A identidade suburbana carioca é tema de inúmeras manifestações culturais. Cantos, músicas, letras de samba enredo já falaram demais a respeito da Zona Norte carioca e, entre elas, o bairro possivelmente mais conhecido além do mapa da Guanabara é Madureira, berço do samba, lar do maior mercado popular da América Latina e de tantos outros eventos míticos. Crônicas de Madureira: das fazendas de açúcar ao berço da samba mira contar um pouco dessa história, pelos olhos de alguém realmente apaixonado pelo lugar, o escritor Carlos Alberto Meda.
O material é bem pessoal e a escrita que Meda mantém um formato jornalístico e também o formato literário de crônica com lamentos muito justos ao fato do bairro não receber do poder público a atenção que deveria receber, uma vez que é parte fundamental do que faz o Rio ser o que é, mesmo que não esteja nos principais cartões postais da Cidade Maravilhosa. Segundo o estudo do autor, o nome do bairro seria uma homenagem a um vaqueiro de conduta mal falada. Lourenço de Madureira era comprador de terras, arrendatário, e sua índole ruim o precedia, ao ponto de tornar confuso o motivo que fez com que fosse dele a inspiração para o nome do bairro.
O autor mistura bem informações, dados informativos e um estilo de escrita lírico. Poetiza acontecimentos corriqueiros, burocráticos e estritamente comuns, e aborda o bairro desde os tempos imperiais, quando ocorreu a instalação do Laboratório Imperial Pirotécnico, a extensão da linha acessória de trem de Dom Pedro II, a atual Estação Central do Brasil, a fábrica de munição de Cascadura, até chegar aos tempos do século XX onde Madureira seria destaque comercial na cidade, reunindo compras de todo o território fluminense.
O livro é curto, com pouco mais de 100 páginas e detalha historias de pessoas que deram nome as ruas do bairro, fala do adventos das linhas de ônibus, destaca brevemente a inauguração do Mercadão de Madureira e as iniciativas de pequenas autoridades locais em montar coretos para o Carnaval, que faziam concentrar o povo na festa da folia e fomentaram a fundação de agremiações como Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela e Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano, além de colégios e agremiações esportivas como o Madureira Esporte Clube, nesse ponto em específico, detalhando bem os clubes que se fundiram algumas vezes para formar o simpático Tricolor Suburbano.
Meda associa bem a retirada de mão de obra escrava das fazendas com o processo de favelização do bairro, pois uma vez que as fazendas deixaram de ser produtivas, e sem estrutura para assalariar a mão de obra, os alforriados e demais pessoas de renda baixa não tiveram para onde ir, com alguns ex-escravos preferindo trabalhar em troca de moradia e comida junto aos antigos patrões na época das fazendas, enquanto outros migravam para moradias perigosas, tomando posse de terras improdutivas e também subindo os morros, que não eram lugares seguros graças as chuvas e deslizamentos de barrancos.
Entre o simples descrever de fatos notáveis ano a ano, e breves citações aos eventos únicos do bairro como a dança de origem africana acompanhada de tambores e batuques, o Jongo da Serrinha, Meda traz luz a uma época de glamour em Madureira. Não que atualmente o bairro seja tão diferente, afinal é um dos mais lembrados do cenário carioca, mas claramente não é igual a época analisada aqui. O autor tem um genuíno amor por seu terra e lugar, e registra bem os causos, lendas e mitos que fizeram Madureira ser um lugar de luta e inspiração para todos que passam, visitam ou moram no bairro.