Parando para analisar, a história das coisas é engraçada. No cinema, há certos filmes que se beneficiam em larga escala do efeito lapidoso do tempo, também conhecido como o maior crítico de todos, tal qual o recente O Irlandês, uma obra que se vale inteiramente do legado da filmografia de seu diretor, Martin Scorsese, a fim de ser um genuíno clássico do cinema contemporâneo acerca do impacto que anos e décadas exercem sobre tudo – até mesmo famílias, amizades e a nossa visão de mundo. O tempo, senhor implacável das coisas, torna o produto refinado quando bem conservado, ou ainda embolorado se passar do ponto e ir pelo caminho oposto no tangível hall das qualidades. E é justamente nessa categoria um tanto injusta, diga-se de passagem, que se encontra O Poderoso Chefão – Parte III, ou o exausto e super tardio final da saga dos mafiosos italianos Corleone numa América que ajudaram a modelar.
Antes de mais nada, é bom deixar claro que esse mesmo tempo fez bem a conclusão da história da famiglia, e hoje, a Parte III parece bem menos ofensiva do que certamente foi no seu lançamento, há trinta anos atrás. Com dois filmes impecáveis vindos antes e que fizeram história em todos os sentidos, a expectativas para o grande finale era incomensurável. Como iriam terminar os passos de Michael Corleone, agora o patriarca velho e inseguro repleto de sangue nas mãos, era o que todo mundo queria ver, com o retorno de Al Pacino, prometendo uma atuação extraordinária, e na cadeira da direção, o mesmo Coppola que nos presentou com tantas joias, no passado. Não seria exagero dizer que a recepção da crítica, e público, para este filme foi uma das mais decepcionantes que Hollywood e a imprensa especializada já testemunharam, intitulando-o de desvirtuoso, e desrespeitoso ao material insuperável de outrora. Se Da Vinci não conseguiu superar sua Monalisa, Coppola também não fez milagres.
Assim, Chefão III continua o menos interessante, de fato, da trilogia, mas não por isso um dos piores filmes já feitos, como se deu a impressão no começo da década de 90. Seu grande problema, agora focando no peso insustentável que o poder tem sobre os ombros de Michael e da família Corleone inteira, numa atmosfera de constante ataque e perturbação, como se a realidade das famílias da velha máfia americana estivesse prestes a literalmente explodir (como acontece na cena do jantar), o grande equívoco da história parece não ser sua condução, e sim o momento que ela foi apresentada. Coppola faz bonito na direção, mesmo que seja um trabalho morno e sem as virtudes espetaculares de O Poderoso Chefão e O Poderoso Chefão Parte II, mas o chá de banco de quase 16 anos atrapalhou demais o andamento e a vitalidade desse terceiro filme, tão prejudicado pela espera na qual foi concebido. É como se fosse um spin-off das duas primeiras obras, ou um especial de fim de ano para homenagear os júbilos que vieram antes, e não tem elenco nem trilha-sonora de luxo no mundo que consegue esconder isso.
Essa sensação de “raspa do tacho”, ironicamente, dialoga com o principal tema do filme: arrependimento, por uma vida de criminalidade e precificação dos valores morais de uma família – ou mais precisamente, de um homem, o pobre Michael que, de várias maneiras, ainda parece viver sob a sombra das mortes de suas vidas, as que lhe ocorreram e as que fez. Em determinadas cenas, as mais trágicas possíveis beirando o exagero, O Poderoso Chefão – Parte III exerce um poder na tela apelativo, como se nos quisesse emocionar pelos motivos mais gratuitos, e fáceis possíveis. Deixaram a maestria de lado e optaram por um final digno, mas embolorado, por mais que o esforço criativo de Coppola e seus atores transpareça seja no regular ritmo do filme, seja nas atuações do longa (Andy Garcia foi o maior acerto, e Sofia Coppola, o maior equívoco). No mesmo ano do cansado Chefão III, Scorsese veio com o grande Os Bons Companheiros, e o recado para Coppola foi claro: os tempos são outros.
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