesse, até o grande dia da apresentação do projeto de Masters.
Ao final da temporada, algumas das histórias paralelas vão ganhando força, o que aumenta ainda mais o caráter folhetinesco do seriado. Dentre todo os dramas familiares, o que mais se destaca é o do respeitável reitor Barton Scully (Beau Bridges) e sua esposa Margaret (Allison Janney), que vivem uma iminente separação causada pelo mais curioso caso de infidelidade retratado pela série, por tratar-se de uma relação homoafetiva. O modo como as peças se movem no tabuleiro é intrigante, variando de estágios de negação e arrependimento, caindo em tentativas de cura.
Com cenas intercaladas de personagens secundários, o dia fatídico ocorre com o discurso de Bill na apresentação do projeto. Sua fala começa bem, mas em determinado ponto, é interrompida por perguntas pertinentes à autoria de sua tese. A resposta de que ele fizera todo o estudo sozinho é construída de forma confusa e deixa transparecer sua vaidade e orgulho, até que ele deixa escapar o quanto foi ajudado por Virginia, relevando de modo pouco ortodoxo, mais do que deveria e do que poderia.
Como era de se esperar, o discurso é um fracasso, pois ao menor sinal de nudez filmada, a plateia entra em estado de protesto, movidos, a priori, pelo conservadorismo e pelo medo, mas também, segundo a mente de William, movidos pela inveja de não ter um currículo tão extenso quanto o dele, tampouco seu instinto para o pioneirismo. Mais uma vez a guerra de vaidades atrapalha o avanço científico, fazendo deste um dos melhores motes do seriado.
A derrocada de William Masters acontece paralelamente ao sucesso estadunidense na corrida espacial, uma vitória para a nação soberana, comprovada de modo empírico. Ocorre também, ao mesmo tempo que o nascimento de seu filho, evento ofuscado por todo o conflito vivenciado pelo derrotado.
É sem qualquer possibilidade de vitória que Bill, enfim, assume sua situação para Virginia, dizendo o quão importante ela era, tanto para o trabalho, quanto para ele, começando assim, de modo oficial, o “romance” entre os dois, que anos mais tarde acarretaria em um casamento que durou décadas.
Masters of Sex consegue contar de modo agridoce o começo da trajetória do casal que foi pioneiro no estudo do sexo, inserindo mil elementos novelísticos, típicos da fórmula da HBO (vista em Boardwalk Empire e Game of Thrones), mas não comete o pecado de deixar que suas tramas tornem-se piegas ou sejam de fácil digestão, mantendo a vontade do público em consumir os seus episódios, sempre terminados com ganchos incríveis.
A despeito do espinhoso tema debatido, a série consegue ser leve, e até tem chances de conquistar a atenção do espectador que não está acostumado a tramas mais elaboradas ou calcadas em temas controversos. Além de exibir atuações memoráveis de Michael Sheen e Lizzy Caplan, numa química dificilmente encontrada em duplas de casais, a série tem equilíbrio ao tocar em feridas sociais tão fortes e presentes na sociedade atual, sem precisar de um discurso descaradamente político. Isso faz com que a singularidade do seriado seja ainda mais notada, transformando-o em um destaque entre seus pares, outras séries da ótima safra que é exibida na televisão em canais fechados.