O casal Bonzini mantém um restaurante, La Pataterie, em uma zona comercial um pouco afastada do centro da cidade. O primogênito deles, Bênoit (Benoît Delépine), que adotou o nome de Not, é o punk mais antigo da Europa e vive nas ruas com seu cachorrinho de estimação. O filho mais novo, Jean-Pierre (Albert Dupontel), é – ou pelo menos se esforça para ser – o certinho da família. É casado, tem uma filha pequena e trabalha como vendedor numa loja de colchões. Mas mesmo assim não consegue pagar todas as suas contas. A vida de Jean-Pierre começa a desandar quando seu casamento desmorona e ele perde o emprego. Ele passa a fazer companhia ao irmão e os dois juntos irão viver grandes aventuras (ou não).
Da dupla de realizadores Kervern e Delépine espera-se sempre uma abordagem marginal – à margem, não fora-da-lei – e nonsense de assuntos do cotidiano, sempre usando o humor como veículo de crítica. No caso deste filme, parecem não ter acertado a mão já que, ao atirarem para todos os lados, ora pesando no discurso crítico social ora exagerando nas gags visuais e verbais, não conseguem dar unidade à narrativa, o que a deixa tediosa em vários momentos.
Um olhar “interno”, de quem vive a realidade atual europeia, certamente tirará maior proveito de algumas das piadas. Contudo, este é um dos problemas, pois essas “piadas internas” constituem a maior parte do humor do filme, deixando o espectador não-europeu boiando em muitas cenas. E, considerando que várias piadas brincavam com o idioma, tive pena do espectador que é obrigado a assistir com legendas, pois mesmo compreendendo a língua, muitas delas soam repetitivas e sem graça – traduzidas, devem beirar o incompreensível.
A premissa é muito boa: percebe-se nitidamente a intenção dos realizadores, parodiando ao mesmo tempo em que criticam o status quo. Mas a falta de homogeneidade e o último terço do filme totalmente sem ritmo comprometem o resultado final. É bastante promissor no início, tanto na caminhada de Not pela autoestrada que leva ao centro comercial quanto na “conversa” dos irmãos com o pai durante o almoço. Não há conversa. Ao mesmo tempo, cada um dos irmãos faz um monólogo sobre assuntos totalmente distintos, enquanto o pai, realizando sua contabilidade, não presta atenção a nenhum deles. Porém, à parte alguns momentos muito inspirados como esse, não há grandes inovações, seja na direção, seja na fotografia ou na atuação do elenco.
É uma pena que a obra não tenha conseguido atingir o mesmo nível de Aaltra, em que o surreal trabalha totalmente em favor da crítica sócio-econômica, sem parecer descolado do contexto.
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Texto de autoria de Cristine Tellier.