Tag: Toni Servillo

  • Crítica | A Garota na Névoa

    Crítica | A Garota na Névoa

    A Garota na Névoa, filme de Donato Carrisi, se inicia mostrando o dia dia das investigações policiais em uma cidade isolada. O responsável pela investigação é o agente Vogel, vivido pelo veterano Toni Servillo, e já ao chegar a cidade, coisas estranhas ocorrem. Sua mudança de recinto ocorre graças ao desaparecimento de uma jovem, fato bastante incomum de ocorrer, evidentemente, ainda mais em um comunidade pequena e pacata.

    Há algumas tramas paralelas, entre os cidadãos comuns da cidadela, que na maioria das vezes, soam bastante desinteressante, apesar de obviamente enriquecer a trama e trazer possibilidades e pistas sobre o paradeiro da menina, no entanto, é nos trechos em que Servillo aparece que o filme claramente sobe de patamar, se capturando ainda mais a atenção do espectador.

    Ao menos no quesito suspense, Carrisi acerta bastante. O desenrolar do mistério é gradativo, lento, mas não enfadonho, tampouco é genérico, ao contrário, os aspectos técnicos são muito bem empregados, a trilha não é invasiva, a fotografia ajuda a causar uma sensação de sufocamento, emulando assim as sensações que os membros da cidade tem ao se deparar com tamanha barbárie. Aliás, a participação de Jean Reno faz lembrar Rios Sangrentos, embora esse seja bem mais comedido que o longa citado.

    O desfecho faz o filme ganhar ainda mais força em mistérios, com uma abordagem que conta não só com uma escalada de suspense, mas também com cenas com planos e contra-planos interessantes e belos. Há momentos em que o espectador parece estar apreciando um quadro clássico em movimento. É uma pena que o roteiro de Carrisi (baseado no livro do próprio) não seja tão potente quanto sua capacidade com a câmera nas mãos, mas ainda assim, A Garota na Névoa é um grande exemplar de thriller europeu.

     

  • Crítica | Gomorra

    Crítica | Gomorra

    Sem qualquer pudor. A violência real, imediata, crua, com assassinatos em lugares cotidianos e cometidos por um elenco sem atores profissionais. Emula realidade com a mesma crueza do livro de Roberto Saviano. No filme de Matteo Garrone, os criminosos são pessoas comuns, sem o glamour dos romances de Puzo, vestem-se como maltrapilhos, habitam casas ordinárias e amam o cinema, referenciando a todo momento Tony Montana, um dos papéis marginais mais conhecidos de Al Pacino, a despeito até de seu Michael Corleone. A identificação com o cubano é mais fácil, dadas as condições paupérrimas dos napolitanos.

    Mesmo com o caráter de improviso, a face da Camorra mostrada em tela tem a sua hierarquia, que tem de ser respeitada, mesmo pelos adeptos que habitam a ralé. A linha narrativa funciona como uma colcha de retalhos, com períodos em formatos de pseudo-esquetes que são coladas pela violência visceral da fita. Os dramas mostrados servem para compor um quadro depressivo, do quanto sofre a população com as ações do Sistema, que se sente dono de todo lugar onde pisam.

    Desde cedo as crianças e jovens são doutrinados na feitura de assassinatos e crimes. Os becos escuros não são imundos somente em seus concretos e tintas gastas, mas também em seus espíritos, sujos como as almas daqueles que amedrontam e extorquem os ordinários. As marcas de balas que ficaram nos coletes são marcas de guerra, fruto da síndrome da iniciação.

    Os tiros na região pantanosa, sem roupas, despidos quase como quando vieram ao mundo revela uma inserção de corpo e alma dentro do ideário do Sistema – nome dado pelos camorristas ao seus clãs e modo de governo. Os meninos quase sem pelos ou sinais de vida adulta já voltam suas forças para um destino preponderante e errático, cuja vida certamente será bem curta dada a alta taxa de mortalidade comum a essa parcela da população.

    Afora o elenco amador, há dois papéis preponderantes, que impõe respeito a fita mesmo com seus papéis secundários. O tecelão Pasquale, vivido por Salvatore Cantalupo mostra o deslumbramento que um civil tem em receber toda a atenção dada pelos mafiosos, além é claro das benéces do trabalho de alta rentabilidade, mas é pródigo em mostrar também o quão efêmera pode ser esta subida e como a queda é devastadora. Toni Servillo vive Franco, um executivo, um chefe comorrista bastante diferente do arquetipo honrdo do anti-herói Don Corleone de Brando. A tal honra mostrada no filme do Coppolla não é tão presente nesta versão moderna, sinal dos tempos, sinal de verossimilhança.

