Wesley Peres é psicanalista e escritor. Embora relativamente desconhecido, seu primeiro romance, Casa Entre Vértebras, foi indicado ao Prêmio São Paulo de literatura e ao Portugal Telecom e venceu o Prêmio Sesc de melhor romance, três prêmios relevantes para a literatura em língua portuguesa (Cristovão Tezza, por exemplo, venceu todos eles com seu O Filho Eterno e virou uma estrela para os padrões da literatura nacional).
Seu segundo romance, As Pequenas Mortes, tira o título da palavra (ou metáfora) francesa para orgasmo e marca desde a capa que sua maior influência é Georges Bataille. O protagonista é Felipe Werle, um músico obcecado com o câncer (que jura ter contraído na contaminação de césio 137 que ocorreu em Goiânia em 1987) e com Ana, a mulher por quem é apaixonado.
Extremamente metalinguístico, o livro não possui exatamente um enredo, é mais uma longa divagação, uma forma do narrador/personagem/escritor do livro dentro do livro expurgar seus demônios. O tom alucinatório poderia ser cansativo ou soar pretensioso, mas Peres mantém seu livro curto e ironiza seu próprio protagonista: Werle é um esnobe, um obcecado e um homem detestável e a consciência que o autor parece ter disso tornam o livro mais palatável e fazem com que o pedantismo beire o ridículo e acabe funcionando como ironia.
Em oposição ao tom muito etéreo também se coloca a influência de Bataille e aquilo que talvez seja o verdadeiro personagem principal do livro: o corpo. As obsessões e os fantasma de Felipe Werle todos giram em torno do corpo concreto: câncer, morte, sexo. O corpo de Ana é extremamente presente, enquanto sua personalidade se apresenta como fragmentos, cacos, algo de menor importância. Werle não vê qualquer consolo para a mortalidade em sua música, na arte, na posteridade como um todo, só lhe interessa a vida do corpo.
Além de Bataille o livro se enche de referências que vão de Ingmar Bergman à Charles Dickens. Em alguns momentos é difícil saber se o que o autor busca é uma colagem ao estilo Tarantino, um roubo deliberado, ou se ele apenas tem dificuldade em digerir suas influências e joga nomes como credenciais. De qualquer forma, mesmo nos momentos em que as citações soam artificiais elas acabam se harmonizando com o tom metalinguístico e quase irônico.
No fim, As Pequenas Mortes tem consciência de sua falta de voz própria e transforma isso em linguagem. É um recurso válido e que constroi um bom livro, mas os momentos em que Peres parece mais livre de suas influências indicam um escritor que ganharia muito se desvestisse a armadura de referências. Apesar disso é um livro original, inventivo, que explora a linguagem de um jeito interessante e é auxiliado por um ótimo projeto gráfico, com páginas manchadas de azuis, como o césio 137 que tanto assombra Felipe Werle.
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Texto de autoria de Isadora Sinay.