Isabelle desde o início da película é um objeto a ser observado, ela é vigiada por olhos desejosos de si, ainda que alguns desses o façam de forma inconsciente (questão esta dúbia e discutível, visto o desenrolar da trama). A sexualidade nela é aos poucos aflorada, e como é sublime ver um corpo juvenil se auto-descobrindo, especialmente antes de ser tocada por mãos masculinas que as ferem tal monumento a beleza. É impossível não se afeiçoar minimamente pelas feições e curvas de Marine Vatch.
Os beijos que recebe dos presentes em seu aniversário são desferidos quase todos próximos de sua boca, isto, aliado a música da trilha e sua letra profética, prenunciam uma carência que começa a crescer e que evoluiria dentro de sua psiquê. Havia um desejo por mais, uma necessidade de auto-exposição, que não seria satisfeito num estilo de vida normal e extremamente regrado.
O seu novo ofício é organizado, ela só atenderia as tardes, nunca a noite ou em finais de semana: seu intuito era o de ter uma carga horária o mais comum e normativa possível, visto que a natureza de seu trabalho não era usual. Seus clientes tem gostos e preferências muito diversas, alguns são exigentes, outros desonestos, outros preferem não ser tocados – o que é esquisito dada a natureza do serviço, sua adaptação é plena e se dá aos poucos, mesmo com (alguns) insultos que recebe de quem a contrata.
A opção pelo emprego não a exime do constrangimento, que a faz se lavar obsessivamente, para se livrar dos sinais e odores dos homens que a possuem. No entanto, sua insatisfação é crescente, só faz aumentar, mesmo com a pequena fortuna que vai acumulando. Há mais que somente o código moral a incomodando, e ela não consegue entender o que está lhe causando isso.
A segunda parte da história, a partir do Momento Inverno, mostra a aposentadoria forçada de Isabelle e a decepção de sua mãe ao descobrir seus serviços. A profundidade da questão é abordada muito bem, sob os olhos da figura materna, que procura a culpa em todos os fatores externos a sua própria ação. O sentimento que ela tem pela filha é de asco pelas atitudes que considerava erradas por essência e também de medo do vício que ela adquiriu. Ao final ela não consegue entender a confusão que se passa na mente da moça.
François Ozon apresenta uma história única, que não é condescendente com o público em momento algum, não o poupando das vicissitudes da questão primordial, mostrando esta sobre várias facetas, desde a comum associação satânica, até a fantasia e fetiche de muitas mulheres – fetiche no caso correspondente o ato de “auto-comercialização”, declarado por uma das personagens. O desfecho, em aberto, levanta inúmeras possibilidades para o futuro de Isabelle, nenhuma dessas porém garantem a si um futuro sem traumas ou lembranças vis.