A primeira cena da segunda temporada é voltada a recém-promovida à ponte, Michael (Sonequa Martin-Green), ela faz uma versão do lema de abertura de Jornada nas Estrelas: A Série Clássica, elucubrando sobre o espaço e a fronteira final, aludindo a um mito africano sobre a criação da Via Láctea. Este segundo ano parece feito para responder as muitas críticas que a primeira temporada de Star Trek Discovery sofreu, e isso seria bom, se o programa não cedesse tanto as pressões e mantivesse alguma identidade.
Nesse começo, o capitão da Enterprise, Christopher Pike vai a bordo da Discovery ajudar a tripulação sem comando a seguir em frente em sua estranha missão. Anson Mount tem um desempenho excelente, repleto de carisma, e causa em seus tripulantes inspiração. Aos poucos, se nota um desejo da temporada em explorar os personagens próximos da série original de 1966, ainda exista um outro desejo por não alterar quase nada na linha temporal, portanto, toda a perseguição a Spock é feita de uma maneira ora acelerada, ora gradual. A justificativa para que a Enterprise não estivesse na guerra Klingon é satisfatória, já que segundo a série e o episódio The Cage, ela estaria isolada em sua missão de cinco anos explorando o universo não-catalogado.
Do ponto de vista técnico, os efeitos especiais vão melhorando muito com o decorrer dos episódio, e servem a narrativa. As batalhas espaciais são de tirar o fôlego e a reclamação dos fãs em relação a isso é simplesmente descabida. Entre os diretores, Jonathan Frakes retorna, que havia feito o comandando Riker na Nova Geração e dirigiu alguns filmes e episódios de outras séries de Jornada nas Estrelas. Isso é legal principalmente pelas conexões que faz com o filme O Primeiro Contato, associando o destino dos personagens com o criador terráqueo do motor de dobra, que deu capacidade para viajar pelo espaço. Boa parte dos momentos mais inspirados são em New Eden e Projetc Daedalus, os dois capítulos que conduz.
Esse ano tem um foco muito grande em Sylvia Tilly (Mary Wiseman), e a maioria das vezes que aparece, seja qual for o drama, fica automaticamente enfadonho. Ela acaba pegando boa parte da atenção que poderia ser de Stamets ou Saru, para ter algumas conversas com personagens genéricos de seu passado. Esse tipo de aprofundamento atrasa as tramas realmente importantes. De parte do novo elenco, existem boas participações, ainda que breves.
Toda a questão envolvendo Kaminar – terra natal de Saru – e a relação entre Kelpianos e Ba’uls faz lembrar Deep Space Nine e a relação entre cardassianos e os bajorianos, e essa repaginação faz bem a trama pois dá tons de gravidades para o seriado, mostrando que a frivolidade e a frieza não são exclusividades de parte da humanidade do passado. A utopia pensada por Gene Roddenberry é real, mas obviamente faz alguns paralelos com a realidade atual, ainda que empurre para raças que não a terráquea alguns desses infortúnios, e ao menos aqui, o programa acerta bastante e faz jus ao legado de Star Trek, mostrando uma situação de opressão e escravidão, além de aprofundar em quem eram os kelpianos.
Infelizmente, em determinado ponto a história sofre um declínio de qualidade, ainda mais quando se acirra a busca por entender Spock, que teve visões proféticas sobre o destino do universo. Neste ponto é que Discovery carece mais de identidade, gastando muito tempo com o arco de Pike e pouco com os tripulantes da nave. Mesmo com as reclamações constantes e a possibilidade de conserto dos erros no primeiro ano, não há uma quantidade de equívocos grandes o suficiente para considerar Star Trek Discovery como uma série de sacrilégios com a linha do tempo conhecida, e verdade seja dita, toda série nova de Jornada teve incongruências com o que veio antes e depois, sendo reavaliadas por boa parte dos fãs como subestimadas ou injustiçadas. Só o tempo dirá se isso ocorrerá com Discovery, fato é que seu final poderia ser bem menos problemático e covarde do que foi. A série já foi renovada para uma terceira temporada, e membros da produção afirmaram que continuará seu drama com Michael Burnham como personagem principal. Seja lá qual for a saída é importante não ter receio de contar a história que se quer contar.