Tomei conhecimento da segunda edição deste livro primeiramente em 2005, quando estava escrevendo o meu Trabalho de Conclusão de Curso no término da faculdade de cinema. Eu havia discorrido sobre a forma como o diretor norte-americano D.W. Griffith havia conseguido atingir o efeito dramático em seus filmes por volta de 1908. Nos dois anos seguintes tentei o mestrado, onde a ideia era abordar o início das práticas do cinema no Brasil, em especial no Rio de Janeiro.
Acontece que, na primeira vez, ele se revelou uma preciosa fonte de ambientação histórica para tentar se entender o contexto sócio-político-econômico-cultural, além de todas as transformações que ditaram a mudança nos EUA do século XIX para o XX (principalmente as científicas e urbanas), onde Griffith se inseriu antes de mudar, e moldar, todas as formas conhecidas de cinema desde então; nas duas seguintes, ele me foi um modelo de análise historiográfica a ser seguido.
O livro foi escrito pela professora Flávia Cesarino Costa baseando-se na sua dissertação de mestrado, defendida na PUC-SP em 1994.
Uma curta sinopse: a autora faz uma análise da produção, comercialização, distribuição e exibição de filmes nos EUA no período compreendido entre 1894 e 1908, designado por ela como “primeiro cinema”, seguindo a corrente historiográfica dos autores do Simpósio de Brighton (nesta cidade inglesa em 1978 ocorreu o 34ª encontro de preservação de filmes da FIAF, onde jovens autores da época propuseram um revisionismo histórico deste período nos seus respectivos países, como EUA, França, Inglaterra e Canadá).
O mais fascinante no livro está nos diversos detalhes do período que Flávia ressalta, apontando também as particularidades envolvidas e relacionando-as com a época, ainda promovendo reflexões acerca delas. O saldo final acaba sendo um competente retrato de uma época que se revela tão rica em experimentações, além de anárquica no seu processo de ser, o que a torna tão única em toda a história do cinema.
Por exemplo, a autora comenta que já em 1895 o cinema se misturava a outros divertimentos da época mais importantes do que ele (p. 29), se marginalizando para percorrer caminhos obscuros para não ser extinto; ela também cita que, até 1900, os exibidores tinham autonomia no processo, podendo cortar ou aumentar a duração de um filme (p. 45); vemos a descrição dos ‘trick films’ (p. 48, filmes feitos com trucagens) e dos ‘filmes de perseguição’ (p. 49, primeiras formas de narrativa a partir de 1903); um dos pontos mais interessantes é quando Flávia começa a abordar a era dos ‘nickelodeons’ (p. 59, de 1906 a 1915), período final do primeiro cinema.
Significativa também é a escolha para o subtítulo do livro: “espetáculo” se refere à época inicial do cinema, em que qualquer forma de atração era absoluta e a anarquia ‘ditava as regras’; “narração” diz respeito à transição que foi ocorrendo gradualmente na experimentação da edição de filmes sem compromisso nenhum com a narrativa até Griffith; e a “domesticação” se dá quando se tenta legitimar o cinema como espetáculo de massa perante a sociedade deixando os nickelodeons mais agradáveis a classe média, limpando o local e restringindo o acesso ao local a todos que não fossem “pessoas de bem”.
Um extra bem interessante são informações dos principais filmes e frames de cenas durante o livro inteiro.
Por último, deve-se louvar a coragem da autora em abordar uma época do cinema tão pouco estudada e difundida entre os interessados pela arte, em função de outros estudos que discorrem sobre os fervilhantes anos 60 ou sobre obras de diretores/atores renomados e/ou premiados que dispensam apresentações de suas obras.
O único ponto negativo que ressaltaria é a origem do livro: de vez em quando a leitura fluente volta a ser uma dissertação acadêmica, quebrando um pouco o ritmo e prejudicando talvez uma melhor apreciação dos leitores que não se interessam por uma abordagem mais técnica.
Vale a leitura? Sim, para quem gosta de cinema, a curiosidade de conhecer essa época tão fascinante se torna o chamariz principal. Agora, se você for um amante do cinema, é mais do que obrigatório conhecer e ter este livro na prateleira, até mesmo como eventual consulta, para saber o contexto da época em que surgiu e, o mais interessante, como ele se desenvolveu através dos caminhos percorridos, e os motivos que o levaram para tal.
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Texto de autoria de Pablo Grilo.