Depois do lançamento do filme Hebe: A Estrela do Brasil, o canal de streaming Globoplay deu prosseguimento a história da apresentadora Hebe Camargo, tanto em questões positivas, quanto na mostra do que era a personalidade forte dela, passando pela defesa de minorias através de seu afeto e por questões polêmicas sobre sua vida pessoal, que geraram inclusive reclamações por parte de sua família que, aparentemente, não gostaram de ver uma personagem humanizada em tela, sobretudo na versão em longa-metragem da história dirigida por Maurício Farias.
Diferente das minisséries lançadas normalmente na Globo, essa não é “apenas” o filme dividido em quatro ou cinco episódios, com pequenas cenas estendidas. A série expande bem a trajetória da mulher, mostra seu passado como cantora, vivida por Valentina Herszage, cuja caracterização visual é de uma semelhança assustadora especialmente na época em que Hebe ainda não pintava o cabelo de loiro. O seriado é produzido por Farias, e criada por Carolina Kotscho, escritora especialista em biografias como Não Pare na Pista – A Melhor História de Paulo Coelho, Flores Raras e Dois Filhos de Francisco.
Hebe recria momentos do filme,aumentando a participação de pessoas que tinham a importância na vida de Camargo, como foi com Walter Clark de Danilo Grangheia, ou das amigas dela, Nair Bello e Lolita Rodrigues. O começo do primeiro capítulo mostra Andréa Beltrão no programa De Frente Com Gabi, em uma entrevista, e esse artificio, de mostrá-la em outros programas, dando suas opiniões controversas é uma boa escolha narrativa, porque brinca com seu ofício de entrevistadora e mostra o quão humana ela era, para além só do que era mostrado na frente das câmeras do programa que conduzia.
Há momentos piegas, como quando ela descobre seus bordões, quando lida com os empregados de produção e de sua mansão, mas até essa cafonice combina com a forma datada e bem pessoal que os seus programas tinham como caráter. Hebe gostava de brilho, isso é bem retratado, assim como sua personalidade tão particular. Ela ouve as pessoas, é grata, mas deliberadamente ignora as contradições que lhe são propostas, fato que pode fazer o público encará-la como uma megera. Mas o fato é que, tanto na realidade quanto na série, ela era adorada por todos que a cercavam, e isso se fortifica demais no desempenho de Beltrão, que diferente da maioria dos atores, não imita sua personagem real, compensando isso com uma entrega emocional atroz. Já Valentina, imita tão bem os trejeitos da Hebe jovem e ainda tímida que dribla até a falta de um sotaque paulista do interior que ela não possui (a atriz é carioca). A opção por não fazer imitações aliás é bem sábia, embora algumas versões sejam bem parecidas em tom, como a Nair Bello de Cláudia Missura.
Os relacionamentos, amores e laços familiares da estrela são bem explorados, embora haja claro toda uma construção fantasiosa, o que é comum, afinal este Hebe não é um documentário. Se a vida pessoal é diferente do real, a presença dela no palco é quase idêntica, Camargo era muito espontânea e engraçada, não tinha receio em mostrar as próprias falhas no ar, não é difícil achar vídeos históricos dela, como sua estreia no SBT em 1986 onde mesmo perdida entre os convidados ela impera, passa por cima dos cacos como quem desfila em um palco, fica a vontade mesmo tropeçando. Próximo do final a narrativa fica um pouco confusa, pois momentos importantes da vida dela se passam logo depois de outros: alguns a mostram tratando o câncer, outros a sua separação de Lélio. A escolha narrativa talvez mirasse os últimos momentos de Hebe Camargo, como se ela conversasse com uma entrevistadora, como foi nos programas de Jô Soares, Marília Gabriela ou no Roda Viva, completando não só o comentário de quebra de quarta parede com a entrevistadora estando no centro da roda, mas também justificando os lapsos de memórias e a mistura de fases bem diferentes de sua vida reunidas nessa edição, que às vezes, parece insana, mas que dentro dessa estética louca, retrata bem tanto a época, quanto a trajetória da apresentadora. Hebe é um seriado que passa longe da perfeição, mas causa muita curiosidade no público que não a conhece, e ainda afaga os antigos fãs, colocando até alguns deles em tela. É um belo louvor a figura e um bom documento histórico a respeito de uma entidade importante da TV brasileira.