O Inimigo Final parte de uma sinopse bem interessante: três personagens devem lidar com seu passado e confrontar aquilo que os assombra para poderem seguir em frente. Um velho músico de rock, um jovem perdido na cidade grande e um homem arrasado com o fim de um romance são os personagens e o livro se propõe a mergulhar em um mundo escuro e boêmio e contar sua história ao som de rock and roll.
Já de início essa proposta falha na linguagem: ela é artificial, rebuscada e um tanto clichê demais. Tanto a narração em primeira pessoa quanto os diálogos não soam como algo que realmente seria dito por aqueles personagens. Ainda que o autor se esforce pra incluir palavrões e gírias, tudo é muito correto, muito discursado, cheio de construções perfeitas gramaticalmente, mas que ninguém usa na realidade. O excesso de adjetivos também incomoda, eles são vazios e parecem estar ali apenas para dar ao texto um requinte que, além de falso, não condiz com o tema ou o cenário apresentados.
O escritor também erra ao escolher aquilo que deve ou não dizer: a primeira história é apenas uma espécie de prólogo e várias informações são jogadas sem serem desenvolvidas. Não sabemos quem são realmente aqueles personagens ou qual o grande segredo do velho rockeiro e entretanto esse parece ser o segmento mais interessante dos três. Por outro lado, durante a segunda história (que compõe a maior parte do livro) tudo é excessivamente explicado, todos os sentimentos são didaticamente descritos e cada vez que alguém cita “AC/DC” o narrador adiciona desnecessariamente “a banda de rock australiana”.
A presença do rock contudo é uma das coisas mais interessantes do livro. Bandas são citadas, os personagens fazem referência a trechos de música ou a trilha sonora de algum momento o que poderia dar ao livro um ar pop, uma atmosfera de cotidiano como a dos romances de Nick Hornby ou Jeffrey Eugenides, mas isso acaba se perdendo no meio da linguagem excessivamente rígida. Outro ponto forte é o projeto gráfico: a narração é interrompida por poemas do livro que o personagem está escrevendo e as páginas entre os capítulos trazem imagens de paredes quebradas, como a dos bares sujos que são citados o tempo todo.
No fim, Bozzetto parte de uma ideia original, mas é condescendente demais com seus personagens: eles são unidimensionais e moralistas, o protagonista da segunda história soa como uma versão idealizada do próprio autor na adolescência. Falta crueza a “O Inimigo Final”, tanto na linguagem quanto na trama, Bozzetto quer trabalhar com anti-heróis, mas lhe falta apresentar suas falhas honestamente. É um livro que deveria olhar para autores como Bukowski, John Fante e até Hemingway, mas ignora essas referências e acaba se tornando apenas pretensioso.
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Texto de autoria de Isadora Sinay.