A premissa semelhante ao ocorrido com o último filho de Krypton, adaptada para uma versão feminina, passa distante de qualquer visão típica do discurso feminista. A atuação pouco esmerada nos momentos pré-destruição planetária quase compromete o início da abordagem em Supergirl, que se inicia mostrando Kara ainda adolescente (Malina Weissman) sendo enviada à Terra. Os efeitos especiais são até bem feitos, especialmente em comparação com outras produções televisivas.
A reverência à figura do Superman é notada em cada detalhe, ainda que a figura do Azulão seja timidamente tocada, uma vez que ele já havia se revelado ao mundo bem antes de sua prima mais velha, tendo em suas feições, claro, a aparência de ser bem mais maduro que ela. É curioso notar o pai adotivo de Kara, interpretado por Dean Cain, o Clark Kent de Lois & Clark – As Aventuras do Superman, ainda que seja mais uma referência do que qualquer outro aspecto.
Melissa Benoist interpreta Kara Danvers e se mostra uma mulher jovial, empolgada, que tem uma carreira consolidada em comunicação social, se aproximando demais dos arquétipos de Kent, ainda que sua postura lembre a personagem de Anne Hathaway em O Diabo Veste Prada, já que sua patroa Cat Grant (Calista Flockhart) é bastante excêntrica e exigente consigo. Para que seu trabalho seja o mais prazeroso possível, um belo homem negro de meia-idade se apresenta a ela. Seu nome é James Olsen (Mehcad Brooks), antigo repórter fotográfico do Planeta Diário, chamado pelo “Big Guy” de Jimmy, alcunha famosa nos quadrinhos.
A primeira cena da kriptoniana em ação faz lembrar absurdamente a descoberta dos poderes de Peter Parker no primeiro Homem-Aranha, ainda que neste haja menos jocosidade do que no filme de Sam Raimi. A cena em si é bem executada, apesar da leveza, e é seguida do resgate de um avião, ação típica do Azulão, semelhante também à cena de resgate de Superman – O Retorno, de Bryan Singer.
Diante da primeira aparição da proto-heroína, que poderia gerar um sem número de inspirações em mulheres que sofrem violência, há também o surgimento de um opositor misterioso que sabe da origem dos pais da moça, o que gera um fator importante para que a história seja crível. O que não combina em nada com a estética de super-heróis é a subtrama do amigo gay que não é gay no personagem de Winn Schott (Jeremy Jordan), cujo amor platônico sequer é notado por Kara, fortificando a aura de comédia romântica, adocicando a trama para tentar alcançar o público feminino, ainda que tenha bem menos elementos diabéticos quanto o trailer pretensamente faz esperar.
A inversão de paradigma de proteção, se voltando ao que deveria ser a escolta de seu primo, para tornar-se algo mais universal, é interessante, especialmente com a trama secreta revelada nos minutos finais. O potencial de tornar o seriado uma bomba é enorme, especialmente por misturar influências tão diversas. Mas a construção de arquétipos é bem mais interessante nessa série da CBS do que foi visto, por exemplo, na série fracassada da Mulher-Maravilha.
Obviamente que por ser um episódio inicial, ainda mais vazado, os plots ainda pareçam demasiado infantis, mesmo o mistério envolvendo a figura estranha de Alura e Porto Rozz. No entanto, ao menos em matéria de retratar uma mulher que não precisa se submeter ao pensamento mandatário do homem, cumpre bem seu papel. Primeiro com a pecha de proteção ao jovem Kal-El, para depois a moça dar uma virada espiritual em sua rotina, mudando sua posição de menina submissa para intensa modificação do status quo, mesmo com as reprimendas dos “controladores” de super-poderosos. O seriado vem para suprir uma lacuna de protagonismo feminino, órfão desde as empreitadas de Mulher-Gato e Elektra no mainstream. O mínimo que se espera é que se mantenha o caráter desbravador, mesmo que comedido e despretensioso.