Nas primeiras linhas do relato, o jornalista Truman Capote narra as coisas comuns ao lugarejo onde será narrada sua história. No interior do Kansas, as pessoas vivem quase todas com a mesma linha de pensamento extremamente conservadora, atrelada à máxima de três pilares para uma vida boa e correta, com a valorização da família, tradição e propriedade. As pequenas predicações dos envolvidos na “história”, apesar de bastante breves, ajudam o leitor a mergulhar no mundo dos “personagens”, ajudando-o a se tornar íntimo deles.
Apesar de não fazer isto de forma explícita, o cronista mostra um bocado de descontentamento com aquele ambiente salutar, onde o moralismo impera quase que sem precedentes. Se o espectador estiver atento, capturará isto de modo fácil ao observar o texto nas entrelinhas.
A investigação sobre o assassinato do clã Clutter é mostrada sob diversos ângulos, tanto dos órgãos oficiais quanto de fontes oficiosas, como os vizinhos, os habitantes locais, os conhecidos e os amigos das vítimas. Cada um deles fornece um tempero a mais para a fórmula. As teorias que surgem a partir dos depoimentos de quem cercava Capote eram muitas e ajudavam-no a compor o quadro, mas não com a clareza que esperava. Apesar do andar lento para a “solução” do crime, o cronista mergulha cada vez mais fundo na intimidade dos cidadãos locais, e nota que, apesar da capa de conservadorismo usada pela maior parte das pessoas, os hábitos ditos pecaminosos são mais comuns do que parecem.
Capote utiliza-se das palavras das pessoas e das descrições livres para definir os personagens, mas sua escrita dos relatos dá um tom de impessoalidade ímpar às testemunhas, transformando-as em figuras genéricas, seres sem rosto, gente que pode habitar qualquer lugar do mundo, causando a conflitante impressão de familiaridade no receptor. Em determinados momentos, o autor, ao acompanhar os métodos dos investigadores, acha que eles abusam de sua autoridade e utilizam-se de modos truculentos com os suspeitos, mas em momento algum faz juízo de valor dos agentes, na verdade até valida a forma de tratarem o objeto analisado, dada a frieza e calculismo com que foi executado o clã Clutter.
O Crime:
Perry Smith é completamente lúcido ao descrever o que fizera com a família. Seus relatos são bastante detalhados e ele não apresenta nenhuma reticência depois que começa a falar. Tudo flui de uma maneira muito natural, mesmo com todo o caráter bizarro dos acontecimentos. O sentimento de humilhação que ele sentiu (dentro, evidentemente, da lógica distorcida de sua cabeça) foi o catalisador para que o crime ocorresse e o inspirou a ter tanta criatividade em cada um dos assassinatos. Mas o que mais provocou nele vontade de cometer os homicídios foi uma disputa pessoal com Dick (Richard Hickock era o seu nome). Os testemunhos dos dois suspeitos tinham algumas discrepâncias, principalmente na autoria dos assassinatos, mas entregavam ao detetive o que ele precisava saber em relação à culpabilidade, ainda que o motivo racional do ato não tenha sido totalmente esclarecido.
As possibilidades que motivaram Smith a agir tão friamente e que o levaram à capacidade de não se sentir culpado poderiam ser facilmente associadas a sua vivência em uma família disfuncional, mas, munido do seu trabalho de repórter, Capote não tira conclusões tão taxativas, e deixa que o seu leitor decida por si só, explanando somente o que sabe. Ainda assim, é fácil o quão próximo ele ficou do preso, e o quão estreito se tornou o convívio deles, dando margem a especulações que só viriam a se confirmar (ou não) anos depois do livro terminado.
O capítulo A Esquina é todo dedicado ao julgamento de Perry e Dick, e às expectativas que cercam não só os acusados, mas toda a opinião pública. Hickock não sabe definir se o que fez é certo ou errado – ao menos essa é sua alegação primária – no entanto, ele faz um apelo desesperado, implora ajuda ao tribunal afirmando não ter totais condições de responder criminalmente por seus atos, seria ele incapaz de raciocinar plenamente. A morte: tom retumbante das manchetes após o julgamento exprime também a perplexidade que o autor sentiu após ver seu amigo recebendo-a. CRIME SANGRENTO TERMINA COM MORTE NA FORCA.
Capote faz uma descrição deliciosa dos carrascos, contando cada detalhe em um tom poético. Mesmo o suor em seus corpos é parcialmente erotizado, emulando uma glamourização do ambiente marginal proveniente do cárcere. Palavras de conforto de cunho religioso são ditas após os instantes finais, mostrando que mesmo os facínoras podem receber a dádiva divina.
Em algumas edições, há um texto pós-publicação, com um trecho de O Sistema, no qual uma forte declaração de Truman pode ser vista: “é claro que os fatores relacionados ao meio ambiente são importantes, mas acredito firmemente que exista qualquer coisa como o criminoso nato. Os geneticistas afirmam hoje que possivelmente certas pessoas nascem com uma determinada estrutura cromossômica que as predispõe a prática de crimes, e que é muito difícil interferir sobre essas tendências.“
Após dar por encerrado A Sangue Frio, Capote jamais conseguiu redigir nada tão extenso, sequer finalizou seus escritos antigos. Após a morte de Perry Smith, o literato dedicou os seus últimos dezesseis anos a redações jornalísticas e a alguns poucos contos e roteiros adaptados, não chegando nem perto de se aventurar como havia feito antes. A sentença dada ao seu amigo o marcou de tal forma que sua alma de artista também se debilitou, o que muitos dos admiradores de Capote chamam de morte prévia.
Quem diria… Finalmente uma boa resenha.
Mas também, só faltava você se perder em elucubrações inúteis baseando-se em um texto de Capote.
Que bom que você gostou. De resto, vire a bundinha para cá!
Não, obrigado. Já me cansei dos seus beijos em minhas nádegas.
Ih, levou fora.
ciuminho foda
Cara, comprei esse livro ha anos em um sebo e ainda não li.
Agora me sinto obrigado a ler.
tá na hora mesmo Fabinho!