Após o sequestro de suas filhas gêmeas, a ex-policial Lucie Hanebelle sofre para se recuperar de seus terríveis traumas, enquanto se concentra em tarefas mecânicas que mantenham sua mente ocupada. Também fragilizado, seu namorado na época, o comissário Franck Sharko, se vê relegado a uma posição secundária na polícia francesa, e dedica-se a investigar a descoberta do corpo de uma jovem cientista, aparentemente espancada até a morte por um grande primata no centro de pesquisas em que trabalhava.
fonte: primeira orelha do livro
Depois de ter xingado o autor em alto e bom som pelo cliffhanger – “fdp!” – deixado no livro anterior – A síndrome E – não via a hora de iniciar a leitura deste. E Thilliez, como um bom ‘fiduma’, digo, como um bom autor de thrillers, não apresenta logo de início os acontecimentos. Aliás, habilmente, ele não para o fluxo da narrativa em momento algum para esclarecer os eventos que se seguiram ao final do outro livro. O leitor vai descobrindo aos poucos, através de trechos de conversas, pensamentos e em meio às ações dos personagens, o que realmente houve e como a dupla de policiais reagiu aos fatos. E já começa com um soco no peito, tirando o fôlego e desnorteando o leitor, que continua lendo até vir a finalização por nocaute lá no último terço do livro. Qualquer coisa que eu diga além disso configurará spoiler, então paro por aqui.
Vale salientar que boa parte da qualidade do texto está no cuidado do autor na construção dos personagens. Lógico, o livro é um thriller. É o que o leitor procura e é o que o autor entrega. Mas o foco não é apenas o mistério a ser descoberto. Os dilemas, as preocupações e mesmo a rotina dos personagens principais – Hanebelle e Sharko – permeiam a trama de tal forma que levam o leitor a ler avidamente não apenas para chegar à resolução do mistério, mas também por se interessar pelo destino de ambos. A propósito, uma das características mais interessantes da dupla é justamente o fato de, oficialmente, não serem uma dupla. As circunstâncias fazem com que seus caminhos sigam em paralelo até convergirem em algum momento.
Mais uma vez, o escritor escolhe como catalisadores da trama assuntos que me interessam bastante: genética e evolução. Diletante e leitora voraz desses temas, admito não poder julgar de forma isenta se o modo como são apresentados no livro é acessível aos “leigos”. Acredito que sim. Não me pareceu que as digressões e as explicações dadas sejam técnicas demais. Aliás, diferente do livro anterior, a solução do mistério não depende de uma quantidade tão grande de fatores mirabolantes que, reunidos e intricados, deram origem aos crimes. Neste, é tudo mais plausível.
Sobre a temática, há dois pontos interessantes a ressaltar: o motivo que levou o autor a escolhê-la e um detalhe da impressão. Thilliez resolveu-se por esses assuntos ao assistir uma conferência sobre Evolução. Nela, o conferencista contava que havia sido enviada a Darwin uma orquídea originária de Madagascar cuja pétala central (em sua base concentra-se o néctar) media cerca de trinta centímetros. Nenhuma borboleta conhecida possuía uma ‘tromba’ longa o suficiente para alcançar essa profundidade. Darwin então supôs que deveria existir no local uma borboleta com uma tromba longa o bastante para alcançar o néctar e, ao mesmo tempo, polinizar as flores. E a borboleta foi descoberta 41 anos depois dessa predição de Darwin. Esse foi o gatilho para o interesse do autor pelo assunto, que viria a se tornar o pano de fundo desta obra.
Sobre a impressão, há no topo de cada página uma sequência de letras (foto abaixo) – que eu admito só ter reparado quando estava lá pelo terceiro capítulo – cujo significado o autor esclarece ao final do livro. Acompanhando o tema, esse “fio de Ariadne”, como o próprio Thilliez o descreve, é a grosso modo a representação dos 30 mil primeiros nucleotídeos do cromossomo 1 do genoma humano. Um pequeno detalhe que enriquece a publicação.
O ritmo e a estruturação da narrativa seguem a mesma linha do anterior. Thilliez não só não perdeu a mão como se aprimorou de um a outro. Este dá a impressão de um texto mais polido, mais trabalhado, sem tantos excessos. Contudo, ambos são ótimos thrillers. Não digo que seja indispensável ler A síndrome E antes deste, mas é bastante recomendável, principalmente para conhecer ainda mais os personagens e entender como seu passado influencia a de cadeia eventos atual.
Enfim, leitura recomendada para quem curte thrillers e para aqueles que, como eu, adoram livros que se deixam ler confortavelmente em apenas um dia.
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Texto de autoria de Cristine Tellier.