Dentre todos os integrantes de Hermes e Renato, Felipe Torres talvez tenha sido o ator com menos papéis marcantes, fato este que o fez abrilhantar ainda mais sua personagem Luis Boça, o esforçado brasileirinho, um guerreiro, office-boy perdido nessa grande Babilônia e que rala feito um louco. Especialista em mini-games, Boça vê sua história ser reproduzida em tela na nova novela, Sinhá Boça, que conta a trajetória do rapaz nos seus estudos, onde conhece Suzana (Bruno Sutter), uma moça linda, meiga e delicada, mas que já é comprometida com o pitboy Jubão (Marco Antônio Alves). O seriado, assim como seu antecessor, conta com temas espinhosos como agressão, bandidagem, maluqueragem, cárcere, criação de filhos, violência doméstica, bullying, solidão, inabilidade com mulheres e claro, karatê. Os finais dos capítulos são mostrados com Boça falando sobre o que foi mostrado em tela, repercutindo os sentimentos de sua persona e da sua auto-biografia.
Um dos núcleos mais importantes, envolve o casal Rafa (Bruno Sutter) e Jaqueline (Marco Antônio Alves). O homem é um cantor e chapeiro de sanduíches, enquanto a moça é uma empregada doméstica, que sofre fortes sessões de assédios morais de Dona Máxima Cantarola (Fausto Fanti), tia de Suzana. A relação de patroa e empregada é baseada em humilhações, basicamente, impingidas pela senhora. Jogando questões como a diferença social entre os moradores de “áreas nobres” e suburbanos, flagrando a conhecida discriminação econômica comum entre esses dois polos.
O grafiteiro Toka Rap (Adriano Pereira) representa os estereótipos do movimento Hip Hop. Sua família só se comunica via rimas cantando rap, além de morarem em uma casa com todas as paredes pichadas. Logo percebe-se uma rixa entre eles, já que ambos são artistas e caçam seu lugar ao sol. As artes de rua, chamadas de piches, mas que na verdade são grafites, não precisam medir forças com o possível hit “Tô boladão de amor“, mas a insegurança de ambos se conflitua. Cota sofre críticas à sua arte, e até ameaças de esfaqueamento graças à insensibilidade do próximo.
Mas, a parte que guarda os melhores diálogos e invencionices, certamente é a aula do professor Gilmar (Gil Brother), o “adevogado” respeitado na “OaB – Ordem dos Adevogados do Brasil”, que pauta seu discurso quase sempre na terrível questão da vadiagem, mas ainda assim, fala de questões como o artigo 121 combinado (misturado não, tem nada de panela) com 12, assassinato, senta com 10 e levanta com 30 – assalto a mão armada, ou ficar andando com baseadinho no bolso, vai pra cadeia usar anelzinho. Boça tenta interferir na aula, tentando dialogar sobre advocacia, fazendo paralelos do julgamento com o programa Silvio Santos, mas logo é interrompido pelo docente, que afirma que ele está defecando pela boca – ele tem certa razão.
O herói da jornada é acometido de uma surra de seu opositor. A pessoa que o apóia é a vó Lourdes (Marco Antônio Alves), que tem larga experiência com gangues, e com vivência bélica, uma vez que ela combateu no Vietnã em 1969. A senhorinha se enfia num imbróglio enorme por estar de posse de uma arma israelense uzi, que dispara em torno de dez tiros em 3,6 segundos, e que esta arma é capaz de matar e até aleijar. Vó Lourdes vai em cárcere, mas logo muda o paradigma da cadeia, tomando o controle do bando de marginais, estipulando regras como quem faz café, não faz bolo, e vice-versa, ela muda até a moeda de troca, de cigarros em biscoitinhos amanteigados. O lema Paz, Justiça e Bons Modos é levado a ferro e fogo. A era do CV – Comando da Vovó finalmente se inicia.
O Professor mostra um enorme craquejo também com as mulheres, graças as causas com famosos, com OW Simpson e outras celebridades. Ele mostra-se “perplecto” com as moças que ele encontra, cuja pessoa ele jamais conheceu em toda sua vida. Gilmar é admirado por desembargadores muito respeitados no meio criminal, especialmente com o apoio no tribunal. Uma das causas mais defendidas pelo docente, é a questão do “pedofe”
filho da puta, o chamado estrupa anjinho, segundo sua experiência, o criminoso vai ganhar uma vedete assim que chegar e vai sofrer pior que aquela vítima. Sobre a questão da vó de Boça, Gilmar afirma que é um crime completamente “anifiançável” (SIC), pedra cimento e areia e vai criar porquinho na ilha.