    A fórmula que mistura ficção de documentário, hoje absolutamente laureada e comum, não era tão corriqueira pelos idos de 2008. A realidade impressa, com os resquícios de western spaghetti, vista nos rostos suados dos personagens, emula também o cotidiano sincero das ruas napolitanas, onde a tragédia habita e vive lado a lado comm todos os fatos corriqueiros, habitando as mesmas terras do proletário e fazendo valer seu domínio sobre os que eles exploram.

    O resultado esmagador no destino de Pasquale é amedrontador, com a redução de sua auto-estima a zero, a despeito até do seu talento rarissimo. As humilhações que o conterrâneo sofre são muitas, variadas, onde o Sistema demonstra sem qualquer misericórdia quem manda, quem dá as cartas, quem rege os destinos e quem é o dono da vida, desde a dos camorristas até a alheia. Não há muita menção ao governo ou ao Estado, visto que o poder deste é mínimo perto do que faz valer a organização. Gomorra mostra uma realidade tão ímpar e digna de combate que se assemelha as piores imaginações sonhadas por romancistas, contistas e contadores de histórias, como um forte golpe na face da sociedade, que entre outras tantas hipocrisias, permite a livre ação dos homens denunciados por Roberto Saviano.

  • Crítica | Viva a Liberdade

    Crítica | Viva a Liberdade

    Viva-la-libertà

    Thriller político iniciado com uma corrida na direção de um discurso político protagonizado pelo palestrantes e seus assessores, seguido de uma apresentação repleta de discussões, tão sanguíneas como a verve italiana: um belo estereótipo de como os italianos agem em sua intimidade. Viva a Liberdade, de Roberto Andò, é o retrato do quão difícil é fazer política na Itália, especialmente quando se é oposição. Nesse ponto, reflete a realidade de muitos países, inclusive a do terceiro mundo tupiniquim, “república das bananas”, Terra Brasilis. Os mesmos argumentos falaciosos que denigrem a parte esquerdista de ver o quadro sócio-econômico atingem os protagonistas do filme.

    Toni Servillo faz Enrico Oliveri, o secretário principal do partido oposicionista, que por dar ouvidos aos seus inimigos políticos, mostra-se um sujeito inseguro e repleto de dúvidas, algo que para um candidato é muitíssimo refutável e repreensível. Seus momentos de intimidade são quase todos melancólicos, e a postura remete a um derrotismo que sequer foi anunciado ainda. A equipe criativa responsável pelos discursos do político põe em pauta também a fraca motivação do sujeito, escolhendo saídas plausíveis para o seu estado depressivo. Enrico parece envolvido em um irresistível invólucro de depressão o qual só poderia evitar caso tivesse uma ação bastante radical e de natureza externa.

    É bastante curioso o modo como a fita transita entre o gênero dramático e a comédia, variando de modo fluido e espontâneo. As preocupações com o futuro de Enrico podem ser concentradas no personagem Andrea Bottini, de Valerio Mastandrea, o assessor mais próximo do imberbe candidato. Quando Enrico some dos olhos de seus conhecidos, Bottini o procura na casa de um parente, encontrando um membro do clã, Giovannni Ernani, absolutamente igual a ele, tão parecido com o sujeito que a confusão entre ele estar interpretando ou não um papel é considerável. Após uma série de tropeços e, claro, após uma corajosa iniciativa, os membros do partido decidem prosseguir a campanha com Ernani no centro das articulações.

    A diferença de espírito é notada logo no início. Giovanni não titubeia diante dos abutres da imprensa e consegue se desviar como um autêntico membro do governo, usando de sutileza quando precisa, mas também distribuindo coices quando julga necessários. A mudança transforma completamente o esforço de campanha, tornando todo o trabalho menos penoso e mais alegre e positivo e, por isso, com maiores chances de lograr êxito.

    O verdadeiro Enrico prossegue em seu exílio levando uma vida bucólica e idílica, em nada parecida com a rotina difícil e estressante da zona urbana onde normalmente reside. Essas novas experiências servem para recarregar as baterias, reunir forças novamente, para retomar seu lugar de direito quando necessário. No entanto, seu sósia vai tão bem que aqueles que sabem da farsa pensam muito se vale destruir a encenação, substituindo este pelo eleito de direito mesmo que este direito seja discutível.

    O jogo de sedução imposto pelo candidato deveria envolver somente o eleitorado, mas isto se alastra para outros campos. O homem popular capta a feminilidade de cada uma das mulheres que o encontram, graças a sua persona sempre carismática e que nesse momento torna-se afrodisíaca e irresistível. O que não fica exatamente claro é se isso já ocorria antes da mudança de corpos ou se foi essa transmutação que causou toda a alta na popularidade do possível eleito.

