Escrito em letras garrafais, o título “Onde dominavam os homens…Agora reinam as feras!“, anuncia a adaptação dos filmes da franquia simiesca para os quadrinhos, lançada pela Editora Bloch sob o Selo Bloquinho. Os dezessete números da revista Planeta dos Macacos descortina a saga cinematográfica, claro, com um viés mais infantil do que o cunho utilizado nos filmes dos anos 60/70.
A maior mudança em relações aos filmes é que a ampliação das possibilidades do foco, já que, tendo o todo da saga para estudar, é possível aprofundar mais em algumas questões. Logo no início, há um embate ideológico de Lando com Taylor, no qual se discute a misantropia e o legado da Terra, dando a Taylor uma melhor construção de seu personagem. A violência é claramente aplacada, e cada capítulo conta com um gancho para a próxima edição. Curiosos são os extras, que, entre uma história e outra, mostram textos sobre os filmes, com fatos do bastidores muito antes da época da internet, quando o acesso à informação não era muito fácil. Além disso, há comparativos que mostram o desenvolvimento da inteligência dos chimpanzés. O nível de interação é tão grande que faz com que seu protagonista responda a cartinhas dos leitores.
Nesta versão, Zaius é bem menos sutil, vestindo a máscara de vilão de modo categórico, sem direito a nuances. Outra, das poucas diferenças em relação ao primeiro filme, é a gravidez de Nova. O roteiro adaptado de Doug Moench torna-se semelhante aos fatos do livro original, que foi descartado para a franquia cinematográfica. Uma pena é que a arte de George Tuska seja tão mal finalizada, deixando as cores saturadas em muitos momentos.
Já no número três é lançada a primeira parte de Pesadelo da evolução!, história inédita, também de Moench mas dessa vez com desenhos de Ed Hannigan, que mostram uma rivalidade entre homens e macacos dentro do território da Zona Proibida. Uma curiosa relação de simbiose nasce daquela batalha, uma vez que um dos gorilas, Salomon, está cego e o homem que sobreviveu, Jovan, teve suas pernas inutilizadas. A dupla tem de participar juntos da busca pela vida, numa estranha relação de inimizade. Após encontrar um velho macaco eremita, os dois guerreiros percebem que não precisam duelar até a morte só por causa de suas promessas, e chegam à pueril conclusão de que o melhor era viver em paz, não cedendo aos selvagens instintos que os cercavam através da inconsequente guerra.
Em Tirania no Planeta dos Macacos, Moench começa mostrando um homem chamado Derek Zane, num ambiente contemporâneo, ainda na Terra. Uma decepção amorosa o faz fantasiar e passear por um idílico sonho, que guardaria dias melhores para seu futuro. Em meio a esse desapontamento, ele foca sua volúpia em implantar seu plano de viajar no tempo, a la H G Wells, através de um maquinário, que possivelmente serviria de protótipo para ajudar Taylor em sua viagem para o futuro, quando ele acaba por chegar no planeta dos macacos.
A despeito da infantilidade comum às histórias em quadrinhos da época e até do escapismo de Derek, o drama explorado ainda guarda um pouco de discussão mais elaborada, como a predação desnecessária, impingida pelo militar Gorodan, um poderoso gorila que vê em Zane um obstáculo aos seus desejos. Os papéis de caça e caçador são revezados entre os rivais, mostrando o quão pobre é o caráter dessa situação. Mas isso é deixado de lado para que o humano protagonista possa desfrutar de uma aventura com ares medievais em uma parte do planeta misteriosamente preservada. Essa situação é dubiamente justificada pela desculpa de hecatombe nuclear, que teria possibilitado a super-evolução de seres animalescos, entre eles, os macacos. É interessante notar outros pontos de vistas e reimaginações naquele planeta, que mostram um lugar onde as duas espécies vivem bem e felizes. Embora a temática seja muito limitada, quase sempre caindo para a disputa furiosa de humanos e macacos, Zane ainda protagoniza outras histórias. Aliás, o excesso delas, mostrando outros mil grupos de homens falantes e inteligentes no planeta, transforma o enredo em algo bastante genérico.
Dois anos após os acontecimentos do quarto filme, e ignorando a continuação que sequer veio à tona até então, A Disputa do Planeta dos Macacos mostra César e seus asseclas vivendo isolados, escravizando humanos, revidando o tratamento que recebiam deles dois invernos antes. César, aos poucos, pensa em abrir o seu “apartheid pessoal”, tencionando unir humanos e macacos em sua aldeia, a despeito das reclamações de Aldo, o líder dos gorilas. O desfecho tem um viés bem mais otimista e politicamente correto que o término da franquia de cinema, mostrando humanos e símios vivendo tranquilos e em paz finalmente.
As revistas de 8 a 10 contam a mesma história do segundo filme. A arte de Alfredo Alcala consegue imprimir uma diferenciação nas castas de macacos não somente pela diversidade de cores, já que fica evidente que os focinhos do símios são bastante singulares para cada raça. Poucas mudanças ocorreram na trama original, assim como em Destino Terra, que adapta o terceiro filme e tem os desenhos de Rico Rival.
A trama dos filmes segue. No entanto, o relato das histórias torna-se secundário na capa de sua publicação. No número 14, o maior destaque são os extras, que reúnem fotos do filme King Kong, que estrearia algum tempo depois. Em outros momentos, há histórias publicadas que sequer fazem parte do universo dos símios, como O Vale dos Ancestrais, impresso originalmente em The Deadly Hands of Kung Fu, com os desenhos do ainda não famoso George Perez e dedicado à memória de Akira Kurosawa, mas que, semelhante as outras histórias, não é nada além do ordinário.
As cores dentro da publicação não dão margem a uma boa interpretação por parte do leitor. Os efeitos usados eram ruins até em comparação com seus pares contemporâneos, e o abismo de qualidade piora quando comparado com os moldes dos quadrinhos atuais. Unido ao roteiro quase sempre trôpego de Moench, a maioria das histórias acaba não chegando nem perto de ultrapassar a linha da mediocridade. Isso quando não são completamente genéricas, como o arco Zona dos Horrores, que conta mais uma interação boba entre humanos e símios contra a intolerância daquele planeta, embora não houvesse qualquer preâmbulo para isto. Os poucos momentos sóbrios do roteiros são as mudanças das incongruências nos filmes e um pouco da coragem em mudar os rumos do que ocorria no cinema, mas como dito, é muito pouco. A série da Bloquinho, em seus dezessete números, pouco teve a acrescentar na mitologia dos macacos.
Filipe, Existem alguns detalhes que julgo importantíssimos e que podem alterar completamente a análise de uma série de quadrinhos. Vejamos: a publicação original foi em formato magazine (21 x 28 cm) e em preto e branco, o que valorizava muito a arte. As edições da Bloch mutilaram dezenas de quadrinhos e de texto, além de serem muito mal impressas e coloridas, tornando os desenhos horríveis. Para se ter uma ideia, a quadrinização do último filme tinha cerca de 160 páginas de quadrinhos em formato magazine, que a Bloch reduziu a apenas uma edição em formatinho com pouco mais de 50 páginas. Aí fica difícil julgar o trabalho dos autores.
Bem observado.
Não sabia desses detalhes todos. Isso não foi republicado na íntegra depois?
No Brasil foi publicado apenas uns 20% do material. Originalmente foram 29 edições com 80 páginas cada (a quantidade diminuiu nas últimas edições para 52 páginas).
Que pena. Alguma editora bem que podia resgatar esse material e republicar adequadamente.