Logo o destino de Luis e vó Lourdes se encontra, graças a uma armação de Jubão, que põe o Lápis de Ouro da faculdade, uma vez em cárcere, sua rotina muda do vinho para a água. Doutor Gilmar se compadece da história de Boça e sua vó, claro, atrás de notoriedade, já que a história dele daria margem para filmes, livro, televisão japonesa, banda larga e campanha publicitária, e uso infinito explorativo da vida dele, ou seja, é o sucessos. Gilmar o convence a ser um sujeito obediente, aceitando qualquer ordem.
Manelzinho Araújo (Fausto Fanti), um grande empresário do ramo empresarial musical ouve uma fita de Rafa, fazendo com que o chapeiro sonhe com momentos de fama excepcional, enquanto Cota encontra Alec Ler Bleur (Fausto Fanti), um conhecido artista que está interessado em seu pincel. Há uma crítica especializada em relação a indústria fonográfica, mostrando as alterações que os produtores fazem nas músicas dos artistas, além de explicitar, seriamente, que a pirataria teria origem nos próprios estúdios, uma denúncia sóbria, sem dúvida.
Incrível a propensão de Fausto Fanti em fazer antagonistas e pessoas que se aproveitam da ingenuidade dos personagens principais. Além destes, ele faz um dos marginais de dentro da cadeia, que obriga Boça a fazer uma ligação de sequestro falso, numa das situações mais dramáticas do folhetim. A façanha faz Luis ser jogado na solitária.
Professor Gilmar prossegue em suas aulas, dando uma chamada de atenção homérica no bando de badernistas, além de atentar para o largo tamanho do artigo penal, enfatizando que este tem várias folhas e vários capítulos, numa enorme crítica ao proselitismo do sistema penal. Ao visitar seu cliente e aluno, ele orienta Boça a se comportar na cadeia: “Se te passar a mão, você deixa; se comer seu buraquinho, você deixa; se te raspar igual uma garrafinha, você deixa“. Faltava pouco tempo para o julgamento: “deixa todo mundo brincar“. O julgamento toma o tempo pessoal do “adevogado”, que mal tem tempo para coabitar com o seu amor, pois fica o tempo todo preparando o seu discurso.
Boça recebe presentes de seus amigos detentos, uma carta para trazer boas vibrações, uma camisa free boça free, e uma bazuca de fabricação caseira, com intuito de trazer boa sorte para o julgamento dele e de sua avó. No penúltimo episódio surge um novo plot, mostrando uma série de estranho assassinatos, supostamente causados por um animal feroz. As ocorrências indicam um padrão, onde sempre há uma mordida no pescoço. Mais de 15 mortos em uma semana, no derradeiro episódio, o tal lobisomem faz um belo discurso sobre aceitação das diferenças, e o povo que antes o lincharia, o louva, como parte de um todo, como parte do povo, que contribui bravamente para o PIB.
A duração do último episódio é dobrada, para explorar toda a questão do julgamento. Gilmar é sincero e diz ao acusado que veio às pressas, para que ele não criasse expectativa nenhuma. A acusação se preocupa em denegrir a imagem de Lourdes, igualando a uma assassina fria, e Boça a um larápio narigudo. Gilmar domina o mise-en-scene, defendendo a honra de Luis e Lourdes, “perplecto” de ver olhar e ver a vó no fundo da cadeia, uma senhora de altas responsabilidades que criou seu rebento a muitos docinhos caramelados na geladeira, além da já tradicional “ovolmatino” e leite com pera.
A situação quando a rivalidade do advogado de acusação junto a Gilmar se apresenta em tela. Questões como a época em que os legalistas estudavam, discutindo-se o uso da maconha por Gilmar, onde o respeitado professor declara que “cumpade é o caralho, não batizei teus filhos”, questões pessoais interferem diretamente no julgamento. Há um empate técnico na ordem final, e o excelentíssimo juiz põe o resultado para ser definido, na porrada. Luis Boça tenta se inspirar em seus mentores, mas o resultado é o conhecido fracasso costumeiro de sua vida. Ao contrário de O Proxeneta, este final é pouco inspirador e edificante, um reflexo da vida de Luis Boça, e termina de modo nonsense e pouco engraçado, numa óbvia referência ao final da sitcom Seinfeld. Sinhá Boça foi a última novela da trupe na antiga emissora do grupo Abril de Comunicações.
Muito informativo e lúcido. Não vejo a hora de ver reviews das esquetes do Monty Python.
Isso daqui dá uma cadeia…
tudo por causa da:
– Vadiagem
Ai, to gostando de ver esses meus alunos!