A câmera de Paolo Sorrentino viaja pelos arredores dos monumentos. O cenário belíssimo de Roma é elevado às alturas, num tom quase divino, graças ao registro visual do realizador. Tais ângulos são típicos de seus trabalhos, mas em La Grande Bellezza estão a serviço de resumir a viagem, tanto a descrita no início da película quanto a do passeio pelas memórias e reminiscências de Jep Gambardella (Toni Servillo), um escritor que, há muito, largou a pena. Sua velhice é repleta de adjetivos que o público consideraria ideal: badalada, repleta de festas regadas a bebidas e mulheres belíssimas que ainda deseja, mesmo sem a fome de antes, resignado em muitos momentos e em um contentamento (aparentemente) resoluto.
Sua roda de amigos é formada por outros artistas, mostrados como pessoas idosas, decadentes, que vivem de suas obras passadas. A reflexão é semelhante ao cinema felliniano, variando entre momentos de contemplação e adrenalina extrema. Nos momentos em que a jovialidade é mostrada, a rotação é acelerada, enquanto o registro das ações idosas é vagaroso. Visão direta de Jep, dessa vez julgando seus semelhantes. Um travamento criativo (não escrevia um romance há tempos) garantiu a ele congelamento mental. Gambardella não precisou envelhecer, só experimentou o que quis, e, à sua maneira, despreza quem se entregou à velhice. Seu cinismo o faz desdenhar das pomposas opiniões alheias, reduzindo-as. A ausência de ambição aumentou sua desfaçatez, que, por sua vez, afiou sua crueldade. Seu ímpeto em dias passados era não se tornar um mundano, mas um rei; queria a diferença, e sem perceber, perdeu a distinção.
Ainda sobre o círculo social de Jep, quase todos são reféns da arte, mesmo os que não a praticam há muito tempo. Os que não são mais criativos a perseguem, tentam reavê-la, e os que ainda a exercem são seus escravos. A busca pela obra perfeita é subjugada pelo anseio de relevância; o reconhecimento os define. É um mal, uma muleta para os artesãos, causa malefícios, simbolizados pelas rugas no rosto, que, por sua vez, são o esconderijo onde o talento se esconde.
A morte e a perda de pessoas importantes arranham a superfície da cúpula de onipotência do escritor. Aos poucos ele volta a ter as sensações que pensava haver perdido, e o estopim da mudança vem por meio da última pessoa que ele poderia imaginar. Percebe com o tempo – e o público é levado a crer – que a boêmia é como a vida animal. Sem muito sentido, os excessos não trazem todo o gozo desejado.
A incessante procura pela inspiração – chamada por Sorrentino de Beleza – é encontrada junto à morte. A vida, cheia de falatórios infindáveis, esquece-se do silêncio catalisador dos sentimentos. A miséria, a tristeza, tudo isso pertence à vida, à fantasia, à ilusão…
“Termina sempre assim. Com a morte. Mas primeiro havia a vida. Escondida sobre o blá, blá, blá. Está tudo sedimentado sob o falatório e os rumores. O silêncio e o sentimento. A emoção e o medo. Os insignificantes, inconstantes lampejos de beleza. Depois a miséria desgraçada e o homem miserável. Tudo sepultado sob a capa do embaraço de estar no mundo. Blá, blá, blá, blá… O outro lado é o outro lado. Eu não vivo do outro lado. Portanto… que este romance comece. No fundo… é apenas uma ilusão. Sim, é apenas uma ilusão”.
A história trazida por Sorrentino é das mais universais, encaixa-se em praticamente qualquer vida humana, e ainda assim é única. Por sua doce e leve abordagem, pode-se inferir certa emulação de Federico Fellini em seus melhores momentos (La Dolce Vitta, e Amarcord especialmente), mas as reflexões de vida em seu texto são voltadas também para a contemporaneidade. Possui fotografia impecável e roteiro tocante, além da magistral atuação de Toni Servillo. Um dos maiores acertos cinematográficos de 2013.