    É interessante notar a aura e o clima surreal que envolve o desenrolar do quadro eleitoral, sendo este quase sobrenatural dada a irrealidade em seu caráter . A sensibilidade proposta no enfrentamento das situações é flagrante, especialmente por humanizar um processo que é (e sempre foi) muito burocrático e que, mesmo assim, ainda guarda uma enorme parcela de conduta emocional. O foco nesta exata parcela é uma escolha muito feliz do roteiro. A paródia de Roberto Andó sobre o seu próprio romance contém um fino equilíbrio de crítica social, humor ácido e leveza de espírito, com uma sensibilidade poucas vezes vista em fitas políticas.

  • Crítica | A Grande Beleza

    Crítica | A Grande Beleza

    A Grande Beleza

    A câmera de Paolo Sorrentino viaja pelos arredores dos monumentos. O cenário belíssimo de Roma é elevado às alturas, num tom quase divino, graças ao registro visual do realizador. Tais ângulos são típicos de seus trabalhos, mas em La Grande Bellezza estão a serviço de resumir a viagem, tanto a descrita no início da película quanto a do passeio pelas memórias e reminiscências de Jep Gambardella (Toni Servillo), um escritor que, há muito, largou a pena. Sua velhice é repleta de adjetivos que o público consideraria ideal: badalada, repleta de festas regadas a bebidas e mulheres belíssimas que ainda deseja, mesmo sem a fome de antes, resignado em muitos momentos e em um contentamento (aparentemente) resoluto.

    Sua roda de amigos é formada por outros artistas, mostrados como pessoas idosas, decadentes, que vivem de suas obras passadas. A reflexão é semelhante ao cinema felliniano, variando entre momentos de contemplação e adrenalina extrema. Nos momentos em que a jovialidade é mostrada, a rotação é acelerada, enquanto o registro das ações idosas é vagaroso. Visão direta de Jep, dessa vez julgando seus semelhantes. Um travamento criativo (não escrevia um romance há tempos) garantiu a ele congelamento mental. Gambardella não precisou envelhecer, só experimentou o que quis, e, à sua maneira, despreza quem se entregou à velhice. Seu cinismo o faz desdenhar das pomposas opiniões alheias, reduzindo-as. A ausência de ambição aumentou sua desfaçatez, que, por sua vez, afiou sua crueldade. Seu ímpeto em dias passados era não se tornar um mundano, mas um rei; queria a diferença, e sem perceber, perdeu a distinção.

    Ainda sobre o círculo social de Jep, quase todos são reféns da arte, mesmo os que não a praticam há muito tempo. Os que não são mais criativos a perseguem, tentam reavê-la, e os que ainda a exercem são seus escravos. A busca pela obra perfeita é subjugada pelo anseio de relevância; o reconhecimento os define. É um mal, uma muleta para os artesãos, causa malefícios, simbolizados pelas rugas no rosto, que, por sua vez, são o esconderijo onde o talento se esconde.

    A morte e a perda de pessoas importantes arranham a superfície da cúpula de onipotência do escritor. Aos poucos ele volta a ter as sensações que pensava haver perdido, e o estopim da mudança vem por meio da última pessoa que ele poderia imaginar. Percebe com o tempo – e o público é levado a crer – que a boêmia é como a vida animal. Sem muito sentido, os excessos não trazem todo o gozo desejado.

    A incessante procura pela inspiração – chamada por Sorrentino de Beleza – é encontrada junto à morte. A vida, cheia de falatórios infindáveis, esquece-se do silêncio catalisador dos sentimentos. A miséria, a tristeza, tudo isso pertence à vida, à fantasia, à ilusão…

    “Termina sempre assim. Com a morte. Mas primeiro havia a vida. Escondida sobre o blá, blá, blá. Está tudo sedimentado sob o falatório e os rumores. O silêncio e o sentimento. A emoção e o medo. Os insignificantes, inconstantes lampejos de beleza. Depois a miséria desgraçada e o homem miserável. Tudo sepultado sob a capa do embaraço de estar no mundo. Blá, blá, blá, blá… O outro lado é o outro lado. Eu não vivo do outro lado. Portanto… que este romance comece. No fundo… é apenas uma ilusão. Sim, é apenas uma ilusão”.

     A história trazida por Sorrentino é das mais universais, encaixa-se em praticamente qualquer vida humana, e ainda assim é única. Por sua doce e leve abordagem, pode-se inferir certa emulação de Federico Fellini em seus melhores momentos (La Dolce Vitta, e Amarcord especialmente), mas as reflexões de vida em seu texto são voltadas também para a contemporaneidade. Possui fotografia impecável e roteiro tocante, além da magistral atuação de Toni Servillo. Um dos maiores acertos cinematográficos de 2013.